CAP
2 – Vozes da literatura afro-brasileira
EIXO(S)
ESTRUTURANTE(S):
Mediação
e intervenção sociocultural
Processos
criativos
HABILIDADE(S)
TRABALHADA(S):
EMIFCG04
• EMIFCG06 • EMIFLGG04 • EMIFLGG05 • EMIFLGG08
>> Por trás do texto
A temática deste módulo envolve a produção cultural afro-brasileira, produzida por brasileiros que têm ascendência africana e em cujas obras há elementos que retratam os ideais e costumes dos povos daquele continente. Partindo do princípio de que a arte é uma forma de expressão estética e, como tal, de representação de conceitos e valores sociais, observe a pintura ao lado. Em seguida, leia o poema.
Com base na fotografia de abertura e na
interpretação do poema de Conceição Evaristo, reflita sobre as seguintes
questões:
– Tanto a imagem quanto o poema representam
uma voz social coletiva. Que voz seria essa?
– Que olhar a escritora manifesta sobre a
própria identidade? Busque no poema informações ou características que
justifiquem sua resposta.
– Comente a importância de os brasileiros
conhecerem mais a produção artística afro-brasileira.
Neste
módulo, você poderá aprofundar seus conhecimentos sobre as vozes literárias que
representam a literatura afro-brasileira.
>> Para
contextualizar
Vozes afro-brasileiras
Quando uma produção artística é considerada
afro-brasileira? A necessidade de apontar essa manifestação cultural de modo
específico decorre do contexto em que se torna essencial reconhecer as bases
africanas sobre as quais o Brasil foi fundado. Na produção afro-brasileira, é
fundamental que o ponto de vista negro esteja presente e que seja assumida uma
perspectiva que identifique temáticas, visões de mundo, linguagens, autorias e
problemáticas que fazem parte da existência dos afro-brasileiros.
Para
identificar traços desse discurso, vamos ler e comparar os textos a seguir.
Na primeira estrofe, o poeta Solano Trindade
manifesta seu orgulho de ser descendente de africanos. Além disso, ele destaca
a rica contribuição cultural africana herdada pelo povo brasileiro – a
capoeira, o maracatu, o batuque, o samba –, além do desejo de ser livre e
corajoso na luta, como foi o líder quilombola Zumbi dos Palmares. Sem ignorar a
violência sofrida pelos africanos, que vieram de Luanda (Angola) “como
mercadoria de baixo preço”, os versos do escritor pernambucano exaltam a
africanidade.
Obras como essa resgatam a importância da
ancestralidade e dos laços identitários entre brasileiros e africanos. Ademais,
ao evidenciar eventos históricos – como a época da escravidão ou as lutas pela
libertação dos escravizados – essa produção se revela instrumento de combate às
diversas manifestações do racismo estrutural, ainda marcante em nossa
sociedade. Desse espírito de denúncia nasce uma literatura engajada, que passa
a explorar seu potencial de sensibilização e conscientização. Observe essa voz
que busca por justiça social nos versos do poeta Cuti.
Desde o título, os versos criados por Cuti
expressam a relação intertextual entre o gênero lírico, representado pelo
poema, e gêneros epistolares, cuja função é a troca de mensagens, com o
“torpedo” – nome dado a uma mensagem curta enviada pelo celular. O poema simula
um diálogo com um “irmão de cor”, por meio do uso do vocativo no início de alguns
versos, e critica a discriminação racial que vitima negros no sistema prisional
brasileiro:
irmão, quantos minutos por dia
a tua identidade negra toma sol
nesta prisão de segurança máxima?
Também podemos observar a relação
intergêneros pelo tom de relato de acontecimentos recentes ao longo do poema e
o desejo de pronto restabelecimento que o eu lírico cria com seu interlocutor:
irmão, diz à tua identidade negra
que eu lhe mando um celular
para comunicar seus gemidos
e seguem também
os melhores votos de pleno restabelecimento
e de muita paciência
[...].
A
relação de intertextualidade também é explicitada nos versos finais: após a
despedida – “um grande abraço” –, o poema é assinado por Zumbi dos Palmares.
