06 julho 2022

POR QUE O SOL ANDA TÃO DEVAGAR?

 

Contam os velhos sábios Karajá que, no início dos tempos, não havia sol, lua ou estrelas para trazer claridade. Tudo era muito escuro. Por causa disso, os Karajá precisavam manter um pequeno braseiro aceso dentro de casa. Mas isso era muito trabalhoso, pois exigia que os homens saíssem para a mata atrás de lenha. Como tudo era escuro e frio, todo mundo sentia uma grande indisposição para ir até lá. Além da preguiça, eles também sentiam muito medo de permanecerem fora de sua hetó, pois os perigos eram muito grandes.

Nesta época, dizem os velhos, a preguiça tomava de todo mundo, mesmo do grande herói do povo Karajá. Este herói, de nome Cananxiuê, morava na casa do pai de sua esposa, como é o costume desse povo. Por isso, sempre ouvia o velho homem lhe dizer:

- Oh, meu genro. você precisa encontrar a luz e trazê-la para todos nós. Você é um herói e como herói tem que resolver este problema que fará muito bem para os Karajá.

- Tá bom meu sogro, um dia eu vou!

Mas o herói não queria saber de levantar-se de sua rede. Como todos os homens do lugar, preferia ficar ali a enfrentar a noite escura e fria da mata. Nem lenha ele queria ir buscar, deixando a tarefa para sua esposa.

Um dia o velho sogro estava muito irritado com Cananxiuê e foi ele mesmo buscar lenha na mata. Como já estava bastante idoso, não enxergava mais direito, e acabou caindo e se machucando todo. Lá do mato, socorrido por outras pessoas, o homem velho berrou com o genro:

- Ô Cananxiuê, você tem que dar um jeito nessa escuridão! Já não aguento mais essa vida!

Não adiantou nada. O herói preguiçoso continuou deitado, cheio de preguiça. Foi então que os animais e a esposa de Cananxiuê se juntaram ao sogro, e começaram a reclamar.

Irritado com tanta gente pegando no seu pé, Cananxiuê decidiu sair pelo mundo à procura da luz do sol. Como estava irritado, decidiu que iria sozinho e nada levaria consigo.

Vendo que o herói nada levava, todo mundo na aldeia ficou desconfiado. Todos achavam que, andando desse jeito, sem levar arma alguma, aquele moço não conseguiria trazer o sol consigo.

Até os animais da floresta começaram a dizer a Cananxiuê:

- Como um homem sozinho pode vencer Theuú? O sol é grande e forte e mãos vazias não irão aguentá-lo.

- Randô é esperta e cheia de fases. Como poderá vencê-la?

- Thainá é valente e ligeira. Ela pisca e se esconde. Como irá encontrá-la?

Cananxiuê nada respondia. Continuava quieto apenas fazendo planos em seu pensamento:

- Se não posso flechar o sol, laçar a lua, amarrar as estrelas, para que usar armas? A minha arma tem que ser a esperteza.

E assim continuou sua jornada. Pelo caminho ia perguntando para todos que encontrava qual seria o paradeiro do sol, da lua e das estrelas. Ninguém sabia direito, até que num dia encontrou alguém que sabia onde eles viviam.

- O sol, a lua e as estrelas estão lá em cima. Eles estão muito bem guardados pelo Ranranresá, o urubu-rei.

- Então, se o urubu-rei que é dono do sol, da lua e das estrelas, é ele que tenho que vencer!

E assim foi, dizem os velhos Karajás.

Canaxiuê bolou um plano para vencer o Ranranserá. Ao chegar num lugar bonito, onde havia uma praia de rio, lugar largo e que desse chance para uma fuga, resolveu que ali seria o espaço ideal para travar sua batalha com o urubu-rei.

Ele deitou-se no chão e avisou a todos os animais que o seguiam: morri!

Para testar se ele estava mesmo morto, as moscas vieram e andaram por cima do corpo estendido no chão. Fizeram barulho perto do ouvido do herói morto e não conseguiram que ele movesse um único músculo. Disseram então:

- Ele está morto. Ele morreu mesmo.

Em seguida veio um grupo de urubus e voaram em círculo sobre o cadáver. Desconfiados, não quiseram arriscar descer onde ele estava. Tempos depois, alguns vieram e bicaram a barriga de Cananxiuê, mas ele não se mexeu. Então disseram entre si:

- Ele está morto. Pode avisar o rei.

Ranranserá sobrevoou o herói. Estava desconfiado, mas, acreditando nas palavras de seus conselheiros, pousou bem no peito do cadáver que, rápido como um raio, agarrou as pernas do urubu-rei e tornou-o seu prisioneiro.

Ao notar que o herói havia conseguido aprisionar o dono do sol, os animais começaram a caçoar do pássaro:

- Este urubu não é de nada. Deixou aprisionar-se de uma forma tão infantil.

- Não pode ser rei alguém que se torna presa de um Karajá!

- Como pode ser dono do sol, da lua e das estrelas alguém tão fácil de agarrar.

Os animais sabiam que agindo daquela forma iriam provocar a ira do urubu-rei e que acabariam conseguindo dele o que queriam.

Passado algum tempo, e já não mais aguentando tamanha gozação, Ranranresá chamou Canaxiuê e lhe propôs satisfazer qualquer vontade do moço por sua liberdade.

- Liberte-me e eu lhe darei o que pedir.

- Irá me dar qualquer coisa?

- Tudo o que quiser, desde que me liberte.

- Você me dá sua palavra, urubu-rei?

- Dou minha palavra.

O herói libertou o urubu-rei, que imediatamente tomou o rumo do céu. Aliviado por estar livre das correntes, a ave voltou ao jovem:

- O que você quer em troca de minha liberdade?

- Quero a luz das estrelas!

O Urubu sumiu, voltando em seguida com a luz das estrelas. Isto, no entanto, não agradou a todos. Queriam uma luz mais forte que a das estrelas.

- Quero que me traga a luz da lua!

