26 setembro 2021

CARTAS CHILENAS

 

A poesia de Tomás Antônio Gonzaga apresenta uma linguagem direta e acessível para os padrões da época, como pretendia a estética árcade. Na poesia lírica, a obra Marília de Dirceu retrata o amor do pastor Dirceu pela pastora Marília. Os sentimentos expressos nos versos da obra, porém, são mais que invenções para o exercício poético, pois se baseiam na experiência pessoal de Gonzaga, em especial a do amor por Doroteia e a das dores que viveu no cárcere. Nessa obra, Gonzaga, ao associar elementos da convenção árcade – como os pastores, o locus amoenus, o fugere urbem – à sua experiência pessoal, particular, conferiu maior subjetividade e espontaneidade aos seus versos e, assim, distanciou-se da poesia impessoal cultivada pelos poetas de seu tempo.

A poesia de Gonzaga também expressa algo raro no Arcadismo brasileiro: o retrato da cor local, com a substituição, em certas situações, da paisagem bucólica, pastoril, por elementos característicos do lugar onde vivia. Nesse contexto, Dirceu não é apenas um pastor, mas, também, um bacharel, procedimento que aproxima ainda mais a figura do eu lírico do autor dos versos.

Além da poesia lírica, Gonzaga produziu também poesia satírica, publicada em Cartas chilenas. As cartas que compõem a obra, hoje atribuídas ao poeta, eram anônimas, e, por isso, houve dúvidas quanto à sua autoria. Em forma de poemas, compostos por volta de 1787 e 1788, as cartas criticavam os abusos de poder praticados por Luís da Cunha Meneses, governador da capitania de Minas Gerais de 1783 a 1788. Em razão do risco decorrente dessas críticas, o autor criou uma série de disfarces: adotou para si o nome Critilo e para o destinatário o nome Doroteu; o governador foi chamado de Fanfarrão Minésio; Vila Rica era Santiago, e Minas, Chile (portanto, Cartas chilenas são, na verdade, “cartas mineiras”). Além do valor literário, esses poemas satíricos possuem um importante valor documental, pois expressam as tensões sociais e políticas vividas em Vila Rica nos anos que antecederam a Inconfidência Mineira.

 

 Neste trecho, da terceira carta, Critilo conta a Doroteu que os comandantes de Santiago, seguindo o exemplo do governador Fanfarrão Minésio, também cometem abusos de poder.

[...]

Aqui, prezado Amigo, principia

Esta triste tragédia: sim prepara,

Prepara o branco lenço, pois não podes

Ouvir o resto, sem banhar o rosto

Com grossos rios de salgado pranto.

Nas levas, Doroteu, não vêm somente [grupos de pessoas]

Os culpados vadios; vem aquele,

Que a dívida pediu ao Comandante; [pessoa com poder em Santiago]

Vem aquele, que pôs impuros olhos

Na sua mocetona; e vem o pobre, [moça formosa]

Que não quis emprestar-lhe algum negrinho,

Para lhe ir trabalhar na roça, ou lavra.

 

Estes tristes, mal chegam, são julgados

Pelo benigno Chefe a cem açoites. [Fanfarrão Minésio]

Tu sabes, Doroteu, que as Leis do Reino

Só mandam, que se açoitem com a sola, [chicote de couro]

Aqueles agressores, que estiverem

Nos crimes quase iguais aos réus de morte:

Tu também não ignoras, que os açoites

Só se dão por desprezo nas espáduas; [ombros]

Que açoitar, Doroteu, em outra parte,

Só pertence aos Senhores, quando punem

Os caseiros delitos dos escravos.

Pois todo este Direito se pretere: [despreza]

No Pelourinho a escada já se assenta,

Já se ligam dos Réus os pés, e os braços;

Já se descem calções, e se levantam

Das imundas camisas rotas fraldas;

Já pegam dous verduros nos zorragues; [açoite, chicote]

Já descarregam golpes desumanos;

Já soam os gemidos, e respigam

Miúdas gotas de pisado sangue.

Uns gritam que são livres: outros clamam,

Que as sábias Leis do Rei os julgam brancos:

Este diz, que não tem algum delito,

Que tal vigor mereça; aquele pede

Do injusto acusador ao Céu vingança.

Não afroxam os braços dos verdugos: [quem aplica os castigos corporais]

Mas antes com tais queixas se duplica

A raiva dos tiranos; qual o fogo,

Que aos assopros dos ventos ergue a chama.