“Torpedo” é um texto em que percebemos a postura crítica e engajada que marca a literatura de Cuti. Em tom imperativo, ele conclama seu irmão, vítima de um sistema de exclusão e violência social, a resistir e a lutar:
fica esperto!
e não esquece o dia da rebelião
quando a ilusão deve ir pelos ares.
DIÁLOGOS
E CONEXÕES
O
movimento negro na história
O movimento negro brasileiro surge de forma
clandestina durante o período escravagista. O mais conhecido é o liderado por
Zumbi dos Palmares, no século XVII. Contudo, após Abolição, em 1888, e tendo
como palco os ideais republicanos, são criados vários periódicos que discutem
questões
relacionadas à desigualdade social entre os negros e os brancos e as violências
sofridas em decorrência do preconceito racial. Essas publicações passaram a ser
conhecidas como Imprensa Negra Paulista.
Nesse mesmo período, em 1931, foi fundada a Frente Negra Brasileira que existiu
até 1937, quando a ditadura do Estado Novo dissolveu as organizações sociais.
A mobilização de jovens negros, em protestos
e atos públicos, ganhou projeção nas décadas de 1970 e 1980. Em 1978, de uma
manifestação ocorrida no Teatro Municipal de São Paulo, surgiu o Movimento
Negro Unificado (MNU). Na mesma época, o movimento negro comemorou o lançamento
da série Cadernos Negros,
comprometida com a divulgação da literatura produzida por afrodescendentes. O
escritor Cuti, um dos intelectuais envolvidos na criação da série, fez de sua
escrita um instrumento de conscientização e de registro da própria história.
Sobre essa publicação, leia:
Mais recentemente, eventos e políticas públicas tornaram-se marcas de uma revisão histórica necessária. Em 1995, a marcha Zumbi contra o racismo, pela cidadania e pela vida reuniu mais de 30 mil pessoas em Brasília. Em 2012, foi promulgada a Lei de Cotas, conhecida também como Lei 12.711, que estabeleceu uma reserva de vagas para estudantes oriundos de escolas públicas, de baixa renda, negros, pardos e indígenas.
Mas a promulgação dessa lei não finalizou a
história do movimento negro. Ainda hoje ele se mantém atuante, exigindo o fim
do genocídio da população negra e o fim do racismo religioso.
- Faça uma pesquisa sobre políticas públicas
afirmativas que visam combater a discriminação, promover a participação dos
negros na vida social e o acesso deles à educação, à saúde, ao emprego, dentre outros
direitos. Em seguida, escreva um resumo das informações pesquisadas e faça
comentários defendendo seu ponto de vista sobre as políticas afirmativas. Ao
final, compartilhe sua pesquisa e suas opiniões com os colegas.
Para conhecer a produção literária de Cuti,
leia o conto “Carreto”, escrito pelo autor em 1996, e responda às questões que
seguem.
Analisando o texto
1.
O personagem principal é construído a partir de uma imagem paradoxal,
contraditória. Explique-a.
2.
À situação inicial da narrativa, que mostra as dificuldades vividas no dia a
dia por José, opõe-se uma situação de conflito que levará ao clímax e ao
desfecho. O conflito é anunciado no trecho “Sem nada para adoçar a vida, põe-se
a mastigar planos amargos”. Em um parágrafo, explique essa sequência de
acontecimentos.
3.
No conto, outros personagens utilizam-se de diversos apelidos para se dirigir
ao protagonista. Escreva um comentário sobre o impacto criado por essas
expressões linguísticas na preservação de estigmas sociais.
4.
Leia os trechos de uma análise sobre o contexto histórico do racismo no Brasil,
escrita pelo autor do conto “Carreto”, para responder à questão que o segue.
A
luta entre escravizados e escravizadores mudou sua roupagem no biombo do século
XIX para o século XX, mas prossegue com suas escaramuças, porque a ideologia de
hierarquia das raças continua [...].
Com a democracia jurídica, o esforço para
alterar as mentalidades encontrou grande apoio, porém as noções cristalizadas
de superioridade racial mantêm-se renitentes, e os argumentos de exclusão racista
persistem para impedir a partilha do poder em um país étnica e racialmente
plural. E a literatura é poder, poder de convencimento, de alimentar o
imaginário, fonte inspiradora do pensamento e da ação. [...]
