Pra começar
Observe O sepultamento de Cristo, pintura do italiano Caravaggio (1571-1610).
1. O
que dá às figuras representadas na tela um aspecto realista?
2.
Observe que há uma linha diagonal na tela. Como ela é construída?
3. Os
braços de duas figuras são enfatizados. Perceba a posição deles na porção mais
baixa e mais alta da tela. O que parecem sugerir?
4. O
que dá ao grupo de personagens um aspecto escultural?
5.
Explique como essa tela constrói um momento de intensidade dramática.
Essa
tela de Caravaggio revela um importante aspecto do movimento literário barroco:
a religiosidade. O artista barroco divide-se entre o humanismo racionalista (antropocêntrico),
que estava em vigor desde o início do Renascimento, e a herança religiosa da
Idade Média (teocêntrica), que se reapresenta com muita força. O resultado é
uma arte de inquietude e contrastes, como você verá neste capítulo.
O dualismo típico do Barroco
A arte barroca foi usada pela Igreja e pelas monarquias
nacionais católicas como instrumento de “propaganda”, para atrair e recuperar
os fiéis perdidos para o protestantismo. O conflito entre a consciência da
condição terrena e a busca da transcendência, tipicamente barroco, serviu
perfeitamente aos objetivos católicos de reconciliação do homem com Deus.
Veja como o dualismo entre o mundo terreno e a aspiração
divina aparecem neste poema do baiano Gregório de Matos, em que o poeta retoma
os ensinamentos transmitidos em um sermão do sacerdote D. João Franco de
Oliveira.
6. Antes
mesmo de entender o sentido do texto, o leitor já é atraído por sua estrutura. Descreva-a.
7. Releia
a primeira estrofe.
a) De
acordo com o primeiro verso, qual é a função da oração?
b) O
que se afirma no verso “Pregue que a vida é emprestado... estado”?
8. Segundo
o poema, quem consegue agradar a Deus? Explique com suas palavras.
9. Como
a figura do sacerdote que faz a oração é retomada na última estrofe? Com base
em qual figura de linguagem é construída essa retomada?
10. Qual
ideia é formulada nos dois últimos versos?
O
soneto exemplifica a tendência barroca de tematizar a culpa e confirmar a fé. Embora
a Contrarreforma não tenha criado o Barroco, adaptou o movimento a seus propósitos
e estimulou o desenvolvimento da arte sacra no período.
Cultismo versus conceptismo
O Barroco foi um movimento especialmente forte na
Espanha. Alguns estudiosos defendem que sempre houve nesse país certa tendência
ao “barroquismo”, ou seja, às cores fortes, aos contrastes, às artes de apelo
visual, a certo exagero de expressão. Além disso, o movimento contou com um
extraordinário grupo de autores, como Francisco de Quevedo, Miguel de
Cervantes, Lope de Vega e, sobretudo, Luis de Góngora y Argote, o poeta mais
importante do siglo de oro (“século de ouro”), como foi denominado o século
XVII na Espanha.
Góngora (1561-1627) foi o autor que mais influência
exerceu sobre poetas barrocos portugueses e brasileiros. Seu estilo obscuro,
que ficou conhecido como gongorismo ou cultismo, é marcado por
jogos de imagens, palavras e construções sintáticas, valendo-se frequentemente
de figuras de linguagem como antíteses, oximoros, hipérbatos, hipérboles,
sinestesias etc. Esse requinte formal resulta em uma descrição plástica de paisagens
e objetos, capaz de sugerir volumes, cores, texturas etc.
Em oposição ao gongorismo, surgiu, na Espanha, outra
corrente, representada principalmente por Quevedo (1580-1645), que defendia a
escrita de textos calcados na organização lógica das ideias, no racionalismo e
na clareza, com o objetivo de convencer os leitores sobre a validade de
determinadas concepções sobre a vida. Trata-se do quevedismo ou conceptismo.
Essas duas vertentes serão exemplificadas adiante.
O
Barroco em terras brasileiras
O Barroco brasileiro repetiu os temas e os recursos
formais do europeu. Em parte significativa dos poemas, convivem o sagrado e o
profano, em uma tradução perfeita do conflituoso espírito barroco do século
XVII. Nesse cenário, destaca-se o poeta Gregório de Matos, que cultivou com
mestria a poesia sacra, como você viu na página anterior. Além dela, o artista
desenvolveu também a poesia a satírica e a lírico amorosa.
Gregório de Matos: um poeta completo
Alguns críticos defendem que Gregório de Matos
(1633-1696) é o artista-síntese do movimento barroco no Brasil. Em seus versos,
convivem o refinamento dos estilos cultista e conceptista europeus e a
incorporação de novidades linguísticas, como os tupinismos e os africanismos,
presentes na língua portuguesa falada no Brasil de sua época.