Urubu-rei partiu e regressou trazendo apenas a luz da lua consigo. No entanto, essa luz ainda não era suficiente.

- Quero Theuú, o sol. Somente ele tem a luz e o calor que os Karajás precisam.

Urubu-rei foi e voltou com o sol. O sol brilhava forte, e quase queimou tudo em seu caminho. Mas, o Urubu-rei estava muito chateado com os Karajás, e pediu ao sol que passasse bem rápido, sem dar tempo para que ninguém o aproveitasse. E mais uma vez os Karajás foram reclamar com Cananxiuê.

O herói tentou pedir para que o Urubu-rei falasse com o sol. No entanto, o bicho estava com tanta raiva de Cananxiuê que disse a ele que ele mesmo falasse com o sol.

Canaxiuê bolou então um plano para conseguir fazer com que o sol passasse mais devagar. Ficou esperando no topo de uma grande palmeira. Quando o sol estava bem perto da árvore saltou para cima do sol e agarrou sua cabeleira. Ela estava muito quente! Por isso Canaxiuê teve de escorregar até seu pescoço, que ainda estava muito quente, fazendo com que ele escorregasse para sua barriga, e depois para sua cintura, até que chegasse em sua barriga da perna, onde o calor era suportável.

Quando chegou na batata da perna do sol, Cananxiuê se agarrou bem firme, fazendo com que o sol passasse bem devagar, e que os Karajás conseguissem realizar todas as suas tarefas diárias: caçar, pescar, pegar lenha na mata, trançar suas redes, comer… Sem precisar correr com medo do fim do dia.

E quando o sol vai embora e a humanidade fica entregue à noite, os Karajás recebem com alegria a luz de Randô, e podem contar com Thainá mesmo nas noites mais escuras.

 

Glossário

Karajá: Povo que habita o Estado do Tocantins. Sua família linguística pertence ao grande tronco Macro-Jê e incorpora outros grupos indígenas como os Javaé e Xambioá.

Cananxiuê - Herói cultural Karajá. Nesta história, o herói é quem tira o seu povo da escuridão da noite.

Theuú – Sol

Randô – Lua

Thainá - Estrela vespertina

Ranranresá - Urubu-rei. Ave grande, formosa e rara. É um urubu de penas cor do café com leite, arminho no pescoço e pupila branca como se fosse de porcelana. Seu nome foi dado por causa da coroa amarela e vermelha que traz na cabeça como um cristal.

 

Conto adaptado do livro MUNDURUKU, Daniel. Contos indígenas brasileiros, São Paulo: Global, 2005.








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04 julho 2022

ELES NÃO USAM BLACK-TIE

 ELES NÃO USAM BLACK-TIE, DE GIANFRANCESCO GUARNIERI

 

Primeira peça de Gianfrancesco Guarnieri, Eles não usam black-tie, de 1958, foi encenada pela primeira vez quando o movimento Cinema Novo começava a surgir [...]. No lugar de cenários pomposos e figurinos luxuosos, ficaram apenas os elementos de cena indispensáveis. Ao invés de personagens ricos e nobres, operários e moradores do morro tomaram o palco. Ali, em plenos anos 50, negros eram cidadãos comuns. Pela primeira vez, os conflitos da realidade brasileira ganhavam espaço na caixa cênica.

Eles não usam black-tie situa-se [...] tem como tema a greve, e [...] como pano de fundo um debate sobre as grandes verdades eternas, reflexões universais sobre a frágil condição humana, [...]. É a história de um choque entre pai e filho com posições ideológicas e morais completamente opostas e divergentes [...].

O pai, Otávio, é operário de carreira, um sonhador, um idealista, leitor de autores socialistas e, ao mesmo tempo um revolucionário por convicção e consciente de suas lutas. Forte e corajoso entre os seus companheiros, experimentou várias lideranças, algumas prisões, com isso ganha destaque entre os seus transformando-se num dos cabeças do movimento grevista.

O filho, Tião, [...] é criado [...] longe do morro, com os padrinhos, sem conviver com esse mundo de luta e reivindicação da classe operária. Hoje adulto e morando no morro com os pais, vive um dos maiores conflitos de sua vida. Em primeiro lugar não quer aderir à greve [...]. Em segundo lugar pretende se casar com Maria, moça simples, porém determinada e leal ao seu povo, e está esperando um filho seu. Desta forma, Tião está mais preocupado com o seu futuro do que com a luta de seus companheiros [...]. Para Tião, greve é algo utópico. Ele [...] precisa resolver seus problemas de imediato, ou seja, se casar.

Eles não usam black-tie é um texto político e social, sempre atual no qual Gianfracesco Guarnieri criou de um lado, personagens marcantes e populares [...] que nos revelam um mundo alegre, descontraído e aparentemente feliz. Já por outro lado a peça se apresenta forte e densa revelando de maneira real os conflitos que atormentam personagens [...]. Assim, se por um lado mostra um olhar profundo dentro da sociedade brasileira, por outro esse olhar vem embalado por um valor poético materializado na visão romântica do mundo de seus personagens.

Embora, na convencional teoria de dramaturgia teatral não se enquadre essa abordagem, o drama social é de natureza épica e por isso mesmo uma contradição em si mesma. Aqui, novamente Guarnieri quebrou também outra regra essencial, presente nos manuais do “bom drama”: ao invés de trazer personagens “superiores” como protagonistas, ele se utilizou de gente humilde, trabalhadores comuns, para conduzir sua história. [...]

A temática não é política, muito menos panfletária. O que discorre são relações de amor, solidariedade e esperança diante dos percalços de uma vida miserável. Assim, a peça alia temas como greve e vida operária com preocupações e reflexões universais do ser humano. [...]

Eles não usam black-tie é um marco do teatro de temática social. Foi com a encenação de Eles não usam black-tie, que se iniciou uma produção sistemática e crítica de textos dispostos a representar as classes subalternas, com ênfase para a representação do proletariado. Nesse sentido, a peça de Guarnieri insere-se num quadro que se ampliou a partir da década de 1950, quando surgiu uma dramaturgia com preocupações ligadas à representação de uma camada específica da sociedade brasileira e, para além disso, em busca da construção de uma identidade nacional pautada em variedades culturais internas.



