A poesia de Tomás Antônio Gonzaga apresenta uma
linguagem direta e acessível para os padrões da época, como pretendia a
estética árcade. Na poesia lírica, a obra Marília
de Dirceu retrata o amor do pastor Dirceu pela pastora Marília. Os
sentimentos expressos nos versos da obra, porém, são mais que invenções para o
exercício poético, pois se baseiam na experiência pessoal de Gonzaga, em
especial a do amor por Doroteia e a das dores que viveu no cárcere. Nessa obra,
Gonzaga, ao associar elementos da convenção árcade – como os pastores, o locus amoenus, o fugere urbem – à sua experiência pessoal, particular, conferiu
maior subjetividade e espontaneidade aos seus versos e, assim, distanciou-se da
poesia impessoal cultivada pelos poetas de seu tempo.
A poesia de Gonzaga também expressa algo raro no
Arcadismo brasileiro: o retrato da cor local, com a substituição, em certas
situações, da paisagem bucólica, pastoril, por elementos característicos do
lugar onde vivia. Nesse contexto, Dirceu não é apenas um pastor, mas, também,
um bacharel, procedimento que aproxima ainda mais a figura do eu lírico do
autor dos versos.
Além da poesia lírica, Gonzaga produziu também poesia satírica, publicada em Cartas chilenas. As cartas que compõem a obra, hoje atribuídas ao poeta, eram anônimas, e, por isso, houve dúvidas quanto à sua autoria. Em forma de poemas, compostos por volta de 1787 e 1788, as cartas criticavam os abusos de poder praticados por Luís da Cunha Meneses, governador da capitania de Minas Gerais de 1783 a 1788. Em razão do risco decorrente dessas críticas, o autor criou uma série de disfarces: adotou para si o nome Critilo e para o destinatário o nome Doroteu; o governador foi chamado de Fanfarrão Minésio; Vila Rica era Santiago, e Minas, Chile (portanto, Cartas chilenas são, na verdade, “cartas mineiras”). Além do valor literário, esses poemas satíricos possuem um importante valor documental, pois expressam as tensões sociais e políticas vividas em Vila Rica nos anos que antecederam a Inconfidência Mineira.
[...]
Aqui,
prezado Amigo, principia
Esta
triste tragédia: sim prepara,
Prepara
o branco lenço, pois não podes
Ouvir
o resto, sem banhar o rosto
Com
grossos rios de salgado pranto.
Nas
levas, Doroteu, não
vêm somente [grupos de pessoas]
Os
culpados vadios; vem aquele,
Que
a dívida pediu ao Comandante;
[pessoa com poder
em Santiago]
Vem
aquele, que pôs impuros olhos
Na
sua mocetona; e vem
o pobre, [moça
formosa]
Que
não quis emprestar-lhe algum negrinho,
Para
lhe ir trabalhar na roça, ou lavra.
Estes
tristes, mal chegam, são julgados
Pelo
benigno Chefe a cem
açoites. [Fanfarrão
Minésio]
Tu
sabes, Doroteu, que as Leis do Reino
Só
mandam, que se açoitem com a sola,
[chicote de couro]
Aqueles
agressores, que estiverem
Nos
crimes quase iguais aos réus de morte:
Tu
também não ignoras, que os açoites
Só
se dão por desprezo nas espáduas;
[ombros]
Que
açoitar, Doroteu, em outra parte,
Só
pertence aos Senhores, quando punem
Os
caseiros delitos dos escravos.
Pois
todo este Direito se
pretere: [despreza]
No
Pelourinho a escada já se assenta,
Já
se ligam dos Réus os pés, e os braços;
Já
se descem calções, e se levantam
Das
imundas camisas rotas fraldas;
Já
pegam dous verduros nos zorragues;
[açoite, chicote]
Já
descarregam golpes desumanos;
Já
soam os gemidos, e respigam
Miúdas
gotas de pisado sangue.
Uns
gritam que são livres: outros clamam,
Que
as sábias Leis do Rei os julgam brancos:
Este
diz, que não tem algum delito,
Que
tal vigor mereça; aquele pede
Do
injusto acusador ao Céu vingança.
Não
afroxam os braços dos verdugos:
[quem aplica os
castigos corporais]
Mas
antes com tais queixas se duplica
A
raiva dos tiranos; qual o fogo,
Que
aos assopros dos ventos ergue a chama.