A sátira, composição que deprecia e ridiculariza ideias,
costumes, instituições e indivíduos com objetivo crítico, é uma das marcas da
poesia de Gregório de Matos. Seus poemas satíricos, que lhe deram o apelido de
Boca do Inferno, criticam com acidez a sociedade baiana do século XVII. Analise
esses traços no poema a seguir.
11. No
poema, há um engenhoso jogo de palavras denominado disseminação e recolha. Esse
procedimento cultista se baseia na técnica de “espalhar” palavras em vários versos
de uma estrofe e depois “recolhê-las” na estrofe seguinte. Explique como esse
jogo de palavras se apresenta.
12. Quais
críticas são feitas à sociedade baiana nos versos que você leu?
13. Você
já sabe que o conceptismo consiste na apresentação de um raciocínio lógico, comum
na produção dos autores do Barroco. Releia o poema de Gregório de Matos e
explique qual é a linha argumentativa desenvolvida na parte “1”.
Como você observou, Gregório de Matos, para fazer sua
crítica, emprega estratégias textuais ousadas. Esse caráter inovador, no
entanto, nem sempre se repete nas visões de mundo que se deixam ver nos seus
textos. A voz do autor, como vimos, expressa um mundo específico: a colônia da
segunda metade do século XVII. Nessa poesia de combate, convivem idealizações
do passado baiano, preconceitos em relação aos mestiços, sobretudo aos que
ascendiam social e economicamente, e ataques aos “fidalgos caramurus” (senhores
de engenho mestiços de português com indígenas tupis).
Gregório de Matos cultivou também uma faceta poética amorosa
que alcança, em alguns momentos, qualidade superior à satírica.
Observe, no poema a seguir, a riqueza das imagens e o
apelo à visão: primeiro das belezas presentes nos elementos naturais; depois,
da amada Catarina.
Nesse soneto, o deslocamento do olhar pelo espaço físico –
céu, prado e mar – é um recurso para o galanteio. A enumeração dos recursos
naturais, de grande apelo visual, constrói a “pintura admirável” e serve à
idealização de Catarina, cuja beleza anula qualquer outra.
Padre
Antônio Vieira: o homem da palavra
As habilidades do Padre Antônio Vieira (1608-1697) como
autor de discurso jesuítico e sua postura política de homem de ação fizeram
dele uma personalidade ímpar no Barroco brasileiro, português e, mais
amplamente, europeu. Sua obra reúne mais de quinhentas cartas, obras de
profecia e importantes sermões.
Vieira viveu entre Brasil e Portugal. Com uma atuação
inci siva, o religioso foi punido por algumas de suas ações, como a de
incentivar os indígenas do Maranhão a se rebelar contra as violências
praticadas pelos colonos. Por duas vezes foi condenado pela Inquisição, tendo
sido absolvido algum tempo depois: na primeira, por obras consideradas heréticas;
na segunda, por defender os cristãos-novos (judeus forçosamente convertidos ao
cristianismo).
A partir de 1681, Vieira passou a viver definitivamente
no Brasil, dedicando-se à publicação de seus sermões e outras obras.
Sermões:
sedução e pregação
O sermão é um gênero textual da esfera religiosa,
normalmente proferido em cima de um púlpito, em missas realizadas em igrejas.
Trata-se de um gênero textual construído ao vivo, na interação com o ouvinte, à
maneira de um discurso político.
Vieira dominava com maestria a técnica da oratória. Para
garantir a espontaneidade do sermão, utilizava como base para sua fala apenas
um roteiro, e não o texto completo, e investia no ato da fala. Prova disso é
que, quando se sabia que Padre Vieira pregaria um sermão, os fiéis da região
reservavam seus lugares na igreja desde a madrugada.
O religioso era um crítico severo do cultismo, porque
entendia que o jogo de palavras tipicamente barroco poderia desviar a atenção
dos espectadores do que realmente era essencial na pregação de um sermão. Por
isso, preferia um discurso claro e equilibrado, focado em um só tema, para
atingir unidade e se fazer compreendido plenamente pelos fiéis.
Seus sermões estão marcados principalmente pelo
conceptismo. Partem de um fato conhecido pelo público, ao qual associam uma
passagem bíblica com o propósito de convencer o ouvinte/leitor da validade de
suas ideias e de chamá-lo à ação.
Em geral, o sermão está dividido em três partes:
1. Introito (ou exórdio): o orador anuncia
o tema a ser discutido (proposição).
