Alexandre Garcia
Alguns
furibundos senhores, vez por outra, aparecem na imprensa, em cruzada de resgate
da Língua Portuguesa no Brasil que, segundo eles estaria sendo tragada pelo
Inglês. E citam como exemplo palavras da informática, como on line, delete, ou
nomes de estabelecimentos comerciais (um dia fui à Churrascaria Spettu’s e,
como precisava entrevistar o dono, perguntei pelo Senhor Spettu. Eles acharam
graça), eventos como Rock in Rio, termos do cotidiano de empresas como stand
by, turn over and so on.
Mas
não é aí que se esconde o perigo. No mais popular dos esportes, por exemplo,
ninguém chegou ao cúmulo do ludopédio; embora tenha ficado futebol, o soccer não ameaça nossa defesa. Mesmo
porque Barbosa e Oberdan eram goalkeepers e hoje Tafarel é goleiro.
Ademir era centerforward; hoje só existe centroavante e o juiz não é
mais referee. Como se vê, onde somos melhores, nos impomos.
Quem
está atacando a Língua não são os anglófilos. Há uma quinta-coluna aqui dentro
mesmo para enfraquecer a última flor do Lácio inculta e bela. Como línguas são
seres vivos, que crescem e se transformam, elas precisam estar em constante
enriquecimento. A Língua Portuguesa no Brasil, por causa dessa quinta-coluna,
está se empobrecendo. E não é apenas o caso de chamar cada coisa de coisa, e
não pelo seu nome apropriado, como sugeria Carlos Lacerda. Nem parar de dizer
para apenas falar. E ficar com o vocabulário tão pobre, tão
limitado, que se repetem apenas os chavões da moda para significar tudo. E se
repetem, paradoxalmente, para se posar de intelectual — o que Freud ainda no kindergarten de Viena já esplicaria.
Fico
me perguntando, por exemplo, de onde é que as pessoas tiraram a moda do colocar,
que serve para tudo. Até galinha já está colocando ovo. Quando
alguém, numa reunião, pede licença para fazer uma colocação, fico com
vontade de remetê-lo ao banheiro mais próximo para que possa colocar. Nos
palácios de Brasília, passam o dia fazendo colocações. O pior é que nas escolas e faculdades
também. Esse abominável colocar socorre a pobreza vocabular dos que não
sabem dizer, nem pôr, nem botar, nem expor, nem explicar,
nem ponderar. Depois do reinado do a nível de, que hoje já
provoca sorrisos pelo seu ridículo, veio o enquanto. Quando uma
militante grita, no microfone, ‘eu enquanto mulher”, a imagino prestes a
uma cirurgia para mudança de sexo. Pior ainda é “o brasileiro, enquanto povo”.
Alguém quer traduzir essa língua para mim?
Depois
que alguém importou das aulas de matemática o em função de, os
repórteres de rádio acharam bonito e aboliram o singelo por causa de. Cada
vez que ouço que alguém morreu em função de uma bala perdida lembro do meu
professor de Matemática demonstrando um teorema. Coitado do por causa de!
Por
ser simples e claro, ainda passou a ser atacado pelo por conta de. Abro o jornal e leio que um senador
teve intoxicação por conta de um jantar de que participou. Deve ser por
pãodurismo. Se é por conta é porque ele pagou o jantar a contragosto.
Alguém, nas faculdades de jornalismo, por favor, quer ressuscitar as regrinhas
básicas da clareza e da simplicidade na escrita? Nessas faculdades, por certo,
ainda se aprende que as notícias mais quentes são de fatos que acontecem. Ou
seja, o que é imprevisto, surpreendente, fortuito. Uma reunião que está marcada
não acontece. Ela se realiza. A reunião acontece só quando as pessoas se
encontraram por acaso e improvisaram uma reunião.
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