Às vezes, Doroteu, se perde a conta

Dos cem açoites, que no meio estavam

Mas outra nova conta se começa.

Os pobres miseráveis já não gritam,

Cansados de gritar; apenas soltam

Alguns fracos suspiros, que enternecem. [comovem]

(Tomás Antônio Gonzaga. Cartas chilenas. Introdução, cronologia, notas e estabelecimento do texto por Joaci Pereira Furtado. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 92-4.)

 

Na primeira estrofe, Critilo conta a Doroteu que Fanfarrão Minésio e seus comandantes mandam açoitar homens injustamente.

1. Explique de modo resumido o que tais homens fizeram para serem submetidos a tal penalidade.

2. Por que a punição desses homens contrariava as leis do reino?

3. Identifique a figura de linguagem presente nos versos: “Estes tristes, mal chegam, são julgados / Pelo benigno Chefe a cem açoites”.

4. Que efeito produz na poesia a repetição do advérbio ?

5. Que comentário do eu lírico, ao descrever a aplicação do castigo do açoite, acentua a crueldade dos carrascos?

6. Leia o texto abaixo “O Iluminismo e a escravidão”. Depois, responda: Nos versos das Cartas chilenas lidos, Gonzaga mostra-se influenciado pelas ideias iluministas acerca da escravidão? Justifique sua resposta com elementos do texto.

 



7. O fragmento a seguir foi extraído da Carta 2 em que Critilo, dirigindo-se ao seu amigo Doroteu, narra o comportamento do Fanfarrão Minésio

 

Aquele, Doroteu, que não é Santo

Mas quer fingir-se Santo aos outros homens,

Pratica muito mais, do que pratica,

Quem segue os sãos caminhos da verdade.

Mal se põe nas Igrejas, de joelhos,

Abre os braços em cruz, a terra beija,

Entorta o seu pescoço, fecha os olhos,

Faz que chora, suspira, fere o peito;

E executa outras muitas macaquices,

Estando em parte, onde o mundo as veja.

GONZAGA, Tomás Antônio. Cartas Chilenas. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 68-69.

 


Considerando as informações apresentadas e esse fragmento poético, é correto afirmar:

a) O autor descreve as atitudes do governador de Minas sem fazer uso de um tom irônico.

b) O autor critica algumas atitudes do governador de Minas, julgando-as dissimuladas.

c) O autor descreve, com humor, o comportamento do governador de Minas, sem apresentar um posicionamento crítico.

d) O tom satírico, presente nas Cartas Chilenas, não é observado nesse fragmento, pois, aqui, há apenas a descrição das práticas religiosas do Fanfarrão Minésio.

e) O autor chama a atenção para o fato de que o governador de Minas age com fervor, longe dos olhos dos fiéis.

 

8. Sobre as Cartas Chilenas, pode-se afirmar que:

a) narram a história de um peregrino no interior do Brasil na época da mineração.

b) representam uma coletânea de poemas líricos que giram em torno de Marília, nome fictício de uma donzela mineira.

c) se tratam de um conjunto de poemas religiosos sobre o Barroco mineiro.

d) é uma obra que reflete, como num espelho polido, imagens do governo de Luiz da Cunha Menezes, em Minas Gerais.

e) envolvem cartas que Tomás Antônio Gonzaga colecionou ao longo de sua vida de magistrado.

 

9.

“Tem pesado semblante, a cor é baça

O corpo de estatura um tanto esbelta,

Feições compridas e olhadura feia,

Tem grossas sobrancelhas, testa curta,

Nariz direito e grande, fala pouco

Em rouco baixo som de mau falsete.

Sem ser velho, já tem cabelo ruço

E cobre este defeito a fria calva

À força do polvilho, que lhe deita.”

 

O trecho acima pertence a uma obra importante de certo período da literatura brasileira, e descreve com impiedade o tirano Luís da Cunha Menezes, que governou a cidade na época em que fervilhava uma vida cultural com traços cosmopolitas e impulsos de liberdade. Aponte dentre as alternativas abaixo aquela que explicita o título da obra, o período a que pertence e a cidade em questão.

a) Cartas chilenas, Arcadismo, Vila Rica.

b) Uraguai, Indianismo, Rio de Janeiro.

c) Cartas persas, Realismo, Ouro Preto.

d) Cartas mineiras, Romantismo, Ouro Preto.

e) Caramuru, Simbolismo, Vila Rita.


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