Adaptado de: https://www.passeiweb.com/eles_nao_usam_black_tie/




FARSA DE INÊS PEREIRA - GIL VICENTE (TRECHO EM PORTUGUÊS BRASILEIRO)

Sai a mãe. Fica Inês Pereira e o Escudeiro. A jovem começa a cuidar da casa, cantando uma cantiga:

Inês:             Vida de Inês é difícil,

É difícil ser Inês...

Mas agora, casada...

O Escudeiro, vendo Inês Pereira, fica irado... E grita:

Escudeiro:   Você cantou, Senhora Inês Pereira?

Não acredito no que você fez!

Será a primeira e última vez!

Se eu ouvir outra vez você cantar,

Não conseguirá nem mais assoviar...

Inês:             Se assim o quer, meu marido,

Farei o que me é por você pedido,

E demos o caso por esquecido.

Escudeiro:   Acho bom que obedeça.

Sempre assim deve ser que aconteça.

Inês:             Por que ficou bravo, marido?

Escudeiro:   E precisa de motivo?

Digo só uma coisa:

Assim deve ser minha esposa...

Que não me responda, eu digo

Quando o marido fala,

A mulher se cala!

Você não vai falar

Com mulher ou homem que seja;

Nem irá à igreja

Eu já preguei as janelas,

Não porá seu rosto fora delas;

Vai ficar trancada, isolada,

E nem um pio vai reclamar!

Inês:             Ó, Deus? Quantos pecados foram os meus?

Por que razão me mantém nessa prisão?

Escudeiro:   Não há outro jeito

Mantê-la, sem defeito

É você, mulher, a razão...

Que mal existe guardar meu ouro?

Você é meu tesouro!

Em casa não vai mandar

Por nada, nenhum pouco;

Se eu disser: “Isto é um porco”

Com a cabeça baixa vai ter que confirmar.

Só eu posso ordenar!

Não vai você chorar!

Lá na guerra da África,

Poderei eu me tornar cavaleiro.

Falando para o criado:

Escudeiro:    Você deve permanecer aqui, assim;

Vai vigiar por mim

O que faz sua senhora:

Não permita que fique para fora.

Falando para Inês:

Escudeiro:    Você, trabalhe, fica por aqui.




03 julho 2022

AVALIAÇÃO BIMESTRAL 1 - 2ª SÉRIE 2022

QUESTÃO 01

Cenário “instagramável”: deixa a casa pronta para fotos e lives na rede social

Disponível em: https://extra.globo.com/mulher/decoracao/cenario-instagramavel-deixe-casa-pronta-para-fotos-lives-na-rede-social-24509328.html. Acesso em: 14 dez. 2021.

No título da notícia, há uma nova palavra, criada para atender a uma demanda do universo das redes sociais, caracterizadas, em geral, pela exposição de fotos e vídeos. Ao observar o processo de formação do neologismo “instagramável”, verifica-se que esse é formado por

a) composição por justaposição.

b) composição por aglutinação.

c) derivação parassintética.

d) derivação sufixal.

e) derivação prefixal.

 

QUESTÃO 02

Em agosto de 2005, a Revista Língua fez uma entrevista com Millôr Fernandes, o escritor escolhido para ser o homenageado da FLIP 2014. Eis, aqui, alguns trechos desta entrevista.

Língua – Fazer humor é levar a sério as palavras ou brincar com elas?

Millôr – Humor, você tem ou não tem. Pode ser do tipo mais profundo, mais popular, mas tem de ter. Você vai fazendo e, sem querer, a coisa sai engraçada. Dá para perceber quando a construção é forçada. Tenho uma capacidade muito natural de perceber bobagem e destruir a coisa.

Língua – Com que língua você mais gosta de trabalhar?

Millôr – Não aprendi línguas até hoje (risos). Gosto de trabalhar com o português, embora inglês seja a que eu mais leio. Nunca tive temor de nada. Deve-se julgar as obras pelo que elas têm de qualidade, não por serem de fulano ou beltrano. Shakespeare fez muita besteira, mas tem três ou quatro obras perfeitas, e Macbeth é uma delas.

Língua – Na sua opinião, quais vantagens o português possui em comparação a outras línguas que você conhece?

Millôr – A principal vantagem é a de ser a minha língua. Ninguém fala duas línguas. Essa ideia de um espião que fala múltiplas línguas não passa de mentira. Vai lá no meio do jogo dizer “salame minguê, um sorvete colorê...” ou “velho guerreiro”. Os modismos da língua, as coisas ocasionais, não são acessíveis a quem não é nativo. Toda pessoa tem habilidade só no seu idioma. Você pode aprender uma, dez, sei lá quantas expressões de outra língua, mas ainda existirão outras mil – como é que se vai fazer? A língua portuguesa tem suas particularidades. Como outras também. Aprendi desde cedo a ter o cuidado de não rimar ao escrever uma frase. Sobretudo em “-ão”.

Língua – Quais as normas mais loucas ou mais despropositadas da língua portuguesa?

Millôr – Toda pesquisa de linguagem é perigosa porque tem o caráter de induzir o sentido. Não tenho nenhum carinho especial por gramáticos. Na minha vida inteira sempre fui violento [no ataque às regras do idioma], porque a língua é a falada, a outra é apenas uma forma de você registrar a fala. Se todo mundo erra na crase é a regra da crase que está errada, como aliás está. Se você vai a Portugal, pode até encontrar uma reverberação que indica a crase. Não aqui. Aqui, no Brasil, a crase não existe.

Língua – Mas a fala brasileira é mutante e díspar, cada região tem sua peculiaridade. Como romper regras da língua sem cair no vale-tudo?

