17 novembro 2021

ESTAR SOZINHA NÃO É SOLIDÃO

 

Quem tem medo de ficar só não se dá a chance de descobrir as delícias de um encontro consigo mesma

MARCIA TIBURI

 

         Fundei há anos o MDS, Movimento em Defesa da Solidão, com o objetivo de tornar o ‘estar só’ um direito humano. Eu que gosto tanto de ficar sozinha, imaginei que a minha demanda encontraria eco em um mundo onde estar junto é sempre possível, nem que seja virtualmente. O MDS tem um líder e um membro, eu mesma. Não aceita parceiros, mas respeita apoiadores e simpatizantes, que podem fundar seus movimentos desde que não queiram se reunir ao meu. Ajudam se mantendo longe. O MDS não presta serviços nem publica manifestos, não pode promover um Disk-Solidão, um telefonema estragaria a sua revolução. Seu lema é até bem antipático: “Me deixa!” Faço passeatas diárias com minha bandeira transparente: o MDS tem que ser invisível, pois quanto mais se mostra mais se contradiz. (Vou parar de falar antes que se espalhe a notícia, acabando com a luta pelo “estar só é bom demais”.)

         Adoro e preciso estar só, por isso escrevo. Não é um espírito de eremita que me anima, também gosto muito de estar junto da minha filha e de amigos e dos meus alunos. Fui casada por dez anos e agora tenho um namorado, que (por acaso?) mora a mais de dois mil quilômetros de distância. Eu o vejo uma vez por semana ou menos. Gostaria de ficar mais com ele, porque, entre suas tantas virtudes, está o respeito pelo meu “estar só”. Já fui muito feliz por não namorar ninguém e curtir o nada em volta, onde eu mesma me distribuía bem. Mas ainda estou mais para o Zaratustra de Nietzsche, que se retirava para as montanhas para isolar-se e voltava para contar as novidades. “Estar junto” sem temperar com “estar só” é tão ruim quanto “estar só” sem saber o que é “estar junto”.

         Ah, gosto das pessoas, mas para mim basta saber delas, amá-las de longe, encontrar raramente. Tenho amigos que amo, gosto de escrever para eles, de ligar às vezes. Saio pouco, só compareço a festas obrigatórias (aquelas às quais, se eu não for, meus amigos vão ficar chateados), detesto ir (e não vou) à casa das pessoas, prefiro que venham à minha e convido poucos. (Ah, quer me ver em pânico? Me convide para ir a uma danceteria.) Quem inventou que o ser humano é um animal gregário estava certo, mas foi parcial. Somos o animal que também se desagrega, se desgarra, que deseja desincumbir-se do outro, quieto num canto, sem conversa. Para uns a solidão é o incômodo de estar só. Prefiro pensar na festa de estar só. A solidão é um descanso necessário e, bem aproveitada, um belo encontro. E com licença que hoje é sábado e eu vou beber uma taça de vinho comigo e entrar na madrugada escrevendo.




 

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