AILIN ALEIXO
Nem quando tinha 10 anos entrei numa calça
jeans 38. Nunca me senti feliz com os peitos reinando absolutos em uma blusa
branca sem sutiã. Me sentia uma hipopótama prenha quando teimava em vestir um
top minúsculo com a pança exposta à poluição. Jamais deixei de ter pânico
praiano no final da primavera. Mas, depois de muita terapia e chuchu refogado,
decidi: sou muito mais gostosa do que essas esqueléticas posando de cabide
maquiado em capa de revista de moda. Porque, na vida real, gostosura não é ter
1,77 metro e 50 quilos, nem ter sido inflada com 300 mililitros de silicone,
sugada com lipoescultura ou esticada com Botox até na pupila. Ser gostosa é
decisão.
Decida
que seus culotes, apesar de não serem a coisa mais fofa do mundo, são
extermináveis. Faça um tratamento estético e acabe com eles. Decida dar um tapa
na cabeça de seu namorado sempre que ele a chamar de “gordinha”, “fofinha” ou
qualquer coisa terminada em ‘inha” que cause ira: você é a única pessoa que pode
depreciar a si mesma, é bom que fique claro. Decida reclamar menos do seu corpo
e aproveitar mais todas as sensações que ele pode lhe proporcionar se você
parar de se torturar com cada estria que se instalar na banda direita da sua
bunda.
Burrice
é dar valor exagerado ao que é, na essência, detalhe. Tragédia é a fome na África,
o assassinato dos bebês-foca, não a falta de elastina no seu glúteo direito.
Decida chutar para a estratosfera os padrões de beleza: os peitos da Gisele
Bündchen são dela, não seus. A barriga tanquinho da professora de aeróbica na
televisão é dela, não sua. E, na real, se ser padrão fosse tão bacana assim,
essa mulherada não viveria neurótica, bulímica, anoréxica, com disfunção renal,
cerebral, hemorroidal... No fim, todas nós sofremos de prisão de ventre.
Decida
que “osso largo”, “retenção de líquido” e “gases” não são desculpa para não ter
a cintura da Jennifer Lopez — você tem outra estrutura, simples assim. Ou
prefere se afogar num sorvetão de pistache no final de um dia estressante a
encarar uma porção de gelatina e amargar um humor tão ruim quanto as desculpas
do Rubinho em final de corrida. Não dá para ser leoa com pelagem de jaguatirica.
Mas dá para ser uma leoa deslumbrante.
Decida
que você, e o que existe de melhor em você, não se resume àqueles 2 ou 3 ou 10
quilos de banha que insistem em não sair do seu quadril. Quem acha o contrário
deve ser posto sumariamente de quarentena na sua vida. E se for você que pensa
assim? De duas, uma: Freud ou Jung. Não, três: pode ser Lacan, também.
Se
você decidir que quer mais é ter a barriga sarada, a bunda dura, o peito empinado
e a coxa marmórea, vá em frente. Malhe. Feche a boca. Gaste com cirurgias, mas
não se engane pensando que depois disso sua felicidade será plena, porque alegria
e auto-estima não vêm de brinde com a lipoaspiração. Lembre-se de que o
embrulho do presente acaba sempre indo para o lixo. Então, para descomplicar e desneurotizar
minha existência, decidi que sou gostosa. Compro roupas que valorizam o que
tenho de bom e não pago o mico de me vestir feito um manequim de vitrine da Dior:
o máximo que conseguiria seria parecer um espantalho fashion louco. Não me
abalo mais com comentários testosteronentos e babões diante de corpos
fenomenais: eles são visualmente dignos de urros de tesão, mas não dediquei
minha vida a ter um daqueles, por isso não posso querer ter um daqueles. Não
passo três horas diárias na academia, não tenho personal trainer, não gasto as
tardes no shopping passeando com meu cachorrinho e com minhas amigas loiras-saradas
que parecem saídas de uma linha de produção de Barbies. Nunca vou ter um corpo
daqueles porque isso não é minha prioridade. O prazer que um jantar de risoto
de pêra com gorgonzola e uma rubra taça Merlot me proporcionam é muito maior que
poder rebolar ferozmente a buzanfa-modelo num show da Tati Quebra-Barraco.
Hoje,
sou gostosa e assumo. Mas continuo odiando qualquer mulher que fica linda de
morrer num biquini. Eu decidi ser gostosa, mas não virei a Irmã Dulce. Ainda
bem: decidi também que ser boazinha não combina comigo.
ÉPOCA
28 de AGOSTO 2006
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