21 abril 2023

VOZES DA LITERATURA I

CAP 1 – Vozes da literatura africana de língua portuguesa

 

EIXO(S) ESTRUTURANTE(S):

Processos criativos

Investigação científica

 

HABILIDADE(S) TRABALHADA(S):

EMIFCG01 • EMIFCG02 • EMIFCG04 • EMIFLGG02 • EMIFLGG04 • EMIFLGG05

 

>> Por trás do texto

Observe a fotografia e leia a legenda que a acompanha.

O Padrão dos Descobrimentos – escultura também conhecida como Monumento aos Descobrimentos ou Monumento aos Navegantes – localiza-se em Lisboa, Portugal. Está às margens do rio Tejo, de onde muitas embarcações partiram nos séculos XV e XVI.

A obra arquitetônica tem a forma de uma caravela e exibe os brasões que representavam a coroa portuguesa na época. Na proa da caravela, destaca-se a figura do infante dom Henrique, rei de Portugal que impulsionou a expansão ultramarina. Nas laterais, 32 esculturas representam figuras históricas importantes, como o poeta Luís Vaz de Camões – que cantou em versos épicos as navegações portuguesas –, o rei dom Afonso V e navegadores, como Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral, Fernão de Magalhães, Nicolau Coelho, dentre outros.

Com base nas informações apresentadas, pense sobre as seguintes questões:

– Qual sentimento parece ter movido os portugueses ao criarem o monumento?

– Que mensagem é transmitida para eles e para os turistas que visitam o monumento sobre esse período da história do país?

– Qual a importância das figuras representadas no monumento para seu povo?

Para ampliar as reflexões sobre o momento histórico e o contexto em que se situam as literaturas africanas de língua portuguesa, que são tema deste módulo, leia o poema escrito pelo poeta português Fernando Pessoa.

 


Para além de Portugal, a imagem e o poema também representam um período histórico marcante tanto para as nações africanas, quanto para o Brasil. Assim, reflita sobre as seguintes questões:

– Qual ideia comum é possível identificar entre os versos de Fernando Pessoa e o Monumento aos Descobrimentos?

– Compare e comente: o que a época das chamadas Grandes Navegações representou para portugueses, africanos e brasileiros? E quais contribuições a interação entre esses países trouxe para a história e para a cultura desses povos?

– De que modo esse período histórico pode ter exercido influência na produção literária das nações africanas?

– Liste as obras de autores africanos que você conhece e pesquise a nacionalidade de cada um deles.

Neste módulo, você poderá ler e aprofundar seus conhecimentos sobre as influências portuguesas e brasileiras na formação da literatura africana e as principais vozes literárias dos países desse continente.

 

>> Para contextualizar

Vozes da literatura

O que representa a metáfora “vozes da literatura”?

Etimologicamente, a palavra voz – do latim vox, vocis – vem sendo usada para designar o som produzido pela vibração das cordas vocais. A palavra remete, portanto, a uma condição física: à capacidade de falar, de emitir som.

Metaforicamente, ter voz relaciona-se ao direito de se expressar e de defender um ponto de vista ou jeito de ser. A voz, portanto, simboliza a própria identidade.

Quando tratamos da literatura africana de língua portuguesa, fazemos referência às produções literárias originadas em nações colonizadas por Portugal e que hoje constituem um grupo de cooperação regional conhecido como África Lusófona ou PALOP – Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Entendemos que a literatura é um meio de expressão artística, estética e cultural; nesse caso, portanto, é um instrumento de representação e manifestação das vozes africanas.

 

É importante observar que não há uma única literatura africana, continental, mas literaturas nacionais, produzidas nos países africanos de língua portuguesa. Por isso, precisamos pensar na delimitação do território em que essas produções culturais aparecem, em seus países de origem, suas particularidades e identidades. Assim, para além de serem literaturas africanas de língua portuguesa, elas são angolanas, moçambicanas, cabo-verdianas, etc.