Certa mordaça em torno da questão racial
brasileira vem sendo rasgada por sucessivas gerações, mas sua fibra é forte,
tecida nas instâncias do poder, e a literatura é um de seus fios que mais
oferece resistência, pois, quando vibra, ainda entoa loas às ilusões de
hierarquias congênitas para continuar alimentando, com seu veneno, o imaginário
coletivo de todos os que dela se alimentam direta ou indiretamente. A
literatura, pois, precisa de forte antídoto contra o racismo nela entranhado.
[...]
CUTI, 2010,
p. 12-13 apud Literafro. Disponível
em: http://www.letras.ufmg.br/literafro/autores/212-cuti. Acesso em: 25 fev.
2023.
Como você avalia “o poder de convencimento” da literatura a partir do conto lido?
>> Para contextualizar
Precursores
da literatura negra
A chamada literatura negra, ou afro-brasileira,
nasce da busca pelo reconhecimento da cultura africana em território brasileiro
e destaca-se pelo comprometimento com as temáticas relacionadas às experiências
negras e a maneira de o negro se colocar no mundo e interpretar a vida. Ainda
no século XIX, o crescimento dos ideais republicanos e a abolição da
escravatura serviram de palco para a inserção de temáticas relacionadas à
contribuição das culturas africanas na construção da identidade nacional e à denúncia
da desigualdade que afeta, principalmente, a população pobre e negra. Além
disso, essa discussão é alimentada pela existência de escritores negros que
ganharam relativo prestígio social. Esse é o caso de autores como Machado de
Assis (1839-1908) e Cruz e Sousa (1861-1898).
A literatura machadiana nasce em um período
ainda escravocrata e assiste aos movimentos libertários que ecoaram no Brasil
no século XIX. A escravidão sempre esteve presente na literatura de Machado de Assis
como parte do retrato social de seu tempo, sendo um registro das distorções que
esse sistema de organização produziu nas relações humanas. Um exemplo disso
pode ser encontrado no célebre romance Memórias
póstumas de Brás Cubas, no qual é narrado a convivência na infância entre
os personagens Prudêncio, escravizado que consegue a liberdade quando mais
velho, e Brás Cubas, rico herdeiro de uma família aristocrática e
latifundiária. Nas brincadeiras entre os dois, Prudêncio era montado como
cavalo por Brás Cubas, de maneira rude e cruel. Anos mais tarde, já sendo um
homem livre, é Prudêncio que adquire um escravizado e castiga-o com um
vergalhão em público.
Já o autor Cruz e Sousa, herdeiro de
tendências literárias europeias, foi um dos mais importantes escritores
simbolistas brasileiros. Teve a biografia marcada por diversos episódios
racistas. De orientação abolicionista e crítico do discurso conservador de seu
tempo, refletiu, em parte de sua obra, a indignação diante da desumanidade
criada pela relação escravocrata, como podemos observar no trecho a seguir.
Dor
negra
E como os Areais eternos
sentissem fome e sentissem sede
de flagelar, devorando com as
suas mil bocas tórridas todas
as rosas da Maldição e do Esquecimento
infinito, lembraram-se, então, simbolicamente
da África!
[...]
O que canta Réquiem eterno e soluça e ulula,
grita e ri risadas bufas e mortais no teu sangue, cálice sinistro dos calvários
do teu corpo, é a Miséria humana, acorrentando-te a grilhões e metendo-te ferro
em brasa pelo ventre, esmagando-te com o duro coturno egoístico das
Civilizações, em nome, no nome falso e mascarado de uma ridícula e rota
liberdade, e metendo-te ferro em brasa pela boca e metendo-te ferros em brasa
pelos olhos e dançando e saltando macabramente sobre o lodo argiloso dos
cemitérios do teu Sonho.
CRUZ E SOUSA, João da. Dor negra. Literafro. Disponível em:
http://www.letras.ufmg.br/literafro/
autores/11-textos-dos-autores/1669-cruz-e-sousa-dor-negra.Acesso
em: 25 fev. 2023.
Considerada a primeira romancista brasileira,
a professora e escritora maranhense Maria Firmina dos Reis (1822-1917) tinha
presença constante na imprensa local, em que publicou poesia, ficção, crônicas
e até enigmas e charadas. É considerada uma das pioneiras da crítica
antiescravista na literatura nacional.