Às vezes, Doroteu, se perde a conta
Dos cem
açoites, que no meio estavam
Mas outra
nova conta se começa.
Os pobres
miseráveis já não gritam,
Cansados de
gritar; apenas soltam
Alguns
fracos suspiros, que enternecem. [comovem]
(Tomás Antônio Gonzaga. Cartas chilenas. Introdução, cronologia, notas e estabelecimento do
texto por Joaci Pereira Furtado. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p.
92-4.)
Na primeira estrofe, Critilo conta a Doroteu que Fanfarrão Minésio e seus comandantes mandam açoitar homens injustamente.
1. Explique de modo resumido o que tais homens fizeram para serem submetidos a tal
penalidade.
2. Por que a punição desses homens contrariava as leis do reino?
3.
Identifique a figura de linguagem presente nos versos: “Estes tristes, mal
chegam, são julgados / Pelo benigno Chefe a cem açoites”.
4. Que efeito produz na poesia a repetição do advérbio já?
5. Que comentário do eu lírico, ao descrever a aplicação do castigo do açoite, acentua a crueldade dos carrascos?
6. Leia o texto abaixo “O Iluminismo e a escravidão”. Depois, responda: Nos versos das Cartas chilenas lidos, Gonzaga mostra-se influenciado pelas ideias iluministas acerca da escravidão? Justifique sua resposta com elementos do texto.
7. O
fragmento a seguir foi extraído da Carta 2 em que Critilo, dirigindo-se ao seu
amigo Doroteu, narra o comportamento do Fanfarrão Minésio
Aquele,
Doroteu, que não é Santo
Mas quer
fingir-se Santo aos outros homens,
Pratica
muito mais, do que pratica,
Quem segue
os sãos caminhos da verdade.
Mal se põe
nas Igrejas, de joelhos,
Abre os
braços em cruz, a terra beija,
Entorta o
seu pescoço, fecha os olhos,
Faz que
chora, suspira, fere o peito;
E executa
outras muitas macaquices,
Estando em
parte, onde o mundo as veja.
GONZAGA, Tomás Antônio. Cartas Chilenas.
São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 68-69.
Considerando as informações apresentadas e esse fragmento poético, é correto afirmar:
a) O autor descreve as atitudes do governador de
Minas sem fazer uso de um tom irônico.
b) O autor critica
algumas atitudes do governador de Minas, julgando-as dissimuladas.
c) O autor descreve, com humor, o comportamento
do governador de Minas, sem apresentar um posicionamento crítico.
d) O tom satírico, presente nas Cartas Chilenas,
não é observado nesse fragmento, pois, aqui, há apenas a descrição das práticas
religiosas do Fanfarrão Minésio.
e) O autor chama a atenção para o fato de que o
governador de Minas age com fervor, longe dos olhos dos fiéis.
8. Sobre as
Cartas Chilenas, pode-se afirmar que:
a) narram a história de um peregrino no interior
do Brasil na época da mineração.
b) representam uma coletânea de poemas líricos
que giram em torno de Marília, nome fictício de uma donzela mineira.
c) se tratam de um conjunto de poemas religiosos
sobre o Barroco mineiro.
d) é uma obra que reflete, como num
espelho polido, imagens do governo de Luiz da Cunha Menezes, em Minas Gerais.
e) envolvem cartas que Tomás Antônio Gonzaga
colecionou ao longo de sua vida de magistrado.
9.
“Tem pesado semblante, a cor é baça
O corpo de estatura um tanto esbelta,
Feições compridas e olhadura feia,
Tem grossas sobrancelhas, testa curta,
Nariz direito e grande, fala pouco
Em rouco baixo som de mau falsete.
Sem ser velho, já tem cabelo ruço
E cobre este defeito a fria calva
À força do polvilho, que lhe deita.”
O trecho
acima pertence a uma obra importante de certo período da literatura brasileira,
e descreve com impiedade o tirano Luís da Cunha Menezes, que governou a cidade
na época em que fervilhava uma vida cultural com traços cosmopolitas e impulsos
de liberdade. Aponte dentre as alternativas abaixo aquela que explicita o
título da obra, o período a que pertence e a cidade em questão.
a) Cartas chilenas, Arcadismo, Vila
Rica.
b) Uraguai, Indianismo, Rio de Janeiro.
c) Cartas persas, Realismo, Ouro Preto.
d) Cartas mineiras, Romantismo, Ouro Preto.
e) Caramuru, Simbolismo, Vila Rita.