Millôr – Se não houver norma, não há como transgredir. A língua tem variantes, mas temos de ensinar a escrever o padrão. Quem transgride tem nome ou peito, que o faça e arque com as consequências. Mas insisto que a escrita é apenas o registro da língua falada. De Machado de Assis pra cá, tudo mudou. A língua alemã fez reforma ortográfica há 50 anos, correta. Aqui, na minha geração, já foram três reformas do gênero, uma mais maluca que a outra. Botaram acento em “boemia”, escreveram “xeque” quando toda língua busca lembrar o árabe shaik, insistiram que o certo é “veado” quando o Brasil inteiro pronuncia “viado”. Como chegaram a tais conclusões? Essas coisas são idiotas e cabe a você aceitar ou não. Veja o caso da crase. A crase, na prática, não existe no português do Brasil. Já vi tábuas de mármore com crase errada. Se todo mundo erra, a crase é quem está errada. Se vamos atribuir crase ao masculino “dar àquele”, por que não fazer o mesmo com “dar alguém”? Não podemos.

Disponível em: http://revistalingua.uol.com.br/textos/97/millor-fernandeso-senhor-das-palavras-247893-1.asp. Acesso em: 13 jun. 2014 (adaptado).

 

Quanto aos aspectos semânticos e efeitos de sentido alcançados pelo vocabulário utilizado no texto, assinale a alternativa correta.

a) Os dois empregos do hiperônimo “coisa” (2º parágrafo) expressam o mesmo tom pejorativo.

b) Recursos de ironia, como “risos” e vocábulos coloquiais (“fulano”, “besteira”), marcam o 4º parágrafo: o leitor deve compreender que, na verdade, Millôr fala diversas línguas e considera perfeita toda a obra de Shakespeare.

c) No texto, “a fala brasileira é mutante e díspar” (9º parágrafo) equivale a “a fala brasileira é inconstante e disparatada”, ou seja, “sem normas ou regras”.

d) Vocábulos como “língua”, “português”, “idioma”, “gramáticos”, entre outros, pertencem a um mesmo campo semântico e contribuem, assim, para a construção da unidade de sentido ao longo do texto

e) Vocábulos como “destruir” (2º parágrafo), “despropositadas” (7º parágrafo), “acessíveis” (6º parágrafo) e “induzir” (8º parágrafo) apresentam prefixos de traço semântico com valor de negação: “des-”, “a-” e “in-”.

 

QUESTÃO 03

[...] Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas de sono; ouviam-se amplos bocejos, fortes como o marulhar das ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte; começavam as xícaras a tilintar; o cheiro quente do café aquecia, suplantando todos os outros; trocavam-se de janela para janela as primeiras palavras, os bons-dias; reatavam-se conversas interrompidas à noite; a pequenada cá fora traquinava já, e lá dentro das casas vinham choros abafados de crianças que ainda não andam. No confuso rumor que se formava, destacavam-se risos, sons de vozes que altercavam, sem se saber onde, grasnar de marrecos, cantar de galos, cacarejar de galinhas. De alguns quartos saiam mulheres que vinham pendurar cá fora, na parede, a gaiola do papagaio, e os louros, à semelhança dos donos, cumprimentavam-se ruidosamente, espanejando-se à luz nova do dia.

Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente; uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, após outros, lavavam a cara, incomodamente, debaixo do fio de água que escorria da altura de uns cinco palmos. O chão inundava-se. [...]

AZEVEDO, Aluísio. O cortiço.

O cortiço é uma das mais emblemáticas obras do Naturalismo no Brasil. No fragmento lido, há a descrição do comportamento das personagens ao amanhecer nesse espaço coletivo. Os três termos em destaque, que contribuem para a apresentação da cena ao leitor, foram criados a partir do processo de

a) derivação sufixal, para que o zoomorfismo fique em destaque nos verbos indicadores das ações coletivas.

b) aglutinação, a fim de que a repetição dos sons reforce a descrição mecanizada dos indivíduos do cortiço.

c) onomatopeização, com o fito de destacar os comportamentos individuais de forma animalizada.

d) aglutinação, com o objetivo de tornar mais sonora a caracterização das personagens.

e) onomatopeização, a fim de reforçar a animalização das personagens.

 

QUESTÃO 04

TEXTO I

Era uma moça de dezesseis a dezessete anos, delgada sem magreza, estatura um pouco acima de mediana, talhe elegante e atitudes modestas. A face, de um moreno-pêssego, tinha a mesma imperceptível penugem da fruta de que tirava a cor; naquela ocasião tingiam-na uns longes cor-de-rosa, a princípio mais rubros, natural efeito do abalo. As linhas puras e severas do rosto parecia que as traçara a arte religiosa. Se os cabelos, castanhos como os olhos, em vez de dispostos em duas grossas tranças lhe caíssem espalhadamente sobre os ombros, e se os próprios olhos alçassem as pupilas ao céu, disséreis um daqueles anjos adolescentes que traziam a Israel as mensagens do Senhor.

ASSIS, Machado de. Helena. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ua000202.pdf. Acesso em: 14 dez. 2021.

TEXTO II

Não podia tirar os olhos daquela criatura de quatorze anos, alta, forte e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os cabelos grossos, feitos em duas tranças, com as pontas atadas uma à outra, à moda do tempo, desciam-lhe pelas costas. Morena, olhos claros e grandes, nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo.

ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv00180a.pdf. Acesso em: 14 dez. 2021.

Nos dois fragmentos, há a descrição de personagens femininas criadas por Machado de Assis: Helena e Capitu, respectivamente. Ao comparar o modo como são apresentadas ao leitor nesses trechos, nota-se que

a) ambas as personagens são descritas de modo objetivo, sem emprego de metáforas, conforme as características do Realismo.

b) Helena e Capitu são descritas de modo irônico, já que representam seres que têm a aparência em total contraste com a essência.

c) o aspecto psicológico ganha destaque na descrição, fazendo com que não haja a valorização da aparência física das personagens.

d) Helena é descrita de modo mais romântico a partir de comparações subjetivas, enquanto Capitu é caracterizada de modo mais objetivo e realista.

e) as duas personagens são descritas de forma idealizada, de modo que o narrador se coloque como vassalo dessas mulheres, conforme os preceitos Romantismo.