O romance romântico Úrsula (1859) é considerado revolucionário para seu tempo: escrito
por uma mulher negra, denuncia o tráfico negreiro e focaliza ideais
abolicionistas. Confira um trecho dele a seguir.
O pré-modernista Lima Barreto (1881-1922) –
nascido no subúrbio carioca e no ano da abolição da escravatura –, ao criar
personagens humildes e sonhadores que são vítimas de discriminação, denuncia a
persistência do preconceito na sociedade brasileira pós-emancipação em uma
época na qual a sociedade carioca não demonstrava muito interesse em falar ou
ler sobre o assunto.
Triste
fim de Policarpo Quaresma é uma de suas obras mais conhecidas. Publicado
originalmente em folhetins (capítulos) no Jornal
do Comércio do Rio de Janeiro entre agosto e outubro de 1911, foi lançado em
livro em 1915. No romance, o funcionário público Policarpo Quaresma, um
patriota, como se autodenomina o personagem, incorpora ao seu discurso uma
veemente crítica à burocracia e à inoperância do Estado. O protagonista também
denuncia o comodismo social que perpetua as desigualdades, como no trecho a
seguir.
Por insistir na defesa de seus ideais
nacionalistas, Quaresma se isola e é taxado de louco. No desfecho da narrativa,
o personagem avalia que se empenhou em uma luta vã, que viveu um sacrifício
inútil em nome de um bem coletivo, reiterando sua crítica à sociedade
brasileira de seu tempo.
Em livros como Diário íntimo e Clara dos Anjos, publicados respectivamente em 1948 e 1953, a voz narrativa focaliza intensamente nas relações étnico-raciais e denuncia atitudes discriminatórias e racistas contra pessoas pobres, negras ou mestiças.
A literatura
periférica
Em sua origem, a palavra “periferia” designa
aquilo que se encontra em torno de um centro. Nesse sentido, o periférico está
próximo das margens, dos limites, ou seja, distante do que é mais conhecido ou
aceito. A expressão “literatura periférica” remete à existência de uma prática
literária fora dos circuitos convencionais. No Brasil, é difícil determinar com
exatidão quando esse movimento começou. Apesar de as discussões estarem em
curso, a obra Quarto de despejo: diário
de uma favelada, de Carolina Maria de Jesus, publicada em 1960, é
considerada uma das primeiras dessa vertente no país.
Entre o final dos anos de 1990 e o início dos
anos 2000, o movimento se organizou e atingiu um impacto consistente no cenário
cultural nacional. Nessa época, autores periféricos de São Paulo assumem o
conceito “literatura marginal” para designar suas produções. A partir disso,
muitas editoras independentes têm surgido para dar conta das publicações e
alguns autores financiam as próprias obras com pequenas tiragens feitas em
gráficas ou se valem das próprias editoras para publicar sua produção e a de
outros escritores periféricos.
A seguir, um trecho do diário escrito por
Carolina Maria de Jesus, que mantém traços da linguagem original preservados,
apesar de ter sido revisado editorialmente. Assim, a informalidade – adequada
ao diário, um gênero textual em que alguém escreve para si mesmo – e a presença
de desvios à norma-padrão da língua portuguesa ajudam o leitor a se situar no
contexto em que a obra foi escrita.
Ao retratar o cotidiano de miséria e
marginalização das pessoas sujeitas à vida na favela, a voz da autora
representa um olhar de quem vive à margem. Além disso, representa a percepção
da vida de uma mulher negra, vítima de preconceito e exclusão também por
questões de gênero e etnia. O diário revela, então, uma mistura de intimismo e
denúncia social, ficção e realidade.
Ao escrever, Carolina entende que seu relato
é um diálogo íntimo, que preenche vazios da sua vida pessoal e faz com que
reflita sobre sua própria realidade de mulher chefe de família, preocupada em transmitir
aos filhos valores diferentes daqueles que o ambiente em que viviam despertavam
em seus habitantes. Contudo, a autora tem consciência de que, se publicado, seu
testemunho teria repercussão pelo menos na vida da comunidade em que residia
(“Eu percebo que se este Diário for publicado vai maguar muita gente”). Ela
talvez não imaginasse que sua escrita se tornaria uma importante referência para
uma nova literatura que surgia em seu tempo.
Analisando o texto
1.