 

Da literatura colonial à literatura contemporânea

As obras literárias africanas de língua portuguesa são relativamente recentes, pois encontraram meios de produção e difusão há pouco mais de um século, quando os países africanos passaram a conquistar sua independência, por volta da década de 1970.

Antes disso, na época da chamada literatura colonial, reproduzia-se uma imagem de África muitas vezes evocada até os dias atuais: um espaço com paisagens e culturas exóticas, situadas em um continente selvagem que o colonizador europeu teria ajudado a civilizar. Conquistada a independência, as nações africanas buscaram meios de reafirmar sua identidade e as particularidades de seu povo por meio da literatura.

Por essa razão, é importante refletir sobre o caminho percorrido entre as produções coloniais e as contemporâneas, observando o processo de transformação ocorrido ao longo do século XX.

Para isso, leia os poemas a seguir. O primeiro foi escrito pelo jornalista e poeta cabo-verdiano Pedro Cardoso (1890-1942), que usava o pseudônimo “Afro” em suas publicações; o segundo, pela poeta angolana Alda Lara (1930-1962). Durante a leitura, busque observar a visão de mundo expressa pelo sujeito poético em cada texto.





No texto I, publicado nas primeiras décadas do século XX, destacam-se influências de uma literatura europeia e que reproduz o modelo formal da poesia parnasiana. Isso fica evidente ao observarmos a organização do texto: o uso de versos decassílabos, rimas regulares e vocabulário erudito, em que o eu lírico descreve a beleza e a grandiosidade de sua pátria, comparando-a ao Olimpo (na mitologia grega, um monte habitado por deuses). Outro elemento revelador da visão eurocêntrica é a referência ao deus mitológico Apolo, assim como aos escritores Camões (português) e Dante Alighieri (italiano). Nos versos, Pedro Cardoso retrata a grandiosidade de sua pátria – criada por Deus para ser “altiva e forte, generosa e brava” –, demonstrando apreço aos modelos literários estrangeiros.

Contudo, uma ruptura com essa visão idealizada pode ser observada no poema de Alda Lara, publicado posteriormente, em 1948. Nos versos, sem métrica ou rimas regulares, o eu lírico descreve as belezas naturais das noites africanas, cenário de cantos, batucadas e mistérios. Do poema, emerge uma imagem da vida colonial: as noites eram “povoadas das histórias de feiticeiros/que as amas-secas pretas/contavam aos meninos brancos”. Segundo o eu lírico, as noites se tornaram tristes quando os “meninos brancos” esqueceram as histórias contadas em sua infância e desprezaram suas heranças culturais.

Esses são apenas dois exemplos do processo de evolução das literaturas africanas ainda no período colonial. Interessante observar que os dois poetas citados têm origens em países diferentes – Cabo Verde e Angola, respectivamente –, mas se referem à África como se fosse uma única nação, representada, sobretudo, por uma paisagem grandiosa e bela. O segundo poema, entretanto, revela maior preocupação em destacar traços de africanidade, identitários, manifestando um olhar crítico das relações de poder que constituíram a história do continente africano.

A partir da segunda metade do século XX, com o fortalecimento de movimentos revolucionários que lutavam pela emancipação das nações africanas, as produções literárias passam a se configurar como um espaço de valorização das identidades nacionais e de contestação. Veiculando discursos de resistência e protesto, a literatura foi instrumento de conscientização política e mobilização popular.

A seguir, leia o poema “Lição”, escrito pela moçambicana Noémia de Sousa. Observe a voz que assume o discurso de denúncia das desigualdades e violências a que os negros eram submetidos.

Ao lado de movimentos libertários, as literaturas africanas de língua portuguesa exploraram seu potencial como instrumento de sensibilização e conscientização, encorajando a participação da população em manifestações que buscavam provocar mudanças sociais radicais em seus países.

Veja, a seguir, um exemplo dessa literatura engajada no poema “Depressa”, do poeta angolano Agostinho Neto.