 

QUESTÃO 05

Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; [...].

AZEVEDO, Aluísio de. O cortiço. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000015.pdf. Acesso em: 14 dez. 2021.

Entre os recursos expressivos empregados no excerto para descrever Rita Baiana, tem papel preponderante a figura de linguagem denominada

a) metonímia, já que a personagem representa um coletivo.

b) sinestesia, devido à mistura de referências sensoriais na descrição.

c) hipérbole, tendo em vista que as feições faciais da personagem são evidenciadas com exagero.

d) prosopopeia, pois há a atribuição de sentimentos a seres inanimados ao longo da caracterização. 

e) eufemismo, porque a personagem tem seus traços psicológicos suavizados ao longo da caracterização.

 

QUESTÃO 06

- É o diabo!... praguejava entre dentes o brutalhão, enquanto atravessava o corredor ao lado do Conselheiro, enfiando às pressas o seu inseparável sobretudo de casimira alvadia. - É o diabo! Esta menina já devia ter casado!

- Disso sei eu... balbuciou o outro. - E não é por falta de esforços de minha parte, creia!

- Diabo! Faz lástima que um organismo tão rico e tão bom para procriar, se sacrifique deste modo! Enfim - ainda não é tarde; mas se ela não casar quanto antes - um um! Não respondo pelo resto!

- Então o doutor acha que...?

O Lobão inflamou-se: Oh o Conselheiro não podia imaginar o que eram aqueles temperamentozinhos impressionáveis!... eram terríveis, eram violentos, quando alguém tentava contrariá-los! Não pediam — exigiam! — reclamavam!

AZEVEDO, Aluísio. O homem. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bi000022.pdf . Acesso em: 14 dez. 2021.

O Homem é um romance naturalista, escrito por Aluísio Azevedo, em 1887. No excerto, a passagem “um organismo tão rico e tão bom para procriar” reforça que a mulher é condicionada a ser reprodutora. Essa afirmação evidencia a seguinte característica naturalista:

a) Análise coletiva de grupos sociais.

b) Reificação da personagem.

c) Abordagem determinista.

d) Descrição sensorial.

e) Enredos alineares.

 

QUESTÃO 07

Polícia interrompe marcha de coronacéticos em Berlim

Manifestantes de diferentes grupos dizem que restrições do governo ferem seus direitos básicos

Disponível em: www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/08/policia-interrompe-marcha-de-coronaceticos-em-berlim.shtml. Acesso em: 22 nov. 2021.

 

A pandemia da Covid-19 teve e tem como consequência diversas mudanças de comportamento. No nível linguístico, esse difícil cenário também trouxe a necessidade de criar palavras que transmitissem um valor semântico específico para o momento. Esse é o caso do neologismo “coronacéticos”, formado por aglutinação. Tendo como base o sentido das palavras aglutinadas e o contexto da manchete, depreende-se que esse neologismo nomeia

a) indivíduos que duvidam da existência e/ou da gravidade do coronavírus.

b) pessoas que lutam pelo direito de ir e vir durante a pandemia do coronavírus.

c) cidadãos que reforçam a necessidade de posturas que embarreirem a disseminação do vírus.

d) doutrina que defende a urgência de medidas de distanciamento social para combater a pandemia.

e) um comportamento contrário às medidas sanitárias do governo para conter a transmissão do vírus.

 

QUESTÃO 08

Onça ruge para “proteger” filhotes de bombeiros em rio de MS

Os vídeos foram feitos pelo sargento do Corpo de Bombeiros Eder Amador, que fazia inspeção no Rio Ivinhema para impedir focos de incêndio na região.

Durante uma inspeção de rotina, com o olhar atento na mata, o sargento do Corpo de Bombeiros Eder Armado foi surpreendido com um rugido de uma “mamãe” onça-pintada, ao proteger dois filhotes entre galhos, flagrados às margens do Rio Ivinhema. 

Disponível em: g1.globo.com/ms/mato-grosso-do-sul/noticia/2021/09/20/onca-ruge-para-proteger-filhotes-de-bombeiros-em-rio-de-ms-veja-o-video.ghtml. Acesso em: 22 nov. 2021 (adaptado).

 

A manchete, em um primeiro momento, causa estranhamento devido à ambiguidade sintática que apresenta. No entanto, tal impressão rapidamente é descontruída ao ler a notícia. Tendo em vista a correta informação a ser passada pela manchete, assinale a alternativa que apresenta a(s) necessária(s) alteração(ões) a ser(em) feita(s) no enunciado.

a) A oração “para proteger filhotes” deveria ser deslocada, com vírgula, para o início do período; e a preposição "de" deveria ser substituída por “para”.

b) A oração “para proteger filhotes de bombeiro” deveria ser deslocada para o final do período a fim de esclarecer o sentido pretendido.

c) O termo “de bombeiros” deveria estar no início da frase, isolado por vírgulas, para transmitir o sentido pretendido pelo criador do texto.

d) O adjunto adverbial de lugar – “em rio de MS” – deveria ser deslocado para o início do período para desfazer o mal-entendido.

e) O verbo “proteger”, entre aspas, na manchete, é o gerador da ambiguidade; logo, deveria ser substituído por “salvar”.

 

QUESTÃO 09

[...] Jorge enrolou um cigarro, e muito repousado, muito fresco na sua camisa de chita, sem colete, o jaquetão de flanela azul aberto, os olhos no teto, pôs-se a pensar na sua jornada ao Alentejo. Era engenheiro de minas, no dia seguinte devia partir para Beja, para Évora, mais para o sul até São Domingos; e aquela jornada, em julho contrariava-o como uma interrupção, afligia-o como uma injustiça. [...]

QUEIRÓS, Eça de. O primo Basílio.