Apesar de, em alguns trechos, a autora responsabilizar os próprios moradores da
favela pelos problemas vivenciados no dia a dia, ela também demonstra ter
consciência de que a condição miserável em que vivem é consequência de uma
realidade socioeconômica. Explique essa dualidade e justifique sua resposta com
exemplos.
2. O diário é um gênero textual marcado pela subjetividade. Quais elementos dos trechos lidos comprovam essa característica?
>>>Para
contextualizar
Uma nova geração de
escritores
Na história sociocultural brasileira, se, por
um lado, o prestígio conquistado por autores e obras sujeitou escritores negros
(e indígenas) a uma política de apagamento cultural, por outro, despertou para a
importância da reescrita da história por outras vozes sociais, principalmente a
partir da segunda metade do século XX.
Ao analisar o surgimento de uma nova geração
de escritores afrodescendentes, a professora e pesquisadora Eurídice Figueiredo
explica:
Nesse contexto, surgiram autores como
Jeferson Tenório, com a obra O avesso da
pele. O enredo se baseia na história de Pedro, filho de um dedicado
professor que foi assassinado em uma abordagem policial. A perda familiar leva
o narrador-protagonista a resgatar o passado de sua família: “Talvez eu deseje
chegar a algum tipo de verdade”, declara Pedro na introdução do romance. Leia a
seguir um trecho dele.
O processo de reconstrução do passado é a
essência do enredo: ao resgatar diferentes momentos da vida do pai – como a
vida profissional, o casamento e outras relações sociais –, o personagem
descobre a si mesmo como um sujeito social incrustrado numa história de preconceito
e superação. Chega, portanto, ao avesso da pele:
É necessário preservar o avesso, você me
disse. Preservar aquilo que ninguém vê. Porque não demora muito e a cor da pele
atravessa nosso corpo e determina o nosso modo de estar no mundo.
TENÓRIO, Jeferson. O avesso da pele. São Paulo: Companhia das Letras, 2021. E-pub.
A literatura de Jeferson Tenório – assim como
de outros representantes da nova geração de escritores negros no Brasil, como
Conceição Evaristo, Ruth Guimarães, Djamila Ribeiro, Itamar Vieira Júnior,
Edimilson de Almeida Pereira e muitos outros – é uma voz a ecoar ideais de uma
sociedade que busca compreender a própria identidade cultural e pretende ser
justa e igual no direito de se expressar. Para isso, reescreve sua própria
história. Sua literatura é sua “escrevivência”, nas palavras de Conceição
Evaristo:
>>>Da teoria
à prática
Organizando um evento
cultural
Ao estudar autores e obras representativos da
produção cultural afro-brasileira, observamos que essa manifestação foi
relegada à marginalidade por motivos históricos. Por isso, convidamos você a desafiar
essa realidade, contribuindo para a divulgação de artistas afrodescendentes e,
consequentemente, para uma mudança desse quadro atual.
Propomos que a turma organize um recital: um
evento em que textos de artistas afro-brasileiros – como poemas, contos,
romances, memórias, entre outros – sejam lidos em voz alta. Também sugerimos a
pesquisa de textos teatrais, como os criados por Cuti, para serem representados
no dia do recital.
O evento pode ser ampliado, com a organização
de um sarau cultural, em que pessoas da comunidade escolar e artistas locais
sejam convidados a compartilhar as próprias criações literárias, músicas e
outras manifestações artísticas, ou que se disponham a representar a voz de
artistas afro-brasileiros. Se escolherem o sarau, terão a oportunidade de
divulgar outras formas de expressão artística além da literatura, como artes
plásticas, dança, música, entre outras.
Sugerimos que a turma realize as quatro
etapas a seguir e organize-se em grupos, de modo que diferentes equipes se
responsabilizem pelas tarefas que envolvem a organização do evento. É importante
que cada um tenha consciência de sua função e a realize com dedicação.
Etapa 1
A fase inicial do trabalho consiste na
preparação das condições que possibilitarão a realização do evento. Para isso,
siga estes passos:
- Como a finalidade do evento é divulgar
artistas afro-brasileiros, pesquisem autores e obras que têm projeção nacional
e as produzidas localmente.
- Elejam um apresentador (ou apresentadores):
além de cumprimentar o público presente, ele deve identificar para a plateia os
estudantes ou artistas que se apresentarão.