 

 

O poema de Agostinho Neto é um exemplo do comprometimento das literaturas nacionais africanas com a escrita de sua própria história e com a luta pela libertação do domínio colonial português. Antes da independência, as produções literárias tinham como modelo movimentos artísticos europeus, o que ajudou a perpetuar o modelo eurocêntrico e o conflito com a referências culturais nativas. Após a ruptura com o regime colonial, surgem movimentos literários e publicações que marcam o nascimento de literaturas nacionais.



Analisando o texto

1.   Leia a introdução do romance Mayombe (1980), do escritor angolano Pepetela. No romance, o autor registra as lutas ocorridas entre guerrilheiros angolanos e as tropas portuguesas durante a Guerra de Independência de Angola, que durou de 1961 a 1974. A região conhecida como Mayombe é uma floresta africana que inclui territórios de vários países, entre eles Angola e Congo.

CAPÍTULO I - A Missão

O rio Lombe brilhava na vegetação densa. Vinte vezes o tinham atravessado. Teoria, o professor, tinha escorregado numa pedra e esfolara profundamente o joelho. O Comandante dissera a Teoria para voltar à Base, acompanhado de um guerrilheiro. O professor, fazendo uma careta, respondera:

– Somos dezasseis. Ficaremos catorze.

Matemática simples que resolvera a questão: era difícil conseguir-se um efetivo suficiente. De mau grado, o Comandante deu ordem de avançar. Vinha por vezes juntar-se a Teoria, que caminhava em penúltima posição, para saber como se sentia. O professor escondia o sofrimento. E sorria sem ânimo.

À hora de acampar, alguns combatentes foram procurar lenha seca, enquanto o Comando se reunia. Pangu-Akitina, o enfermeiro, aplicou um penso no ferimento do professor. O joelho estava muito inchado e só com grande esforço ele podia avançar.

Aos grupos de quatro, prepararam o jantar: arroz com corned-beef. Terminaram a refeição às seis da tarde, quando já o Sol desaparecera e a noite cobrira o Mayombe. As árvores enormes, das quais pendiam cipós grossos como cabos, dançavam em sombras com os movimentos das chamas. Só o fumo podia libertar-se do Mayombe e subir, por entre as folhas e as lianas, dispersando-se rapidamente no alto, como água precipitada por cascata estreita que se espalha num lago.

Eu, O Narrador, Sou Teoria.

Nasci na Gabela, na terra do café. Da terra recebi a cor escura de café, vinda da mãe, misturada

ao branco defunto do meu pai, comerciante português. Trago em mim o inconciliável e é este o meu

motor. Num Universo de sim ou não, branco ou negro, eu represento o talvez. Talvez é não, para quem quer ouvir sim e significa sim para quem espera ouvir não. A culpa será minha se os homens exigem a pureza e recusam as combinações? Sou eu que devo tornar-me em sim ou em não? Ou são os homens que devem aceitar o talvez? Face a este problema capital, as pessoas dividem-se aos meus olhos em dois grupos: os maniqueístas e os outros. É bom esclarecer que raros são os outros, o Mundo é geralmente maniqueísta.

O Comissário Político, alto e magro como Teoria, acercou-se dele.

– O Comando pensa que deves voltar ou esperar-nos aqui. Dentro de três dias estaremos de volta. Ficará alguém contigo. Ou podes tentar regressar à Base aos poucos. Depende do teu estado.

O professor respondeu sem hesitar:

– Acho que é um erro. Posso ainda andar. Temos pouca gente, dois guerrilheiros a menos fazem uma diferença grande. O plano irá por água abaixo.

[...]

Eu, O Narrador, Sou Teoria.

Os meus conhecimentos levaram-me a ser nomeado professor da Base. Ao mesmo tempo, sou instrutor político, ajudando o Comissário. A minha vida na Base é preenchida pelas aulas e pelas guardas. Por vezes, raramente, uma ação. Desde que estamos no interior, a atividade é maior. Não atividade de guerra, mas de patrulha e reconhecimento. Ofereço-me sempre para as missões, mesmo contra a opinião do Comando: poderia recusar? Imediatamente se lembrariam de que não sou igual aos outros.

