A
gramática do PowerPoint
Dicas
para criar apresentações com a ferramenta que está moldando a linguagem de
executivos e acadêmicos
Edgard
Murano
O
popular PowerPoint - programa de computador utilizado para criar apresentações
que resumem palavras, imagens e sons em slides [“lâminas”, em inglês] - já
virou parte não só do imaginário de empresas como também conquistou espaço em
universidades e escolas. O aplicativo pertence a um popular pacote de ferramentas
virtuais, atualmente usado por mais de 500 milhões de pessoas no mundo todo,
segundo dados de sua criadora Microsoft, sendo que metade da população adulta
norte-americana faz uso dele frequentemente.
Bem
antes do avanço da informática, apresentações por meio de transparências e
slides fotográficos já eram usadas em larga escala. Mas o uso do PowerPoint
está tão arraigado no mercado de trabalho que não se pode falar nele e deixar
de lado o discurso corporativo do qual faz parte, com sua tendência à
hierarquização e à sistematização de conceitos e ideias.
Em
algumas empresas, os conteúdos de palestras, relatórios e atas de reunião,
entre outros tipos de documentos, passaram a ser elaborados seguindo uma lógica
“powerpointiana”, cuja relação com o usuário difere de outras ferramentas
informáticas de texto por restringir o número de palavras em cada tela.
Tal
lógica baseia-se em frases enxutas e conceitos resumidos a palavras-chave,
exibidos de forma sequencial e agrupados em tópicos, e parte do pressuposto que
o orador dará explicações complementares ao que foi exposto.
Didático
Ao
agregar recursos como sons, cores e imagens ao verbo, a ferramenta torna a
apresentação mais atraente ao público, o qual pode perder o interesse se lhe
for oferecido só o que está na tela, sem nenhuma outra informação adicional.
Por isso, muitos profissionais ainda escorregam na hora de montar apresentações
em PowerPoint que sejam ágeis e dinâmicas, subestimando a inteligência de seus
ouvintes.
-
O PowerPoint auxilia na apresentação desde que seja bem utilizado. Muitos
profissionais colocam informação em excesso nos slides, e não há sincronia
entre o que falam e o que está sendo mostrado na tela. Já outros o utilizam por
insegurança, com medo de esquecer do que vão falar, e acabam exagerando na
quantidade de informação. O programa deve ser usado para destacar os pontos
mais importantes, com pouco texto, e deve facilitar o acompanhamento, já que,
além de ouvir, ver a palavra facilita a memorização - afirma Ana Cláudia Moreira,
professora de língua portuguesa da Faculdade de Informática e Administração
Paulista (Fiap).
Para
Ana Cláudia, alunos e professores estão aos poucos descobrindo as
possibilidades oferecidas pelo aplicativo, embora o preço elevado de
retroprojetores e telões ainda dificulte a adesão pelas escolas. O programa,
afirma a professora, faz com que quem dele se utiliza estimule a própria
capacidade de síntese, exercitando concisão e objetividade, e tenha atenção
redobrada pelo padrão do idioma, já que o manejo atropelado da língua se torna,
durante uma apresentação, algo que “salta aos olhos” - e o menor deslize
compromete a imagem do usuário.
Mas
a professora da Fiap adverte que a banalização da ferramenta em escolas pode
ser nociva ao ensino se desestimular os estudantes a fazerem anotações em aula.
-
A gente acaba acostumando mal os alunos. Quando havia só giz e lousa, as
crianças escreviam mais. Hoje, os alunos estão acomodados. O professor passa o
PowerPoint e depois passa para os alunos o arquivo. Há uma cobrança deles pelo
arquivo, e aí deixam de escrever e anotar - diz Ana Cláudia.
Estragos
Uma
tecnologia não é benéfica ou nociva em si: terá o efeito que seu usuário
pretender, a partir das possibilidades que ela oferece. Segundo Ricardo Macedo,
coordenador do curso de publicidade e propaganda da Universidade Positivo, em
Curitiba (PR), o uso do PowerPoint em sala de aula vai muito além de uma
apresentação ou de tópicos em uma determinada sequência, e aconselha que a
ferramenta seja usada com moderação.
-
É uma ferramenta que complementa a educação, como um quadro-negro, um
retroprojetor ou um livro ao alcance de um bom educador. Mas um professor que
baseia suas aulas só nessa ferramenta comete um grave erro. É como comer um só
tipo de alimento, por mais que possa ser bom, não nutre por completo - afirma
Macedo.