- Um grupo deverá colher informações para
organizar um roteiro a ser usado pelo apresentador (ou apresentadores) no dia
do evento. Caso algum artista local ou convidado vá se apresentar, é importante
decidir em que momento do recital a performance vai acontecer.
- Outro grupo deve ficar responsável pela infraestrutura
necessária, como levantamento de equipamentos e mobiliário, escolha de local,
etc. Se possível, gravem as apresentações para registrar o momento e, se todos
estiverem de acordo, compartilhem-nas nas redes sociais para que outras pessoas
possam apreciar e se envolver com o projeto da turma.
- Os estudantes que forem se apresentar precisam preparar sua leitura. Para treinar a apresentação, devem contar com a direção de um ou mais colegas.
Etapa 2
No dia do evento, os grupos devem assegurar-se
de que todos as etapas anteriores foram devidamente executadas antes da
abertura. Também é interessante gravá-lo para que possam divulgá-lo e analisá-lo
posteriormente.
Etapa 3
Após o evento, em uma roda de conversa, os
grupos vão analisar como foi organizar e participar do recital/sarau. Também
vão decidir se darão continuidade a ele nos próximos anos, sendo importante, para
isso, preservar o material gravado com uma boa edição e salvar em algum site de
compartilhamento de arquivos da internet.
Algumas questões podem auxiliar nessa
avaliação:
- No geral, o evento foi bem-sucedido ou
alguma coisa prejudicou o andamento das apresentações? Explique.
- Quais procedimentos devem ser adotados para
que os problemas levantados não ocorram mais?
- Os participantes e o público adotaram uma
atitude respeitosa e contribuíram para a realização do evento?
- Foi possível avaliar se o público apreciou
o evento? Quais foram os pontos fortes e os pontos fracos na percepção de quem
assistiu ao recital/sarau?
- Que aspectos relevantes o trabalho teve
para você?
Etapa 4
Caso se tenha optado por divulgar o evento
para possibilitar que os alunos do próximo ano tenham contato com a produção
realizada pelos grupos, a turma deverá providenciar a edição do vídeo.
- Um grupo deverá baixar os arquivos e
editá-los (há programas disponíveis na internet).
- Um estudante ou grupo deve ficar
responsável pela divulgação do trabalho, o que pode ser feito em um blog criado pela turma ou no site da escola. Compartilhem o link dele
com o professor e os demais colegas da sala.
>> Para aprofundar o conhecimento
1.
(Enem)
Inscrito
na estética romântica da literatura brasileira, o conto descortina aspectos da
realidade nacional no século XIX ao a)
revelar a imposição de crenças religiosas a pessoas escravizadas.
b)
apontar a hipocrisia do discurso conservador na defesa da escravidão.
c)
sugerir práticas de violência física e moral em nome do progresso material.
d)
relacionar o declínio da produção agrícola e comercial a questões raciais.
e)
ironizar o comportamento dos proprietários de terra na exploração do trabalho.
2.
(Enem)
A partir da intimação recebida pelo filho de 9 anos, a autora faz uma reflexão em que transparece a
a)
lição de vida comunicada pelo tenente.
b)
predisposição materna para se emocionar.
c)
atividade política marcante da comunidade.
d)
resposta irônica ante o discurso da autoridade.
e)
necessidade de revelar seus anseios mais íntimos.
3.
(Enem)
A
canção Yaô foi composta na década de 1930 por Pixinguinha, em parceria com
Gastão Viana, que escreveu a letra. O texto mistura o português com o iorubá,
língua usada por africanos escravizados trazidos para o Brasil. Ao fazer uso do
iorubá nessa composição, o autor
a)
promove uma crítica bem-humorada às religiões afro-brasileiras, destacando
diversos orixás.
b)
ressalta uma mostra da marca da cultura africana, que se mantém viva na
produção musical brasileira.
c)
evidencia a superioridade da cultura africana e seu caráter de resistência à
dominação do branco.
d)
deixa à mostra a separação racial e cultural que caracteriza a constituição do
povo brasileiro.
e)
expressa os rituais africanos com maior autenticidade, respeitando as
referências originais.
4.