Uma vez quis evitar ir em reconhecimento: tivera um pressentimento trágico. Havia tão poucos na Base que o meu silêncio seria logo notado. Ofereci-me. É a alienação total. Os outros podem esquivar-se, podem argumentar quando são escolhidos. Como o poderei fazer, eu que trago em mim o pecado original do pai-branco?

Lutamos não estava de acordo com a proposta do chefe de grupo Verdade. Mal o Comandante surgiu, Lutamos disse:

– Camarada Comandante, o camarada Verdade acha que devíamos apanhar os trabalhadores da exploração e fuzilá-los, porque trabalham para os colonialistas. Diz que é isso o que se decidiu fazer.

O Comandante sentou-se e meteu a colher na tampa da gamela, sem responder. O Comissário encostou-se a uma árvore, comendo, observando o grupo.

– Deixa lá, pá! – disse Muatiânvua. – Esses trabalhadores são cabindas, é por isso que te chateias. Mas são mesmo traidores, nem que fossem lundas ou kimbundos...

– Como é? – disse Lutamos, nervoso. – E os trabalhadores da Diamang? E os da Cotonang? São traidores? Têm de trabalhar para o colonialista...

– São, sim, pá – disse Muatiânvua. – Depois de tanto tempo de guerra, quem não está do nosso lado é contra nós. Estes aqui estão mesmo perto do Congo. Talvez mesmo que ouvem a nossa rádio. Veem que há exploração. Então por que não se juntam a nós? Deixa! É só varrer, pá!

[...]

PEPETELA. Mayombe. São Paulo: Grupo Leya Brasil, 2013. p. 2-6; 10-11. E-pub.

 

a) No trecho, podemos observar o caráter documental do texto, que está presente, principalmente, na descrição do cenário em que a ação acontece e no detalhamento da rotina dos guerrilheiros. Essa característica, contudo, difere do modo como os personagens foram nomeados: Teoria, Comissário Político, Comandante Sem Medo, Lutamos, Verdade, etc. Que efeito de sentido isso provoca?

b)  O romance tem foco narrativo na terceira pessoa, mas apresenta vários trechos narrados em primeira pessoa, como se pode observar nos trechos escritos em itálico e em que Teoria fala de si mesmo. Releia esses trechos e explique o conflito pessoal que o personagem representa. Comprove sua resposta com citações do texto.

 

>> Para contextualizar

Linguagem literária e identidades

Um dos elementos que efetivamente representaram o espírito de ruptura das literaturas pós-coloniais e a intenção de preservar a identidade nacional foi a preocupação em absorver traços de oralidade na escrita literária. A tradição oral é marca essencial das culturas nativas, mas foi desprezada no período colonial.

A incorporação de elementos da linguagem coloquial oral, a utilização de expressões dos diversos dialetos locais e a ruptura com a sintaxe da língua oficial ajudaram a distanciar as produções literárias emergentes das heranças coloniais e a dar visibilidade a uma literatura original, peculiar, única. A valorização da oralidade, assim, tornou-se instrumento de afirmação de uma cultura milenar, que ajudou a preservar as memórias, o passado e as tradições.

Leia, a seguir, um trecho do conto “Muadiê Gil, o Sobral e o barril”, do angolano José Luandino Vieira. O autor usa o falar crioulo, o que aproxima a narrativa da tradição oral e imprime maior realismo aos personagens.

O crioulo é a língua falada por determinada comunidade culturalmente diversificada que perdeu laços linguísticos com as línguas originais de seus antepassados. Para estabelecer comunicação, essa comunidade cria um sistema linguístico mais rudimentar. Durante a colonização portuguesa na África, o crioulo surgiu, por exemplo, entre escravizados de origens diversas, para que se comunicassem entre si ou com os colonos portugueses.

 

Em Velhas estórias, por mais que algumas expressões sejam desconhecidas do leitor, é possível observar a intenção do autor de criar uma narrativa que remeta à tradição oral, tanto pela linguagem, quanto pelo ritmo, que aproxima o narrador de um contador de histórias.