Nesse fragmento de O primo Basílio, determinado tipo de sujeito foi empregado a fim de promover a coesão textual e a economia linguística. Trata-se do sujeito

a) simples.

b) composto.

c) desinencial.

d) inexistente.

e) indeterminado.

 

QUESTÃO 10

No entanto, o Grilo e outro escudeiro, pôr trás dos biombos de Quioto, de sedas lavradas, manobravam, com perícia e vigor, os aparelhos do lavatório – que era apenas um resumo das máquinas monumentais da Sala de banho, a mais estremada maravilha do 202. Nestes mármores simplificados, existiam unicamente dois jatos graduados desde zero até cem; as duas duchas, fina e grossa, para a cabeça; e ainda botões discretos, que, roçados, desencadeavam esguichos, cascatas cantantes, ou um leve orvalho estival. Desse recanto temeroso, onde delgados tubos mantinham em disciplina e servidão tantas águas ferventes, tantas águas violentas, saía enfim o meu Jacinto enxugando as mãos a uma toalha de felpo, a uma toalha de linho, a outra de corda entrançada para restabelecer a circulação, a outra de seda frouxa para repolir a pele. Depois deste rito derradeiro que lhe arrancava ora um suspiro, ora um bocejo, Jacinto, estendido num divã, folheava uma agenda, onde se arrolavam, inscritas pelo Grilo ou pôr ele, as ocupações do seu dia, tão numerosas pôr vezes que cobriam duas laudas.

QUEIRÓS, Eça de. A cidade e as Serras.

Nesse fragmento do romance português A cidade e as Serras, ao descrever os mármores, o autor empregou o verbo "existir". Caso esse verbo fosse substituído por um sinônimo a fim de manter o sentido original, o trecho sublinhado, segundo a norma-padrão, deveria ser:

a) haviam unicamente dois jatos

b) havia unicamente dois jatos 

c) tinha unicamente dois jatos

d) tinham unicamente dois jatos

e) haveriam unicamente dois jatos

 

QUESTÃO 11

Soneto

Já da morte o palor me cobre o rosto,

Nos lábios meus o alento desfalece,

Surda agonia o coração fenece,

E devora meu ser mortal desgosto!

Do leito embalde no macio encosto

Tento o sono reter!... já esmorece

O corpo exausto que o repouso esquece...

Eis o estado em que a mágoa me tem posto!

O adeus, o teu adeus, minha saudade,

Fazem que insano do viver me prive

E tenha os olhos meus na escuridade,

Dá-me a esperança com que o ser mantive!

Volve ao amante os olhos por piedade,

Olhos por quem viveu quem já não vive!

 

AZEVEDO, Álvares de. Lira dos Vinte Anos. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000021.pdf.Acesso em: 22 nov. 2021.

Hipérbato é uma figura de linguagem sintática que consiste na alteração da ordem direta dos termos de uma oração. Esse recurso que, em geral, traz maior complexidade ao texto foi empregado em diversos versos do poema romântico de Álvares de Azevedo. Para compreender melhor o sentido de tais estruturas sintáticas, colocá-las em ordem direta é um excelente recurso.

Assinale a alternativa que apresenta o segundo verso em ordem direta.

a) Nos meus lábios desfalece o alento.

b) Desfalece nos lábios meus o alento.

c) Desfalece o alento nos meus lábios.

d) O alento desfalece nos meus lábios.

e) O alento nos meus lábios desfalece.

 

QUESTÃO 12

Leia a charge do cartunista Duke para responder à questão a seguir:

 


Nas perguntas do médico “Tem praticado atividades físicas? Mudou hábitos alimentares?”, o sujeito das orações remete a “você”. Se os sujeitos fossem “atividades físicas” e “hábitos alimentares”, essas perguntas assumiriam, em conformidade com a norma-padrão, a seguinte redação:

a) Têm sido praticado atividades físicas? Mudaram-se hábitos alimentares?   

b) Vêm-se praticando atividades físicas? Mudou-se hábitos alimentares?    

c) Têm sido praticadas atividades físicas? Mudaram hábitos alimentares?   

d) Atividades físicas tem sido praticadas? Mudou-se hábitos alimentares?   

e) Atividades físicas vem sendo praticadas? Mudou hábitos alimentares?  

 

QUESTÃO 13

Leia a crônica “Inconfiáveis cupins”, de Moacyr Scliar, para responder à questão a seguir:

Havia um homem que odiava Van Gogh. Pintor desconhecido, pobre, atribuía todas suas frustrações ao artista holandês. Enquanto existirem no mundo aqueles horríveis girassóis, aquelas estrelas tumultuadas, aqueles ciprestes deformados, dizia, não poderei jamais dar vazão ao meu instinto criador.

Decidiu mover uma guerra implacável, sem quartel, às telas de Van Gogh, onde quer que estivessem. Começaria pelas mais próximas, as do Museu de Arte Moderna de São Paulo.

Seu plano era de uma simplicidade diabólica. Não faria como outros destruidores de telas que entram num museu armados de facas e atiram-se às obras, tentando destruí-las; tais insanos não apenas não conseguem seu intento, como acabam na cadeia. Não, usaria um método científico, recorrendo a aliados absolutamente insuspeitados: os cupins.

Deu-lhe muito trabalho, aquilo. Em primeiro lugar, era necessário treinar os cupins para que atacassem as telas de Van Gogh. Para isso, recorreu a uma técnica pavloviana. Reproduções das telas do artista, em tamanho natural, eram recobertas com uma solução açucarada. Dessa forma, os insetos aprenderam a diferenciar tais obras de outras.

Mediante cruzamentos sucessivos, obteve um tipo de cupim que só queria comer Van Gogh. Para ele era repulsivo, mas para os insetos era agradável, e isso era o que importava.

Conseguiu introduzir os cupins no museu e ficou à espera do que aconteceria. Sua decepção, contudo, foi enorme. Em vez de atacar as obras de arte, os cupins preferiram as vigas de sustentação do prédio, feitas de madeira absolutamente vulgar. E por isso foram detectados.

