30 novembro 2022

QUE LÍNGUA É ESSA?

Alexandre Garcia


           
Alguns furibundos senhores, vez por outra, aparecem na imprensa, em cruzada de resgate da Língua Portuguesa no Brasil que, segundo eles estaria sendo tragada pelo Inglês. E citam como exemplo palavras da informática, como on line, delete, ou nomes de estabelecimentos comerciais (um dia fui à Churrascaria Spettu’s e, como precisava entrevistar o dono, perguntei pelo Senhor Spettu. Eles acharam graça), eventos como Rock in Rio, termos do cotidiano de empresas como stand by, turn over and so on.

            Mas não é aí que se esconde o perigo. No mais popular dos esportes, por exemplo, ninguém chegou ao cúmulo do ludopédio; embora tenha ficado futebol, o soccer não ameaça nossa defesa. Mesmo porque Barbosa e Oberdan eram goalkeepers e hoje Tafarel é goleiro. Ademir era centerforward; hoje só existe centroavante e o juiz não é mais referee. Como se vê, onde somos melhores, nos impomos.
            Quem está atacando a Língua não são os anglófilos. Há uma quinta-coluna aqui dentro mesmo para enfraquecer a última flor do Lácio inculta e bela. Como línguas são seres vivos, que crescem e se transformam, elas precisam estar em constante enriquecimento. A Língua Portuguesa no Brasil, por causa dessa quinta-coluna, está se empobrecendo. E não é apenas o caso de chamar cada coisa de coisa, e não pelo seu nome apropriado, como sugeria Carlos Lacerda. Nem parar de dizer para apenas falar. E ficar com o vocabulário tão pobre, tão limitado, que se repetem apenas os chavões da moda para significar tudo. E se repetem, paradoxalmente, para se posar de intelectual — o que Freud ainda no kindergarten de Viena já esplicaria.

            Fico me perguntando, por exemplo, de onde é que as pessoas tiraram a moda do colocar, que serve para tudo. Até galinha já está colocando ovo. Quando alguém, numa reunião, pede licença para fazer uma colocação, fico com vontade de remetê-lo ao banheiro mais próximo para que possa colocar. Nos palácios de Brasília, passam o dia fazendo colocações. O pior é que nas escolas e faculdades também. Esse abominável colocar socorre a pobreza vocabular dos que não sabem dizer, nem pôr, nem botar, nem expor, nem explicar, nem ponderar. Depois do reinado do a nível de, que hoje já provoca sorrisos pelo seu ridículo, veio o enquanto. Quando uma militante grita, no microfone, ‘eu enquanto mulher”, a imagino prestes a uma cirurgia para mudança de sexo. Pior ainda é “o brasileiro, enquanto povo”. Alguém quer traduzir essa língua para mim?

            Depois que alguém importou das aulas de matemática o em função de, os repórteres de rádio acharam bonito e aboliram o singelo por causa de. Cada vez que ouço que alguém morreu em função de uma bala perdida lembro do meu professor de Matemática demonstrando um teorema. Coitado do por causa de!

            Por ser simples e claro, ainda passou a ser atacado pelo por conta de. Abro o jornal e leio que um senador teve intoxicação por conta de um jantar de que participou. Deve ser por pãodurismo. Se é por conta é porque ele pagou o jantar a contragosto. Alguém, nas faculdades de jornalismo, por favor, quer ressuscitar as regrinhas básicas da clareza e da simplicidade na escrita? Nessas faculdades, por certo, ainda se aprende que as notícias mais quentes são de fatos que acontecem. Ou seja, o que é imprevisto, surpreendente, fortuito. Uma reunião que está marcada não acontece. Ela se realiza. A reunião acontece só quando as pessoas se encontraram por acaso e improvisaram uma reunião.

            E no fim dessas maltraçadas, quero lembrar do mais novo modismo: final, esse adjetivo que começou a ser como substantivo. Em vez de fim-de-semana, virou final-de-semana. Se existe final-de-semana, queiram, por favor, chamar segunda-feira de inicial-de-semana. Mas se segunda-feira é início de semana, então apaguem o final em homenagem aos próprios neurônios. Se existe um final de filme, tem que haver um inicial, não é mesmo? Mas se houver começo, então tem que haver um fim. Essa história de colocar em lugar de pôr e final no lugar de fim deve ser lobby de fábricas de papel e tinta gráfica.
            Enfim, resta uma esperança: a pobreza não criativa dos modismos e chavões é passageira. Ninguém mais tem coragem, hoje, de cometer um inserido no contexto. Isso posto, que tenhamos todos um ótimo começo de ano.






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