Mau
uso
O
mau uso do PowerPoint pode causar estragos, garante o jornalista Clive
Thompson, do jornal The New York Times. Em 14 de dezembro de 2003,
Thompson demonstrou que a Nasa “confiou demais” num relatório confuso e
simplista, exibido por projeção de um arquivo escrito em PowerPoint, de
prevenção de danos ao ônibus espacial Columbia. A nave tripulada por sete
astronautas terminou por se desintegrar em sua reentrada na atmosfera da Terra,
em fevereiro daquele ano. Mas a apresentação feita por engenheiros de segurança
da Nasa sobre os riscos da aventura teria sido tão enganosamente sintética que
omitiu detalhes vitais a uma avaliação precisa do voo de retorno. A comissão
que investigou o acidente com a aeronave relatou que era difícil imaginar, a
partir daquele documento, que se tratava de uma missão na qual vidas estavam em
jogo.
À
época, o aplicativo ganhou opositores nos EUA, entre eles Edward Tufte,
professor de ciência política e design da informação da Universidade de Yale.
No artigo PowerPoint is Evil (PowerPoint é mau), numa edição da revista Wired
de 2003, Tufte sugere que o programa de slides pode auxiliar oradores em suas
falas, mas que a conveniência de usá-lo pode ser penosa para o conteúdo e,
principalmente, para a plateia.
“A
apresentação padrão do PowerPoint privilegia a forma sobre o conteúdo, e se
trai pela postura mercantil que transforma tudo em índices de venda”, escreveu
Tufte.
Moderação
Na
vida de um executivo, as reuniões podem ser o ponto alto de um projeto, uma
oportunidade de tirá-lo do papel e torná-lo realidade. Segundo Ricardo Macedo,
as pessoas que participam de uma reunião devem ser conduzidas por uma lógica
argumentativa antes de tomarem partido ou não de uma ideia, e é nesse ponto que
o PowerPoint pode ajudá-las, caso seja estruturado de maneira convincente.
-
É comum em reuniões de empresas uma sessão de PowerPoint. É preciso cuidado,
pois a ferramenta pode “enfeitar” mais do que fazer uma boa comunicação. Na comunicação
visual, o principal é a comunicação, o visual deve ser apenas um facilitador,
mas o que vemos em muitos casos são aberrações cromáticas, imagens
estrambóticas, letras esdrúxulas que criam grandes ruídos na mensagem. Quanto
mais limpa e objetiva a apresentação, melhor - afirma o coordenador, para quem
doses cavalares de efeitos, sons, imagens e outras “frescuras digitais” podem
pôr a perder uma boa apresentação.
Macedo
cita como exemplo de exagero a simulação de aplausos no final de uma apresentação,
o que pode ser sinal de arrogância ou até mesmo um atestado de mau gosto da
parte de quem criou a apresentação. Para ele, é aconselhável parcimônia na
quantidade de informações veiculadas de modo que as pessoas não se sintam
pressionadas a raciocinar depressa.
Desafios
O
uso e a democratização do computador, na opinião da professora de linguística
do Mackenzie Elisa Guimarães, geraram uma série de novos desafios para os
linguistas. A possibilidade oferecida pelo PowerPoint, de relacionar imagens,
sons, textos e vídeos, representa um valioso instrumento para o processo de
comunicação interpessoal. Porém, para contextualizar considerações de cunho
linguístico sobre a ferramenta, Elisa propõe que se pense a ciência como um
amplo campo de investigação da linguagem ou, mais especificamente, da interface
linguística na computação, da qual o PowerPoint certamente é um dos produtos
mais populares.
Segundo
ela, os recursos não verbais disponíveis no PowerPoint constroem um texto
sincrético, uma fusão de elementos audiovisuais, feitos “muito mais para ver do
que para ler”. Esses recursos que criam a realidade, como fotos, vídeos e
áudios, produzem efeitos de sentido e de aproximação entre o leitor e o objeto.
Projetam no texto o que Elisa considera um simulacro [reprodução grosseira] de
uma dada situação, pois “jogam o leitor para dentro dessa situação”.
Disciplina
mental
Para
o engenheiro e semioticista Abel Reis, da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP), os recursos e modelos (templates) da ferramenta requerem
disciplina mental.
-
O PowerPoint não favorece o uso particularmente rico e diversificado da língua.
Porém, ao induzir a expressão esquemática de ideias e conceitos, pode trazer o
benefício da clareza e da simplicidade - afirma.
