O fogo arde por todo
canto, queimando corpos e casas. A noite é vermelha, banhada de luz de guerra.
O riso dos vencedores ecoa pelas ruínas. Tróia sucumbiu.
Perdidos nas sombras, os poucos sobreviventes do
grande desastre reúnem-se para fugir. Levam luto e amargura, mas acalentam a vaga
esperança de poder reconstruir a vida, em algum lugar do mundo.
Misturado aos outros, protegendo o filho nos
braços, Enéias pensa nos dias melhores que hão de vir.
A cidade começa a ficar distante. O crepitar do
fogo já não fala do medo, e o riso dos soldados é abafado pelo barulho dos pés
amassando as folhas secas.
De repente, Enéias pressente uma ausência. Com os
olhos, busca o rosto de Creúsa. E não encontra mais ao seu lado.
Desesperado, volta à cidade. Esquecendo-se dos
inimigos, grita o nome da mulher amada, porém não recebe resposta. Sua voz
rouca de dor enche as ruas tumultuadas, e mistura-se aos gritos de vitória.
Como louco, Enéias chama, e corre, e procura.
Súbita e silenciosa, uma sombra barra-lhe o
caminho. Creúsa. Seu olhar prende-se no infinito. A voz, nascida do mais
profundo espaço, aflora os lábios em palavras de consolo. Pede a Enéias que não
chore, pois uma nova terra o espera e outros braços o acolherão. Ele não
reinará apenas em terras distantes, mas também num coração estrangeiro.
Dizendo isso, a sombra desaparece, deixando
confusa a mente de Enéias. Deixando suspensas no ar as mãos impotentes para
prendê-la. Deixando entreabertos os lábios que tinham tantas coisas para dizer.
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