As subversivas mensagens ocultas no clássico filme 'O Mágico de Oz'
Nicholas
Barber
Em dezembro de 1937, a Walt
Disney Productions lançou seu primeiro desenho animado, Branca de Neve e
os Sete Anões, que se tornou o maior sucesso do cinema americano de
1938.
Isso não apenas levou a empresa
a produzir outros desenhos baseados em contos de fadas nas décadas seguintes,
como levou outro estúdio, o Metro-Goldwyn-Mayer (MGM), a criar seu próprio
longa musical sobre uma garota órfã e uma bruxa malvada: O Mágico de Oz.
Apesar das semelhanças com o
filme da Disney, a produção da MGM é mais um anticonto de fadas do que um conto
de fadas propriamente dito.
Basta olhar para o trio de
desajustados que acompanha a heroína ao longo de sua viagem pela estrada de
tijolos amarelos. Nenhum deles é o que você chamaria de um belo príncipe.
No entanto, Dorothy (Judy
Garland) é tão boa de coração, as músicas são tão agradáveis e as aventuras
em technicolor são tão empolgantes que fazem O Mágico de Oz até parecer um filme
tradicional para a família.
Mas,
o longa lançado em agosto de 1939 subverte de tal maneira as convenções de uma
narrativa do bem contra o mal que seria capaz de deixar Walt Disney furioso.
Um líder
falsário
Nas cenas de abertura, somos
avisados de que a magia que estamos prestes a testemunhar pode não ser
exatamente mágica.
No início do filme, após fugir
de sua casa no Kansas para impedir que seu cachorro de estimação fosse
sacrificado, Dorothy conhece um vidente viajante, o professor Marvel (Frank
Morgan). O personagem do filme não existe no livro original [...].
Por mais simpático que seja, o
professor não passa de um enganador que finge ter dons psíquicos ao espiar uma
foto que Dorothy está carregando. Ele é interpretado pelo mesmo ator que faz o
Mágico de Oz, e acaba sendo o mesmo personagem: um showman de parque de diversões que se esconde atrás de uma
cortina, mexe em alavancas e usa truques mecânicos para manter seus súditos
leais e amedrontados[...].
É verdade que não podemos
aceitar nada do que o "falsário" diz muito a sério, mas esses
sentimentos são extremos demais para qualquer filme de Hollywood, ainda mais um
filme para crianças.
Uma paródia
do presente
O roteiro debocha da ideia de
que poder e prosperidade vêm para aqueles que merecem, mesmo em relação à
própria Dorothy.
Ela mata uma bruxa malvada ao
cair em cima dela com sua casa, e outra (Margaret Hamilton) jogando água. Ambos
os casos são acidentes, fruto de mero acaso e não da coragem ou do valor de
Dorothy. [...]
Mas, nas duas ocasiões, Dorothy
é instantaneamente aclamada como heroína, assim como o Mágico quando pousa em
Oz. A mensagem é que as pessoas vão seguir qualquer figura de autoridade que
cause impacto, por mais indigna que seja. É uma ideia subversiva em 2019, e foi
ainda mais em 1939, quando ditadores fascistas estavam por toda a Europa.
O romance de Baum pode ter sido publicado na virada do século passado, mas o filme dirigido por Victor Fleming (juntamente com dois colegas, sem créditos) é um produto típico dos anos 1930. Foi lançado três anos depois de uma grande exposição do surrealismo no Museu de Arte Moderna de Nova York, e a maneira como o enredo se transforma em um sonho frenético com macacos voadores e guardas de rosto verde é surrealista. [...]
Também é significativo que a
Cidade Esmeralda de Oz não seja um reino medieval como o de Branca de Neve, nem
tenha uma paisagem de cúpulas e torres inspiradas em Istambul, como nas
ilustrações do livro original.
Em vez disso, é uma cidade
modernista de arranha-céus com listras neon – e, como quase tudo na terra de
Oz, é escancaradamente artificial. O filme não leva o público além do arco-íris
para um passado mítico, mas para uma paródia colorida de um presente barulhento
e industrializado.
Se O Mágico de Oz tivesse surgido nas patrióticas décadas de 1940
ou 1950, seria difícil imaginar que esse clássico da contracultura tivesse
escapado ileso. Mas Fleming e sua equipe criaram o mais poderoso dos filmes
infantis: ele nos leva a um mundo de dificuldades e caos, de líderes inúteis e
de seguidores crédulos e, depois, nos lembra que é esse mesmo mundo em que
vivemos.