Abel
Reis defende, em artigos como A Interface Cultural do PowerPoint,
que “como toda abordagem disciplinadora, [o PowerPoint] traz consigo opções de
caráter ideológico, ou seja, certos pressupostos que configuram um espaço de possibilidades
para a ação e expressão de ideias”.
Desse
modo, a ferramenta deve ser encarada apenas como um apoio, responsável por
facilitar a memorização do que foi dito e servir de guia à audiência. Ela não
se presta a longas narrativas ou à apresentação de grandiosos volumes de
informação, sendo adequada à construção de documentos ou bases de dados a ser
exploradas de forma livre e não linear.
Além
disso, cabe ao orador, seja ele um executivo ou um professor, conduzir o
raciocínio até chegar à conclusão, deixando detalhes mais apurados, por sua
vez, para outros formatos de documentos, como relatórios, projetos ou teses.
Apresentação
passo a passo
Dicas
para se sair bem em exposições usando o PowerPoint, segundo Mara Aparecida
Bertoni, do Senac-SP
Ao
criar os slides
_
Busque conhecer o público e suas expectativas antes de preparar os slides.
_ Fuja
de apresentações padronizadas. Não é porque funcionaram para a empresa A que irão
necessariamente funcionar para a empresa B.
_
Estude e conheça profundamente o assunto/produto a ser abordado.
_ Faça
um esboço sobre o tema.
_ O
PowerPoint deve ser visto como um suporte para o palestrante ou orador. Não
deve ser usado como escudo perante o público.
Clareza
e visibilidade
_ O
tamanho aconselhável da fonte (tipo de letra) a ser usada numa apresentação em
PowerPoint é 30.
_ Com
um tamanho de letra menor do que esse, seu texto pode não ser visto pela pessoa
que está sentada na última cadeira de um auditório.
_ Não
escreva muito. Empregue palavras-chave para expressar uma frase: de
preferência, seis linhas por slide com seis palavras em cada linha.
_ Além
do tamanho, é preciso cuidado com o tipo de fonte a ser utilizada, que deve ser
fácil de ler
_ A cor
do plano de fundo de cada um dos slides deve facilitar a leitura do que está
sendo apresentado.
_ As
imagens e gráficos devem ser nítidos.
_ Evite
determinadas armadilhas que atrapalham a nitidez de um slide: cores claras
devem ser usadas para conteúdos leves, alegres; cores escuras ajudam a
demonstrar seriedade.
_
Efeitos especiais devem ser usados somente para chamar a atenção para determinado
item, não podem simplesmente distrair o público.
_
Lembre-se de que imagens servem para informar e não enfeitar a apresentação.
_
Busque cenas condizentes com o tema.
Objetividade
_ Dez slides
é o aconselhável para apresentar um tema;
_ Caso
se veja obrigado a ultrapassar essa quantidade, divida tudo em blocos.
_ Para
melhor entendimento, abrir espaço para jogos de interação pode quebrar a
monotonia.
_
Apresentações muito longas podem ser desinteressantes, além de não absorvidas
pelo público: 20 minutos é o suficiente para “vender seu peixe”.
_
Calcule o tempo que irá falar; 5 slides = 5 minutos; 20 slides = 20 minutos.
Pontualidade
e organização
_ Não
chegue atrasado ou em cima da hora, e se isso acontecer, comece logo a
apresentação.
_
Comece e termine no horário, sempre administrando o tempo.
_
Informe e defina logo no início o objetivo da apresentação; o tempo que será
utilizado; os possíveis intervalos e, principalmente, se haverá tempo, no final
da apresentação, para responder a eventuais dúvidas.
_
Mantenha, por cautela, um plano B ao PowerPoint. Problemas acontecem e o
computador ou projetor pode falhar na hora agá. Mantenha uma versão da palestra
impressa sempre à mão.
Cuidados
com a fala
_ É
importante falar de maneira clara e articulada, tomando cuidado com o uso de
gírias.
_ Evite
simplesmente ler a tela ou as fichas. A plateia está ali para ver e ouvir o que
você tem a dizer. Cuidado para não dar as costas para o público: pega mal e
diminui a sua credibilidade
_ A voz
também é uma ferramenta: procure dar entonação à sua fala para não aborrecer o
público.
_ Cuidado
ao gesticular demais, mas também não fique parado como uma estátua.
Quando
não tiver mais o que dizer, pare.
IN:
Revista Língua Portuguesa, n° 42 / abril 2009