O homem ficou furioso. Nem nos cupins se pode confiar, foi a sua desconsolada conclusão. É verdade que alguns insetos foram encontrados próximos a telas de Van Gogh. Mas isso não lhe serviu de consolo. Suspeitava que os sádicos cupins estivessem querendo apenas debochar dele. Cupins e Van Gogh, era tudo a mesma coisa.

O imaginário cotidiano, 2002.

Tendo em vista a ordem inversa da frase, verifica-se o emprego de vírgula para separar um termo que exerce a função de sujeito em:

a) “Deu-lhe muito trabalho, aquilo.” (4º parágrafo)

b) “Em vez de atacar as obras de arte, os cupins preferiram as vigas de sustentação do prédio, feitas de madeira absolutamente vulgar.” (6º parágrafo)

c) “Para ele era repulsivo, mas para os insetos era agradável, e isso era o que importava.” (5º parágrafo)

d) “Não, usaria um método científico, recorrendo a aliados absolutamente insuspeitados: os cupins.” (3º parágrafo)

e) “Para isso, recorreu a uma técnica pavloviana.” (4º parágrafo)

  

QUESTÃO 14

Prefácio

São os primeiros cantos de um pobre poeta. Desculpai-os. As primeiras vozes do sabiá não têm a doçura dos seus cânticos de amor.

É uma lira, mas sem cordas; uma primavera, mas sem flores; uma coroa de folhas, mas sem viço.

Cantos espontâneos do coração, vibrações doridas da lira interna que agitava um sonho, notas que o vento levou, – como isso dou a lume essas harmonias.

São as páginas despedaçadas de um livro não lido...

E agora que despi a minha musa saudosa dos véus do mistério do meu amor e da minha solidão, agora que ela vai seminua e tímida por entre vós, derramar em vossas almas os últimos perfumes de seu coração, ó meus amigos, recebei-a no peito, e amai-a como o consolo que foi de uma alma esperançosa, que depunha fé na poesia e no amor – esses dois raios luminosos do coração de Deus.

AZEVEDO, Álvares de. Lira dos vinte anos. In: Obra completa. Organização de Alexei Bueno. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2000. p. 120.

 

Se, ao invés de usar períodos compostos, como em “É uma lira, mas sem cordas; uma primavera, mas sem flores; uma coroa de folhas, mas sem viço.”, o autor tivesse escolhido períodos simples: “É uma lira sem cordas. É uma primavera sem flores. É uma coroa de folhas sem viço.”, a imagem construída a respeito de sua obra não seria a mesma, porque

a) o pressuposto produzido pelo uso do termo sem indica a impossibilidade de os poemas retratarem a completude das coisas do mundo.

b) a oposição entre os objetos naturais e os produzidos pelo homem autoriza a interpretação de que a natureza seja a musa inspiradora dos poemas.

c) o subentendido produzido pelo uso do mas leva o leitor ao entendimento de que a obra é comparada a produções rudimentares.

d) a contradição marcada pelo uso do mas permite a compreensão de que a essência das coisas se mantém mesmo quando lhes falta o atributo principal.

e) a antítese instaurada na comparação entre realidade e ficção produz a ideia de que a poesia deva realçar a aparência das coisas.

 

QUESTÃO 15

O que caracteriza o período é a vitória da concepção de mundo própria das ciências naturais e do pensamento racionalista e tecnológico sobre o idealismo e a tradição romântica. Por decorrência, a literatura deriva seus critérios para a construção de um mundo ficcional regido pela probabilidade científica. A verdade psicológica das personagens baseia-se no princípio de causalidade; a criação do ambiente apoia-se no princípio de que tudo que ocorre é determinado por condições e motivos [...].

Lígia Cademartori. Períodos literários, 1987.

O texto trata da literatura

a) realista.

b) árcade.

c) modernista.

d) barroca.

e) simbolista.

 

QUESTÃO 16

Leia o trecho extraído de uma fala do personagem Quincas Borba, do romance Quincas Borba:

- […] O encontro de duas expansões, ou a expansão de duas formas, pode determinar a supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, porque a supressão de uma é condição da sobrevivência da outra, e a destruição não atinge o princípio universal e comum. Daí o caráter conservador e benéfico da guerra. Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo=motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas. [...] Aparentemente, há nada mais contristador que uma dessas terríveis pestes que devastam um ponto do globo? E, todavia, esse suposto mal é um benefício, não só porque elimina os organismos fracos, incapazes de resistência, como porque dá lugar à observação, à descoberta da droga curativa. A higiene é filha de podridões seculares; devemo-la a milhões de corrompidos e infectos. Nada se perde, tudo é ganho.

ASSIS, Machado de. Quincas Borba, 1891.

Considerando o contexto histórico de produção, verifica-se no trecho uma alusão irônica à

a) teoria darwiniana.

b) filosofia idealista.

c) ideologia capitalista.

d) filosofia iluminista.

e) ideologia socialista.

 

QUESTÃO 17

Leia o trecho do conto-prefácio “Hipotrélico”, que integra o livro Tutameia, de João Guimarães Rosa:

Há o hipotrélico. O termo é novo, de impesquisada origem e ainda sem definição que lhe apanhe em todas as pétalas o significado. Sabe-se, só, que vem do bom português. Para a prática, tome-se hipotrélico querendo dizer: antipodático, sengraçante imprizido; ou, talvez, vice-dito: indivíduo pedante, importuno agudo, falto de respeito para com a opinião alheia. Sob mais que, tratando-se de palavra inventada, e, como adiante se verá, embirrando o hipotrélico em não tolerar neologismos, começa ele por se negar nominalmente a própria existência.

Somos todos, neste ponto, um tento ou cento hipotrélicos? Salvo o excepto, um neologismo contunde, confunde, quase ofende. Perspica-nos a inércia que soneja em cada canto do espírito, e que se refestela com os bons hábitos estadados. Se é que um não se assuste: saia todo-o-mundo a empinar vocábulos seus, e aonde é que se vai dar com a língua tida e herdada? Assenta-nos bem à modéstia achar que o novo não valerá o velho; ajusta-se à melhor prudência relegar o progresso no passado. [...]