Para ampliar as reflexões sobre a relação entre tradição oral e construção de identidades africanas, leia agora um trecho de entrevista dada pelo escritor moçambicano Mia Couto.

 

DIÁLOGOS E CONEXÕES

O Modernismo brasileiro (1922) e as literaturas africanas de língua portuguesa

Laços históricos aproximam o Brasil e países do continente africano. A começar pelo processo colonizatório: além da dominação portuguesa em comum – que formou a chamada África Portuguesa a partir dos séculos XV e XVI (territórios que hoje correspondem a países como Guiné-Bissau, Angola, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Moçambique) –, o regime escravocrata trouxe para o Brasil, aproximadamente, 4,8 milhões de africanos escravizados durante três séculos de tráfico.

Esse vínculo histórico, além de representar uma memória de injustiças sociais, ajudou a forjar um amplo patrimônio cultural entre africanos e brasileiros. Além disso, a ruptura com os modelos artísticos europeus, idealizada principalmente a partir da Semana de Arte Moderna ocorrida em São Paulo em 1922, e a valorização do passado histórico como instrumento de compreensão do presente encontraram eco nas literaturas africanas pós-coloniais, que também buscavam se distanciar das tradições impostas pelo colonizador português e compreender a própria identidade.

O poema “Canção para Milton Nascimento”, do escritor angolano João Melo, é um exemplo da valorização do intercâmbio cultural entre o Brasil e as nações africanas:

 


Tanto a produção artística brasileira do início do século XX quanto os movimentos literários africanos que nasceram ao lado da luta pela emancipação de países como Moçambique, Angola e Cabo Verde, ao reescreverem e retificarem o passado, buscaram denunciar as distorções e mistificações herdadas dos colonizadores.

No Brasil, fazer uma releitura da história por meio da literatura encontra ecos, por exemplo, no Manifesto Pau-Brasil, escrito em 1924 pelo modernista Oswald de Andrade. Para os modernistas, as produções artísticas devem “ver com olhos livres”, rompendo com os academicismos que até então vigoravam na arte nacional. E para recontar a história nacional e redescobrir o Brasil, os artistas se propuseram a olhar o passado e o presente, as tradições e a modernidade.

Leia, a seguir, um trecho do manifesto.

[...]

Nenhuma fórmula para a contemporânea expressão do mundo. Ver com olhos livres.

Temos a base dupla e presente – a floresta e a escola. A raça crédula e dualista e a geometria, a álgebra e a química logo depois da mamadeira e do chá de erva-doce. Um misto de “dorme nenê que o bicho vem pegá” e de equações.

Uma visão que bata nos cilindros dos moinhos, nas turbinas elétricas, nas usinas produtoras, nas questões cambiais, sem perder de vista o Museu Nacional. Pau-Brasil.

[...]

ANDRADE, Oswald de. O manifesto antropófago. In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda europeia e modernismo brasileiro: apresentação e crítica dos principais manifestos vanguardistas. 3. ed. Petrópolis: Vozes; Brasília: INL, 1976.

Disponível em: https://www.ufrgs.br/cdrom/oandrade/oandrade.pdf.

 

Os escritores africanos também se alimentaram do passado para transformá-lo. Um exemplo é o famoso romance Terra sonâmbula, de Mia Couto. Na história, o velho Tuahir e o jovem Muidinga, que fugiam da Guerra Civil (1977-1992), ao se esconderem em um machimbombo (ônibus) queimado, encontram, ao lado de um dos corpos carbonizados, uma mala, em que há cadernos com registros da história de Kindzu. Ao ler as anotações em voz alta para o companheiro – que não sabia ler –, Muidinga dá voz a relatos dos quais emerge a cultura moçambicana, com suas histórias fantásticas e tradições.

 

O diálogo entre a literatura brasileira e as que buscam se projetar por meio dos movimentos revolucionários africanos ocorre num cenário em que as nações vivem um processo de reconhecimento da própria identidade. Assim, ficção e realidade caminham juntas. Além disso, essas literaturas buscam enfrentar as duras realidades de preconceito e desigualdade social oriunda do colonialismo, o que as aproxima ainda mais.

