Quem tem medo de ficar só não se dá a chance de
descobrir as delícias de um encontro consigo mesma
MARCIA TIBURI
Fundei
há anos o MDS, Movimento em Defesa da Solidão, com o objetivo de tornar o
‘estar só’ um direito humano. Eu que gosto tanto de ficar sozinha, imaginei que
a minha demanda encontraria eco em um mundo onde estar junto é sempre possível,
nem que seja virtualmente. O MDS tem um líder e um membro, eu mesma. Não aceita
parceiros, mas respeita apoiadores e simpatizantes, que podem fundar seus
movimentos desde que não queiram se reunir ao meu. Ajudam se mantendo longe. O
MDS não presta serviços nem publica manifestos, não pode promover um Disk-Solidão,
um telefonema estragaria a sua revolução. Seu lema é até bem antipático: “Me
deixa!” Faço passeatas diárias com minha bandeira transparente: o MDS tem que
ser invisível, pois quanto mais se mostra mais se contradiz. (Vou parar de
falar antes que se espalhe a notícia, acabando com a luta pelo “estar só é bom
demais”.)
Adoro e
preciso estar só, por isso escrevo. Não é um espírito de eremita que me anima,
também gosto muito de estar junto da minha filha e de amigos e dos meus alunos.
Fui casada por dez anos e agora tenho um namorado, que (por acaso?) mora a mais
de dois mil quilômetros de distância. Eu o vejo uma vez por semana ou menos.
Gostaria de ficar mais com ele, porque, entre suas tantas virtudes, está o respeito
pelo meu “estar só”. Já fui muito feliz por não namorar ninguém e curtir o nada
em volta, onde eu mesma me distribuía bem. Mas ainda estou mais para o
Zaratustra de Nietzsche, que se retirava para as montanhas para isolar-se e
voltava para contar as novidades. “Estar junto” sem temperar com “estar só” é
tão ruim quanto “estar só” sem saber o que é “estar junto”.
Ah,
gosto das pessoas, mas para mim basta saber delas, amá-las de longe, encontrar
raramente. Tenho amigos que amo, gosto de escrever para eles, de ligar às
vezes. Saio pouco, só compareço a festas obrigatórias (aquelas às quais, se eu
não for, meus amigos vão ficar chateados), detesto ir (e não vou) à casa das
pessoas, prefiro que venham à minha e convido poucos. (Ah, quer me ver em
pânico? Me convide para ir a uma danceteria.) Quem inventou que o ser humano é
um animal gregário estava certo, mas foi parcial. Somos o animal que também se
desagrega, se desgarra, que deseja desincumbir-se do outro, quieto num canto,
sem conversa. Para uns a solidão é o incômodo de estar só. Prefiro pensar na
festa de estar só. A solidão é um
descanso necessário e, bem aproveitada, um belo encontro. E com licença que
hoje é sábado e eu vou beber uma taça de vinho comigo e entrar na madrugada
escrevendo.
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