Já outro, contudo, respeitável, é o caso – enfim – de “hipotrélico”, motivo e base desta fábula diversa, e que vem do bom português. O bom português, homem-de-bem e muitíssimo inteligente, mas que, quando ou quando, neologizava, segundo suas necessidades íntimas.

Ora, pois, numa roda, dizia ele, de algum sicrano, terceiro, ausente:

– E ele é muito hiputrélico...

Ao que, o indesejável maçante, não se contendo, emitiu o veto:

– Olhe, meu amigo, essa palavra não existe.

Parou o bom português, a olhá-lo, seu tanto perplexo:

– Como?!... Ora... Pois se eu a estou a dizer?

– É. Mas não existe.

Aí, o bom português, ainda meio enfigadado, mas no tom já feliz de descoberta, e apontando para o outro, peremptório:

– O senhor também é hiputrélico...

E ficou havendo.

ROSA, João Guimarães.Tutameia, 1979.

O efeito cômico do texto deriva, sobretudo, da ambiguidade da expressão

a) “homem-de-bem”.

b) “bom português”.

c) “indesejável maçante”.

d) “necessidades íntimas”.

e) “indivíduo pedante”.

 

QUESTÃO 18

O nada que é

Um canavial tem a extensão

ante a qual todo metro é vão.

Tem o escancarado do mar

que existe para desafiar

que números e seus afins

possam prendê-lo nos seus sins.

Ante um canavial a medida

métrica é de todo esquecida,

porque embora todo povoado

povoa-o o pleno anonimato

que dá esse efeito singular:

de um nada prenhe como o mar.

NETO, João Cabral de Melo. Museu de tudo e depois, 1988.

No título do poema – O nada que é –, ocorre a substantivação do pronome “nada”. Esse processo de formação de palavras também se verifica em:

a) A arquitetura do poema em João Cabral define-lhe o processo de criação.

b) A poética de João Cabral assume traços do Barroco gongórico.

c) Poema algum de João Cabral escapa de seu processo rigoroso de composição.

d) Em Morte e Vida Severina, João Cabral expressa o homem como coisa.

e) A poesia de João Cabral tem um quê de despoetização.

 

QUESTÃO 19

Leia o trecho do conto Pai contra mãe, de Machado de Assis (1839-1908):

A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a certo ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também a máscara de folha de flandres. A máscara fazia perder o vício da embriaguez aos escravos, por lhes tapar a boca. Tinha só três buracos, dois para ver, um para respirar, e era fechada atrás da cabeça por um cadeado. Com o vício de beber, perdiam a tentação de furtar, porque geralmente era dos vinténs do senhor que eles tiravam com que matar a sede, e aí ficavam dois pecados extintos, e a sobriedade e a honestidade certas. Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel. Os funileiros as tinham penduradas, à venda, na porta das lojas. Mas não cuidemos de máscaras.

O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões. Imaginai uma coleira grossa, com a haste grossa também, à direita ou à esquerda, até ao alto da cabeça e fechada atrás com chave. Pesava, naturalmente, mas era menos castigo que sinal. Escravo que fugia assim, onde quer que andasse, mostrava um reincidente, e com pouco era pegado.

Há meio século, os escravos fugiam com frequência. Eram muitos, e nem todos gostavam da escravidão. Sucedia ocasionalmente apanharem pancada, e nem todos gostavam de apanhar pancada. Grande parte era apenas repreendida; havia alguém de casa que servia de padrinho, e o mesmo dono não era mau; além disso, o sentimento da propriedade moderava a ação, porque dinheiro também dói. A fuga repetia-se, entretanto. Casos houve, ainda que raros, em que o escravo de contrabando, apenas comprado no Valongo, deitava a correr, sem conhecer as ruas da cidade. Dos que seguiam para casa, não raro, apenas ladinos, pediam ao senhor que lhes marcasse aluguel, e iam ganhá-lo fora, quitandando.

Quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro a quem lho levasse. Punha anúncios nas folhas públicas, com os sinais do fugido, o nome, a roupa, o defeito físico, se o tinha, o bairro por onde andava e a quantia de gratificação. Quando não vinha a quantia, vinha promessa: “gratificar-se-á generosamente” – ou “receberá uma boa gratificação”. Muita vez o anúncio trazia em cima ou ao lado uma vinheta, figura de preto, descalço, correndo, vara ao ombro, e na ponta uma trouxa. Protestava-se com todo o rigor da lei contra quem o acoitasse.

Ora, pegar escravos fugidios era um ofício do tempo. Não seria nobre, mas por ser instrumento da força com que se mantêm a lei e a propriedade, trazia esta outra nobreza implícita das ações reivindicadoras. Ninguém se metia em tal ofício por desfastio ou estudo; a pobreza, a necessidade de uma achega, a inaptidão para outros trabalhos, o acaso, e alguma vez o gosto de servir também, ainda que por outra via, davam o impulso ao homem que se sentia bastante rijo para pôr ordem à desordem.

Contos: uma antologia, 1998.

Embora não participe da ação, o narrador intromete-se de forma explícita na narrativa em:

 

a) “Há meio século, os escravos fugiam com frequência.” (3º parágrafo)

b) “O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões.” (2º parágrafo)

c) “A máscara fazia perder o vício da embriaguez aos escravos, por lhes tapar a boca.” (1º parágrafo)

d) “Mas não cuidemos de máscaras.” (1º parágrafo)

e) “Eram muitos, e nem todos gostavam da escravidão.” (3º parágrafo)

 

QUESTÃO 20

 


A expressão fake news que aparece na charge representa um exemplo de fenômeno linguístico conhecido como

a) onomatopeia.

b) neologismo.

c) estrangeirismo.

d) hibridismo.

e) composição.

 

  

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