Para ampliar as reflexões sobre essas trocas culturais, faça as atividades a seguir.

1. Com base no trecho do romance Terra sonâmbula lido anteriormente, responda ao que se pede.

a) Qual o ponto de vista manifestado pelo narrador sobre o valor da tradição oral para a vida de sua comunidade?

b) No Manifesto Pau-Brasil (1925), o modernista Oswald de Andrade define características pretendidas para a linguagem literária: “A língua sem arcaísmo. Sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos”. De que modo a escrita de Mia Couto se aproxima desse pensamento?

2. Faça uma breve pesquisa sobre a relação entre arte e identidade. Você pode se basear nas seguintes questões: De que modo as produções artísticas revelam os valores pessoais e sociais de um artista? A arte é capaz de enriquecer nossa visão de mundo, sensibilizando-nos para a realidade do outro? Para escrever sobre o tema, estude a produção de um artista ou uma obra específica, como uma tela de pintura ou uma letra de música. Sugestão: escolha um artista da sua cidade ou de que gosta. Busque conhecer a biografia desse artista, leia entrevistas dadas por ele. Além de escrever um resumo das informações pesquisadas, faça comentários, defendendo seu ponto de vista.

 

 

>>>Da teoria à prática

Vamos desenvolver um podcast?

Neste módulo, as reflexões sobre o processo de formação das literaturas africanas foram contextualizadas por um período histórico específico: o colonialismo imperialista português. Por meio de muitas vozes literárias, também percebemos que não se pode tratar a produção cultural dos países africanos como se falássemos de uma única nação africana.

Para ampliar a discussão e preparar o encerramento das atividades deste módulo, leia a notícia a seguir.

 


O depoimento do escritor Mia Couto representa mais uma voz que demonstra o quanto não há uma única versão para qualquer história. Então, que tal ampliar a discussão sobre a importância de conhecer diferentes pontos de vista sobre os mais diversos temas, evitando “o perigo de uma história única”?

 

Etapa 1

Em grupos, discutam o texto a seguir, um trecho do TED Talk O perigo de uma história única, em que a escritora Chimamanda Adichie analisa, com base nas próprias vivências como mulher nigeriana, o problema de ter acesso a apenas uma versão de qualquer fato. Se possível, assistam ao vídeo completo antes desse primeiro encontro.

 


Etapa 2

Façam anotações, destacando pontos da argumentação de Adichie que vocês consideram interessantes. Em seguida, conversem sobre “o perigo de uma história única”. Nessa discussão, levantem exemplos do cotidiano, sejam da vida pessoal, sejam da vida social, de versões unilaterais transmitidas sobre determinados fatos. Busquem se lembrar, também, de publicações que tentam manipular opiniões e impor uma informação que pode ser falsa.

Em seguida, individualmente, amplie a pesquisa sobre os fatos levantados anteriormente. Leve os dados pesquisados para uma nova reunião em grupo e compartilhe com os colegas. Escrevam uma síntese do que foi discutido e elejam um representante do grupo para participar da próxima etapa do trabalho.

 

Etapa 3

Agora, queremos ouvir a sua voz: a turma organizará um podcast sobre o risco de conhecer uma única versão de fatos e histórias. Pode ser interessante delimitar esse tema com base no que foi pesquisado pelos grupos e definir um título para o trabalho.

Como se trata de uma produção que demanda diversas tarefas, sugerimos que elas sejam divididas entre os colegas do grupo, de modo que cada um se responsabilize por uma parte. Por exemplo:

– É necessário utilizar equipamentos adequados para a gravação, assim como estudar recursos diversos que poderão ser usados (como edição de áudio) e as ferramentas necessárias para isso. É importante, também, definir um lugar adequado para a realização da gravação.

– Os representantes dos grupos de trabalho eleitos anteriormente precisam preparar suas falas; para isso, devem contar com alguns colegas, seja para ampliar a pesquisa (caso considerem necessário), seja para treinar a apresentação.