(Unicamp-SP)
a)
Nas três linhas iniciais do texto I, a autora estabelece uma relação entre o
sujeito da ação e o espaço em que ele se encontra. Mencione e explique dois
recursos poéticos que compõem a cena narrativa.
b) A representação da infância no texto I se
aproxima e, ao mesmo tempo, difere daquela que se encontra no texto II. Considerando
que o texto I é um excerto do diário de Carolina Maria de Jesus e o texto II é
um poema romântico, identifique e explique essa diferença na representação da
infância, com base nos períodos literários.
5.
Para responder às questões que seguem, leia novamente o poema “Vozes-mulheres”,
de Conceição Evaristo.
a)
Explique o sentido metafórico da expressão “voz” no título do poema.
b)
Qual é a relação entre o poema e a militância da autora? Se necessário, leia a
biografia de Conceição Evaristo.
c)
O poema é estilisticamente marcado pela anáfora e pelo uso metafórico do verbo
“ecoar”. Qual efeito de sentido essas figuras de linguagem criam no contexto?
d)
O poema é um texto do gênero lírico. Em um parágrafo, comente os recursos
líricos presentes em “Vozes-mulheres”.
6. O autor do poema a seguir, Edimilson de Almeida Pereira, além de escritor, é professor e pesquisador da cultura afro-brasileira. Na literatura que ele produz, uma temática relevante é o sincretismo cultural. De que modo esse diálogo intercultural se manifesta no poema “São Benedito”?
VOZES
DA LITERATURA 2 - respostas
Analisando o texto
1. Apesar
da pouca idade, o protagonista, José, é um menino decidido, empenhado em ajudar
a curar o irmão Gulinho por meio de seu trabalho numa feira livre do Butantã,
em São Paulo. A personalidade de José se constrói como contraditória à medida
que representa um garoto com boas intenções, que demonstra estar disposto a
preservar valores sociais positivos (o trabalho e a preocupação com a família,
por exemplo) em situações diversas da narrativa, mas que, ao se defrontar com
uma dificuldade pessoal grave – a doença do irmão –, não vê outra saída que não
seja burlar a lei.
2. O conflito sucede quando José percebe que,
naquele dia de trabalho, não conseguirá dinheiro suficiente para pagar o medicamento
de que o irmão necessita e resolve furtar uma bolsa. Em decorrência disso, foge
e é preso, momento em que o problema atinge o clímax. O desfecho da sequência
narrativa se dá com o internamento do personagem principal numa fundação de
assistência a menores infratores, quando se sente frustrado por não ter ajudado
o irmão: “Gulinho chora no fundo de seu peito, lá no cômodo e cozinha da Vila
Indiana. Sem o remédio. É preciso protegê-lo, que a mãe só volta de suas
faxinas tarde da noite”. Trata-se de um final aberto, que deixa em suspenso os
acontecimentos que poderão, ainda, ocorrer em seguida.
3. Expressões linguísticas como demonstração
de preconceito: na feira, José é chamado de “macaco” e “tição apagado”; ao ser
preso, de “pivete”, “neguinho” e também “Pelezico”, por ser negro e estar com a
camisa do Flamengo. É importante reconhecer que essas alcunhas são prova da
persistência do racismo na base das relações sociais e demonstram uma forma de
exclusão social que se manifesta por meio da linguagem. Assim, ajuda-se a
preservar o tratamento desigual e violento com os negros e os mais pobres.
4. Os textos literários, como o conto lido,
têm o poder de provocar mudanças de pensamento, sendo importantes instrumentos
de conscientização e de combate ao preconceito racial. O texto trabalhado tem a
intenção de impulsionar a reflexão e sensibilizar para a realidade dos
afrodescendentes no Brasil.
Analisando o texto –
Quarto de despejo
1.
Segundo a autora, há pessoas na favela que têm condutas reprováveis (“Eu queria
levantar para pedir-lhe que deixasse o povo durmir. [...] Eles já estavam
alcoolizados.A Leila deu o seu shou. E os seus gritos não deixou os visinhos
dormir”; “Não gosto de estar entre as mulheres porque é na torneira que elas
falam de todos e de tudo.”), algumas das quais favorecem o aumento da
delinquência (“São os adultos que contribue para delinquir os menores”).
