Não se preocupem: não vou dar, pois não tenho, receita
de ser feliz. Não vou querer, pois não consigo, dar lição de coisa alguma.
Decido escrever sobre esse tema tão gasto, tão vago, quase sem sentido, porque
leio sobre felicidade. Recebo livros sobre felicidade. Vejo que, longe de ser
objeto de certa ironia atribuída somente a livros de autoajuda (hoje em dia o
melhor meio de querer insultar um escritor é dizer que ele escreve autoajuda),
ela serve para análises filosóficas, psicanalíticas. Parece que existe até um
movimento bobo para que a felicidade seja um direito do ser humano,
oficializado, como casa, comida, dignidade, educação.
Mas ela é um estado de espírito. Não depende de atributos físicos. Nem
de inteligência: acho até que, quanto mais inteligente se é, mais possibilidade
de ser infeliz, porque se analisa o mundo, a vida, tudo, e o resultado tende a
não ser cor-de-rosa. Posso estar saudabilíssimo e infeliz. Posso ter montanhas
de dinheiro, mas viver ansioso, solitário. Talvez felicidade seja uma harmonia
com nós mesmos, com os outros, com o mundo. Alguma inserção consciente na
natureza, da qual as muralhas de concreto nos isolam, ajuda. Mas dormimos de
cortinas cerradas para não ver a claridade do dia, ou para escutar menos o rumor
do mundo (trem passando embaixo da janela não dá). Tenho um amigo que detesta o
canto dos pássaros, se pudesse mataria a tiro de chumbinhos os sabiás que
alegram minhas manhãs. Um parente meu não suportava praia, porque o barulho do
mar lhe dava insónia.
Portanto, cada um é infeliz à sua maneira*. Acho que felicidade também
é uma predisposição genética: vemos bebês e criancinhas mal-humorados ou
luminosos. Parte dela se constrói com projetos e afetos. O que se precisa para
ser feliz? Me perguntam os jornalistas. Melhor seria: O que é preciso para não
ser infeliz? Pois a infelicidade é mais fácil de avaliar, ela dói. Concordo que
felicidade é uma construção laboriosa quando se racionaliza: melhor deixar de
lado, ela vai se construir apesar dos nossos desastres. Difícil ser O feliz
assistindo ao noticiário, refletindo um pouco e vendo, por exemplo, que as
bolsas despencam no mundo todo, os dinheiros derretem, muitas vidas se
consumiram por nada, muita gente boa empobrece dramaticamente, muita gente boa
enriquece (não direi que os maus enriquecem com a desgraça dos bons porque isso
é preconceito burro). Enquanto a histeria coletiva solapa grandes fortunas ou
devora pequenas economias juntadas com sacrifício, Obama, de quem ainda sou fá,
aparece elegante e pronuncia algumas de suas frases elegantes, mas
aparentemente não diz grande coisa porque na legenda móvel embaixo de sua bela
figura as bolsas continuam a despencar. Vamos consumir, vamos poupar, vamos
desviar os olhos, vamos fazer o quê? Talvez em conjunto gastar menos, pensar
menos em aproveitar a vida, e trabalhar mais - mas aí a gente reclama, queremos
é trabalhar menos e gastar mais.
Aqui entre nós, vejo uma reportagem sobre a gastança de nossas crianças
e jovens. Gostei do ténis azul, do amarelo e do rosa, diz uma menininha
encantadora. Ah, e do lilás também. "Qual a senhora vai comprar?",
pergunta a repórter. A mãe, • também encantadora, ri: "Acho que
todos". Está decretada a dificuldade de ser feliz, pois, se eu quero todas
as cores, todas as marcas, todos os carros, todos os homens ricos e mulheres
bonitas, preparo a minha frustração, portanto a infelicidade. Na ex-fleumática
Inglaterra, bandos de jovens desocupados destroem bairros de Londres e cidades
vizinhas. Seu terror são pobreza, desemprego, falta de assistência para os
velhos e de futuro para os moços. Não há como, nessa condição, pensar em ser
feliz. A gente quer mesmo é punir, destruir. talvez matar. Complicado.
Uma boa rima para felicidade pode ser simplicidade. Ainda tenho
projetos, sempre tive bons afetos. O que mais devo querer? A pele imaculada, o
corpo perfeito, a bolsa cheia, a bolsa ou a vida? Acho que, pensando bem, com
altos e baixos. dotes e amores, e cores e sombras, eu ainda prefiro a vida.
Lya Luft. Veja
17 ago 2011
O romancista russo Leon Tolstói (1828-1910), retratado na imagem, afirmou que “todas as famílias felizes são iguais, mas as famílias infelizes são infelizes cada uma da sua maneira”.