Ivan Junqueira
O que é um símbolo? Como, por que e a partir de quando
o homem começou a se valer dos símbolos para expressar-se no âmbito do sistema
da língua? Estas são questões cruciais quando abordamos o simbolismo literário,
que, na verdade, é tão antigo quanto a própria origem da linguagem. Do grego symbolon,
que significa também “marca, signo ou contra-senha”, o símbolo é, em
sentido lato, um objeto natural, como o peixe, que simboliza Cristo, ou a
coruja, que representa a filosofia.
Oficialmente,
o Simbolismo começou na França com a publicação, a 18 de setembro de 1886, no
suplemento literário de Le Figaro, do manifesto de Jean Moréas. Poeta
francês nascido na Grécia, ele afirmava a transcendência do real e declarava
que o Simbolismo, em sua radical oposição ao Realismo e ao Naturalismo, era um movimento
idealista e transcendente, contrário às descrições objetivas, à ciência
positiva, ao intelectualismo e à rigidez formal parnasiana.
Precursor
apenas ou poeta maior do Simbolismo, o fato é que Charles Baudelaire exerceria influência
decisiva para o triunfo do movimento, pois dele provêm, em linha quase direta,
os três outros poetas franceses ligados ao Simbolismo: Rimbaud, Verlaine e Mallarmé.
Rimbaud
não foi somente um pré-simbolista, mas um elo sem o qual não haveria a evolução
da poesia de Baudelaire para a do Simbolismo. Sem Rimbaud, o Simbolismo simplesmente
não existiria. Sua grande lição morre com ele, com seu inexplicável e súbito mutismo,
no estranho silêncio que assume logo após completar 17 anos. Neste sentido, ele
foi muito mais longe do que o próprio Baudelaire, ou mesmo Lautréamont, que
proclamou o fim da poesia. Rimbaud não proclamou nada. Ao contrário,
simplesmente emudeceu.
Outra
corrente foi a da poesia intimista, à qual se filiaram os poetas egressos do
Parnasianismo, com Verlaine e quase todos os verlainianos, marcados pelo
misticismo, pessimismo e evasionismo.
O
núcleo do Simbolismo francês reside sem dúvida na obra de Mallarmé, com o qual começa
também o hermetismo, a poesia pura da chamada “torre de marfim”, que deu origem
a uma febril atividade exegética por parte dos seus admiradores.
Mallarmé
foi muito mais do que um simples simbolista e toda a poesia moderna leva a sua
marca até Valéry, T. S. Eliot e o italiano Ungaretti, bem como os recentes
movimentos da poesia concreta, cujos arautos nele vêem um mestre.
O
Simbolismo brasileiro, embora oposto ao Parnasianismo, foi contudo rapidamente absorvido
por este último. Quando tentou revigorar-se, após o declínio Neoparnasiano,
viu-se marginalizado pelos primeiros modernistas e passou a ser considerado um
“corpo estranho” na literatura brasileira. Nem por isto, todavia, deixou de
produzir alguns grandes talentos, marcando a obra de diversos autores do século
20, desde Augusto dos Anjos até Cecília Meireles.
O
primeiro grande simbolista brasileiro – e também o seu maior poeta – foi João
da Cruz e Sousa, poeta negro de emoções autênticas, que se rebelou contra a
sintaxe tradicional portuguesa e introduziu no Brasil as conquistas
estilísticas da escola francesa. Sua obra inclui os versos de Broquéis (1893), Faróis (1900) e Últimos sonetos (1905), além da prosa
poética de Missal (1893) e Evocações (1898).
Outro
grande simbolista da nossa literatura foi Alphonsus de Guimaraens, poeta
intimista, dominado pelo sentimento da morte e por um suave misticismo, mas que
pecou por algum preciosismo. Suas obras mais expressivas foram Dona Mística (1899), Kiriale (1902) e Pastoral dos crentes
do amor e da morte (1923).
Existiram
outros poetas simbolistas, que merecem ser mencionados: Mário Pederneiras,
Cassiano Machado, Ronald de Carvalho, Homero Prates, Euricles de Matos, Felipe
d’Oliveira, Pedro Militão Kilkerrry, Murilo Araújo, Alvaro Reis, Durval de
Morais e Marcelo Gama, alguns dos quais se transferiram depois para o Neoparnasianismo
ou evoluíram para o Modernismo.
Na
prosa, os maiores escritores simbolistas foram Álvaro Moreyra, Arthur Lobo,
Gonzaga Duque e Carlos Fernandes. O grande crítico e propagandista do movimento
foi Nestor Vitor, seguido de Saturnino de Meireles e Manuel Azevedo da Silveira
Neto.
Mesmo
sem ter sido propriamente um simbolista, o grande e originalíssimo poeta
Augusto dos Anjos sofreu influência do Simbolismo, que é inconfundível nos seus
versos. E há também o caso da poetisa Cecília Meireles, uma das mais finas
sensibilidades da poesia brasileira, que, durante muito tempo, permaneceu
simbolista dentro do Modernismo.
O
Simbolismo transcendeu imensamente os limites de suas atividades programáticas,
dando origem à grande poesia pós-simbolista, que, a rigor, já pertence ao
Modernismo. Seus representantes, porém, guardam muito da lição de Mallarmé,
Baudelaire, Rimbaud e Maeterlinck. Essa herança é bem visível na alta poesia de
Valéry de Rilke, de Eliot, de Yeats, de Jisménez e de Claudel.
Ficcionistas
como Proust e Joyce que são os dois maiores mestres do romance moderno, também
pagam tributo à estética e ao estilo simbolistas, o mesmo acontecendo com
Maurice Barrés, Alain Fournier, Thomas Mann e Knut Hamsun.
Tudo
isso vem confirmar a inestimável importância histórica do Simbolismo, que abriu
as portas à renovação modernista. Obras como Le cimetière marin, de Valéry,
ou Duineser Elegien, de Rilke, ou ainda The wild swans at Coole, de
Yeats, provam quanto o Modernismo deve à poesia pós-simbolista.
E
uma dívida, aliás, que os modernistas têm pago ao Simbolismo com muita
grandeza.
JB B2 22.12.2004