Contudo, em outros
trechos,
Carolina mostra-se indignada e revoltada diante da realidade miserável, vivida
por ela e por seus vizinhos. Assim, ela manifesta consciência de que a
realidade vivida é também fruto da exclusão social, que marginaliza e oprime
(“se o Frei Luiz fosse casado e tivesse filhos e ganhasse salário mínimo, aí eu
queria ver se o Frei Luiz era humilde. Diz que Deus dá valor só aos que sofrem
com resignação. Se o Frei visse os seus filhos comendo gêneros deteriorados,
comidos pelos corvos e ratos, havia de revoltar-se, porque a revolta surge das
agruras”). Expondo essa dualidade, a escritora desvela tanto o caráter do ser
humano, capaz de coisas boas e más, quanto o impacto das condições sociais na
vida social e íntima das pessoas.
2. O relato emprega a primeira pessoa do
singular e aborda experiências pessoais da autora baseadas em vivências reais
como catadora de lixo em uma favela. Carolina Maria de Jesus é, muitas vezes, o
sujeito e o objeto do relato. As páginas do diário são o testemunho da autora:
ao registrar o dia a dia, ela faz reflexões sobre problemas sociais e
existenciais, manifestando seus sentimentos e pensamentos diante dos fatos
ocorridos na rotina dos moradores da Favela do Canindé. Como o diário é,
inicialmente, um relato em que o interlocutor é o próprio autor, o registro é
informal. Outra característica do gênero é o uso do pretérito perfeito como o
tempo verbal predominante.
>>
Para aprofundar o conhecimento
1. b
2. d
3. b
4.
a) A
autora registra sua caminhada pela rua e se comove ao contemplar a paisagem,
sentindo-se “extasiada”. Dessa forma, demonstra sua relação afetiva com o
espaço, marcada pela linguagem lírica, intimista. No texto, utiliza recursos
sonoros, como rima (anil e Brasil) e prosopopeia (as folhas aplaudem).
b) No poema do romântico Casemiro de Abreu, a
infância é representada com uma imagem positiva da fase inicial da vida, um
estado de inocência e pureza, o que corresponde à idealização característica da
estética romântica. No diário de Carolina Maria de Jesus, a abordagem da
infância difere da visão idealizada, pois está vinculada à vida miserável na
favela. No diário, a infância remete à imagem de sobrevivência em ambiente em
que as crianças estão expostas à violência.
5.
a) A
metáfora simboliza “dar voz a”. A ideia de “dar voz” a alguém representa dar
chance a esse alguém de se manifestar, se expressar.
b) Desde
o título, a autora manifesta a intenção de representar a voz feminina e negra
por meio do poema.
c) A repetição
anafórica não só dá ênfase à ideia de que se busca representar diferentes vozes
como estabelece uma sequência, organizando a apresentação das relações
familiares: bisavó, mãe, o eu lírico e a filha. O uso metafórico do verbo
“ecoar” também reforça o sentido das repetições. A metáfora faz com que a
referência às relações familiares – ainda que modificadas – preservem
informações que atrelam um elemento a outro no poema: a voz da filha se conecta
às vozes ancestrais, pois estas ainda ecoam naquela. Acusticamente, o eco é uma
reflexão do som que, por seu processo físico, chega mais tardiamente ao ouvinte
do que o som direto. Desse modo, a história de vida ancestral das mulheres que
se apresentam no poema está refletida na vida de todas elas e daquelas que
ainda vêm.
d) Uma
das principais características de textos líricos é a subjetividade. Nos versos,
o eu lírico representa a mulher negra que sofre violências desde sua origem no
Brasil, seja pelo histórico escravocrata – na época –, seja pela desigualdade
social, presente até os dias atuais. Esse sujeito poético tanto manifesta sua
angústia diante de uma história de injustiça quanto expressa um sentimento de
esperança em relação ao futuro. O poema também apresenta forte apelo para a
musicalidade e para a linguagem metafórica. Apesar de não haver métrica ou
rima, os versos são curtos e a repetição anafórica dita o ritmo do texto.
6. Apesar de ter origem na cultura europeia, na tradição popular brasileira, São Benedito é considerado protetor dos negros e das atividades culinárias. Ao trazer a temática para poesia, o poeta promove a valorização de uma cultura sincrética, em que tradições europeias e africanas dialogam.
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