2. Desenvolvimento (ou argumento): o orador
apresenta prós e contras da proposição e exemplos que sustentam a tese.
3. Peroração: parte final, em que o orador convida
os fiéis a praticar os valores (cristãos) defendidos ao longo do sermão.
Leia a segunda parte do Sermão da Sexagésima, que o Padre
Antônio Vieira pregou à nobreza de Portugal na Capela Real, em 1655, em Lisboa.
A “sexagésima” é o penúltimo domingo antes da Quaresma (aproximadamente, o
sexagésimo dia antes da Páscoa).
Semen est verbum Dei
O trigo que semeou o pregador evangélico, diz Cristo que
é a palavra de Deus. Os espinhos, as pedras, o caminho e a terra boa em que o
trigo caiu são os diversos corações dos homens. Os espinhos são os corações
embaraçados com cuidados, com riquezas, com delícias; e nestes afoga-se a
palavra de Deus. As pedras são os corações duros e obstinados; e nestes seca-se
a palavra de Deus, e se nasce, não cria raízes. Os caminhos são os corações
inquietos e perturbados com a passagem e tropel das coisas do Mundo, umas que
vão, outras que vêm, outras que atravessam, e todas passam; e nestes é pisada a
palavra de Deus, porque a desatendem ou a desprezam. Finalmente, a terra boa
são os corações bons ou os homens de bom coração; e nestes prende e frutifica a
palavra divina, com tanta fecundidade e abundância, que se colhe cento por um: Et
fructum fecit centuplum.
Este grande frutificar da palavra de Deus é o em que reparo
hoje; e é uma dúvida ou admiração que me traz suspenso e confuso, depois que
subo ao púlpito. Se a palavra de Deus é tão eficaz e tão poderosa, como vemos
tão pouco fruto da palavra de Deus? Diz Cristo que a palavra de Deus frutifica
cento por um, e já eu me contentara com que frutificasse um por cento. Se com
cada cem sermões se convertera e emendara um homem, já o Mundo fora santo. Este
argumento de fé, fundado na autoridade de Cristo, se aperta ainda mais na
experiência, comparando os tempos passados com os presentes. Lede as histórias eclesiásticas,
e achá-las-eis todas cheias de admiráveis efeitos da pregação da palavra de
Deus. Tantos pecadores convertidos, tanta mudança de vida, tanta reformação de
costumes; os grandes desprezando as riquezas e vaidades do Mundo; os reis
renunciando os cetros e as coroas; as mocidades e as gentilezas metendo-se
pelos desertos e pelas covas; e hoje? – Nada disto. Nunca na Igreja de Deus
houve tantas pregações, nem tantos pregadores como hoje. Pois se tanto se semeia
a palavra de Deus, como é tão pouco o fruto? Não há um homem que em um sermão
entre em si e se resolva, não há um moço que se arrependa, não há um velho que
se desengane. Que é isto? Assim como Deus não é hoje menos onipotente, assim a
sua palavra não é hoje menos poderosa do que dantes era. Pois se a palavra de
Deus é tão poderosa; se a palavra de Deus tem hoje tantos pregadores, por que
não vemos hoje nenhum fruto da palavra de Deus? Esta, tão grande e tão
importante dúvida, será a matéria do sermão. Quero começar pregando-me a mim. A
mim será, e também a vós; a mim, para aprender a pregar; a vós, que aprendais a
ouvir.
VIEIRA, Padre Antônio. Sermão da Sexagésima. Disponível em: <http://bocc.ubi. pt/pag/vieira-antonio-sermao-sexagesima.html>.
Semen est verbum Dei: a palavra de Deus é a semente, em latim.
Et fructum fecit centuplum: um grão multiplicara em cem, em latim.
14. Identifique a analogia (relação de semelhança) contida no primeiro período do sermão
e explique por que é irrefutável.
15. Como
vimos no estudo do poema satírico de Gregório de Matos, é comum, no Barroco, o
uso do recurso da disseminação e recolha. Transcreva o período em que Vieira
faz a disseminação e identifique o recurso que emprega para fazer a recolha.
16. Qual
é o sentido de “reparar” em “Este grande frutificar da palavra de Deus é o em
que reparo hoje”?
17. É
correto afirmar que Padre Vieira contesta a afirmação de Cristo de que a
palavra divina “frutifica cento por um”? Justifique sua resposta com trechos do
texto.
18. No
segundo parágrafo, o pregador confessa um estranhamento. Qual?
19. O
texto de Vieira não perde de vista seu interlocutor. Que marcas linguísticas sugerem
essa interlocução permanente?
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