XICO SA
O amor sempre tem uma mão só, mão única, o resto é
contramão e, de repente, acidentes, como diria Carl
Solomon, meu dadaísta do Bronx predileto.
O amor tem uma mão só. E não estamos
falando, amigo, daquela máxima do Woody Allen sobre a masturbação: seria a
melhor forma de fazer amor com a pessoa que você mais ama.
Tratamos do amor mesmo, o dos pombinhos, na sua
forma mais óbvia e verdadeira. Daí repito: o amor sempre tem uma mão só. Mesmo
quando é correspondido, nunca o é por inteiro – sempre um ama mais do que o
outro. Eis o grande suspense hitchcockiano da
existência.
Daí esta oração para ser lida em voz alta, por
você, macho ou fêmea, que se acha injustiçado (a), nós que nem Nossa
Senhora desata:
Nossa Senhora dos que Amam Sozinho ou Amam Mais que
o Outro, perdoa-me pela insistência, nem mais é por tanto querê-la, é por
deixar claro, moça que sopra das intimidades dessa oração, que só ela me faz
passar da conta, perversa, me faz cair no abismo mais lindo do gozo sem volta,
como naquele encosto de beira de estrada, como na rodovia estrangeira de Sam
Shepard, crônicas de motel, simbora!
Nossa Senhora dos que só pensam nela, cotovelos
lanhados de tanta espera, tantos sustos nas ruas, nos bares, “é ela!!!”, Nossa
Sra. Dos Cotovelos da Surpresa e das janelas, tão gastos, cinzas, peles,
dobras, e tanta fome de viver aqui dentro, megalomaníaco, épico, terá sido a
força do desprezo???
Não creio, Sr. Albero Moravia, meu guru
romano de tantos conselhos amorosos.
É mesmo a paudurescência, nostalgia
precoce das grandes histórias, o tempo inteiro, pensando, pensando,
pensando, nela.
Os joelhos lanhados pela romaria, devoção
e insistência. A santa padroeira que chora sangue na voz serena de Junio
Barreto.
Nossa Sra. da Vida Alongada, Nossa Senhora da
Yoga que deixa o corpo dela piscando na parte que me toca.
Amor demorado, anjo exterminador da alcova.
Amor por tê-la, rara.
Beijá-la delicadamente, como um católico que
dissolve na boca uma hóstia, um evangélico que fala a língua de pentecostes, um
judeu ortodoxo, como este aqui passa agora na frente do meu predinho antigo.
Amar por horas, riachinhos d´águas que não se sabem
donde, cada cantinho dum mapa que se inventou só pra se perder depois,
sentimento é a verdadeira bússola dum homem, perdido docemente lá embaixo, lá
embaixo daquelas tuas vestes modernas que nunca te escondem.
Lua cheia, vida minguante.
Escuto “Le Déserteus”, do velho Boris Vian,
ouviste?
Nossa Senhora dos que sentem muito e amam sozinho,
rogai por nós que recorremos a vós!
O amor é mesmo uma rua estreita, que mesmo com todo
progresso e planejamento urbano de 2046, sempre terá uma mão só. Engarrafada.
Sem saída.
http://xicosa.blogfolha.uol.com.br/2012/04/17/oracao-a-nossa-sra-de-quem-ama-sem-ser-correspondido/
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