Durante algum tempo,
Vênus ocultou-se em Chipre, junto às suas sacerdotisas. Pois estava
envergonhada pelo que fizera ao esposo Vulcano, traindo com Marte, o senhor da
guerra. Mas com toda a sua deslumbrante beleza e irresistível sedução não
poderia ela ficar muito tempo privada das emoções que descobria nos casos
amorosos. Por isso, aos poucos recomeçou a viver normalmente, como se nada
houvesse acontecido; ou como se o que acontecera fosse obra de destino, ao qual
não poderia escapar.
O grande Júpiter, no entanto, não perdoaria
facilmente a traição a Vulcano. E como o castigo incutiu no coração da deusa
intensa paixão pelo pastor Anquises, que, embora sendo mortal, era tão belo
quanto os habitantes do Olimpo.
A aventura amorosa devia começar logo, pois assim
a punição seria imediatamente realizada. Homero, o poeta cego, conta como tudo
se iniciou: “Um dia, quando este fazia pastar seus rebanhos sobre o monte Ida,
Vênus foi ter com ele. Mas antes disso ela estivera em seu santuário de Pafos,
onde as Caridades lhe haviam untado o corpo com um óleo incorruptível e provido
de olor e a haviam ornado com as jóias mais preciosas. Seu véu era mais
brilhante que uma chama; ela trazia pulseiras e brincos, seu pescoço estava
repleto de colares de ouro, seu busto delicado brilhava como a lua. Enquanto
ela escala o monte Ida, os lobos felpudos, os leões eriçados e as ágeis
panteras brincavam ao redor dela; diante deste espetáculo, ela se regozijou e
lançou amor em corações.”.
Então, quando a deusa do amor se aproximou do
belo Anquises, Júpiter transformou-a na princesa Otréia. De nada desconfiado, o
pastor não percebeu que aquela era Vênus. Sentiu apenas o desejo em seu
coração, e, no mesmo instante, conduziu-a para compartilhar de seu leito quente
e macio de pêlos dos leões e ursos que ele mesmo havia matado nas altas
montanhas. A deusa, também sem saber que tudo fora tramado por Júpiter, aceitou
o convite.
No amanhecer do outro dia, Vênus, despertando,
despertou o pastor e a ele se mostrou em todo o seu encanto: “Acorda, raça de
Dárdano. Por que dormes tu um sono tão profundo? Diga-me se te pareço
semelhante àquela que viste”.
Enorme foi a tristeza de Anquises ao descobrir o
seu engano: ser amado por uma deusa era fonte de duros sofrimentos, pois, enquanto
o mortal envelhecia com rapidez, caminhando inexoravelmente para a morte, a
divina amante permanecia para sempre jovem e bela, e não tardaria a abandonar o
antigo companheiro.
Vênus procurou tranquilizar o pastor,
garantindo-lhe que nada aconteceria se ele soubesse guardar segredo daquela
noite. “Fica tranquilo, não tenhas medo em demasia, tu não deves temer mal
algum, nem de mim nem dos outros, pois os deuses te amam. Tu terás um filho que
reinará sobre os troianos e nascerão sempre filhos desses filhos”. Ao fruto
dessa união, Vênus chamou Enéias, porque para ela, como deusa, havia sido
penoso (ainón), apesar dos intensos
prazeres, dividir o leito com um mortal.
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