– Seria interessante convidar um ou mais professores de outras áreas do conhecimento para fazerem parte do projeto. Pensem em alguém que possa ter mais familiaridade com o tema. Um integrante do grupo ficará responsável pelo convite. Para isso, ele deve saber explicar com clareza a discussão que será apresentada no podcast.

– É fundamental escrever um roteiro com as perguntas a serem feitas e os pontos a serem destacados na conversa. Lembrem-se de que o roteiro é apenas um guia para elencar pontos importantes. Durante a discussão, novas perguntas podem surgir, assim como novos aspectos a serem abordados. Estejam preparados também para improvisar!

O grupo responsável pelo roteiro deve escrever uma pequena apresentação dos debatedores. Deve, também, estabelecer um tempo para apresentação da fala de cada participante. O ideal é que o áudio final tenha entre 15 e 20 minutos.

 

Etapa 4

Terminada a gravação, salvem o áudio em um computador e ouçam-no, para avaliar a qualidade da gravação e, sobretudo, da discussão. Caso seja necessário editar, utilizem um programa disponível na internet. Um estudante do grupo deve ficar responsável pela publicação do podcast, que pode ser feita em um blog da turma ou em uma plataforma de podcasts. Após o lançamento, compartilhem o link dele com seus amigos, familiares e toda a comunidade escolar por meio das redes sociais.

 

>> Para aprofundar o conhecimento

1. (UFT-TO)

Leia o fragmento de Ventos do apocalipse, da escritora moçambicana Paulina Chiziane, e observe a reprodução da pintura Retirantes, de Candido Portinari, para responder à questão.

Cessaram os choros. O terror cedeu o lugar à passividade e o povo deixa-se conduzir. (...) A partida tem sabor a areia solta, a sede, a poeira seca, o Sol é demasiado forte e o calor destila. Caminham. Os corpos vivos marcham como sepulcros, como duendes, como sombras mortas. Arrastam consigo todos os haveres que lhes restam, para o novo mundo, para o recomeço da vida ou para o prolongamento da agonia. Os pés descalços galgam o chão duro. O dorso da terra é seco, quente e áspero. (...)

CHIZIANE, Paulina. Ventos do Apocalipse. Lisboa: Editorial Caminho, 1999. p. 147-148.

 

 

 

Fonte: PORTINARI, Candido. Retirantes. Disponível em: http://www.portinari.org.br/

#/acervo/obra/2733/detalhes. Acesso em: 18/03/2020.

 

Em relação ao fragmento e à pintura, assinale a alternativa INCORRETA.

a) Mostram a situação de miséria e de sofrimento de retirantes.

b) Enaltecem o comportamento esperançoso de retirantes.

c) Apresentam características físicas dos retirantes em seus deslocamentos.

d) Expressam as adversidades espaciais no deslocamento de retirantes.

2. (ENEM)

A vida às vezes é como um jogo brincado na rua: estamos no último minuto de uma brincadeira bem quente e não sabemos que a qualquer momento pode chegar um mais velho a avisar que a brincadeira já acabou e está na hora de jantar. A vida afinal acontece muito de repente — nunca ninguém nos avisou que aquele era mesmo o último Carnaval da Vitória. O Carnaval também chegava sempre de repente. Nós, as crianças, vivíamos num tempo fora do tempo, sem nunca sabermos dos calendários de verdade. [...] O “dia da véspera do Carnaval”, como dizia a avó Nhé, era dia de confusão com roupas e pinturas a serem preparadas, sonhadas e inventadas. Mas quando acontecia era um dia rápido, porque os dias mágicos passam depressa deixando marcas fundas na nossa memória, que alguns chamam também de coração.

ONDJAKI. Os da minha rua. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2007. Disponível em: www.vidasimples.uol.com.br (adaptado).

 

As significações afetivas engendradas no fragmento pressupõem o reconhecimento da

a) perspectiva infantil assumida pela voz narrativa.

b) suspensão da linearidade temporal da narração.

c) tentativa de materializar lembranças da infância.

d) incidência da memória sobre as imagens narradas.

e) alternância entre impressões subjetivas e relatos factuais.

Responda às questões 3 e 4 a partir da leitura dos textos a seguir, exemplares da literatura africana em Língua Portuguesa.

 


3. (PUC-MG)

Considerando a relação entre os poemas e o contexto histórico-social de sua produção, é possível perceber:

a) um discurso de resistência e de combate à opressão.

b) uma abordagem nostálgica do passado.

c) um distanciamento dos poetas em relação aos problemas sociais.

d) manifestações poéticas contra o preconceito racial.

 

4. (PUC-MG)

Tendo em vista o modo como recobram a herança do colonialismo português, os poemas sugerem uma relação com Portugal pautada por sentimentos de:

a) revolta.

b) impotência.

c) gratidão.

d) amizade.

 

Leia o poema a seguir para resolver as questões 5 e 6.

 


5. (FITS-PE)

Sobre esses versos de Mia Couto, a única informação sem comprovação no texto é a que afirma que o eu lírico

a) revela que sua identidade depende do seu reconhecimento no outro.

b) se encontra em conflito, demonstrando-se instável e inseguro diante dos fatos.

c) explicita sua estranheza ante uma realidade que se configura diferente da anterior.

d) mostra que o passado e o futuro se alternam na construção identitária de um povo.

e) acredita que lutar contra os acontecimentos é perder a chance de reorganizar um porvir melhor.

 

6. (FITS-PE)

Em sua composição, o texto apresenta

a) gradação na apresentação das imagens.

b) uso de recursos metafóricos e antitéticos.

c) linguagem subjetiva, expressiva e imprecisa.

d) utilização do código como tema da mensagem.

e) emprego de verbos apenas no presente do indicativo.





Analisando o texto

1. a) O autor cria personagens tipo, por meio dos quais representa a hierarquia entre os guerrilheiros, assim como os diferentes perfis pessoais. Esse recurso também faz com que a característica documental do texto ceda espaço para a linguagem literária, possibilitando que o leitor associe a realidade à ficção.

b) Teoria é filho de uma mulher africana com um europeu, por isso é mestiço. Por causa disso, o personagem é discriminado, revelando certa crise de identidade. Um trecho que exemplifica essa questão é: “Num Universo de sim ou não, branco ou negro, eu represento o talvez. Talvez é não para quem quer ouvir sim e significa sim para quem espera ouvir não. A culpa será minha se os homens exigem a pureza e recusam as combinações?”. Além disso, está no movimento de guerrilha como professor, ou seja, participa das ações, mas tem como principal função dar aulas para os guerrilheiros (além de preparar os homens para lutar, o grupo tem que dedicar tempo ao estudo; a politização e conscientização dos guerrilheiros também fazem parte do movimento de guerrilha, conforme é narrado no romance). Dessa forma, por ser intelectualizado, sente-se diferente dos demais.

Terra sonâmbula

a) O narrador destaca a importância da transmissão oral, como no trecho: “E assim seguia nossa criancice, tempos afora. Nesses anos ainda tudo tinha sentido: a razão deste mundo estava num outro mundo inexplicável. Os mais velhos faziam a ponte entre esses dois mundos”. As histórias contadas pelos adultos são a primeira informação sobre a realidade em que viviam e a referência a valores e tradições transmitidos por elas.

b) É possível identificar, no trecho lido, a preocupação em aproximar a linguagem literária do registro coloquial. Isso pode ser percebido não somente na fala dos personagens, em que expressões regionais aparecem (“– Chiças: transpiro mais que palmeira!”), mas também na narração, quando, por exemplo, alguns períodos são iniciados com pronome oblíquo, o que é considerado inadequado na norma-padrão da língua portuguesa (“Lhe encontrávamos coberto de formigas”). Além disso, a escrita contém neologismos, como em: “Éramos nós que recolhíamos seu corpo dorminhoso” e “Parece que os insetos gostavam do suor docicado do velho Taímo”. 

>> Para aprofundar o conhecimento

1. b

2. a

3. a

4. a

5. e

6. b


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