21 abril 2023

VOZES DA LITERATURA I

CAP 1 – Vozes da literatura africana de língua portuguesa

 

EIXO(S) ESTRUTURANTE(S):

Processos criativos

Investigação científica

 

HABILIDADE(S) TRABALHADA(S):

EMIFCG01 • EMIFCG02 • EMIFCG04 • EMIFLGG02 • EMIFLGG04 • EMIFLGG05

 

>> Por trás do texto

Observe a fotografia e leia a legenda que a acompanha.

O Padrão dos Descobrimentos – escultura também conhecida como Monumento aos Descobrimentos ou Monumento aos Navegantes – localiza-se em Lisboa, Portugal. Está às margens do rio Tejo, de onde muitas embarcações partiram nos séculos XV e XVI.

A obra arquitetônica tem a forma de uma caravela e exibe os brasões que representavam a coroa portuguesa na época. Na proa da caravela, destaca-se a figura do infante dom Henrique, rei de Portugal que impulsionou a expansão ultramarina. Nas laterais, 32 esculturas representam figuras históricas importantes, como o poeta Luís Vaz de Camões – que cantou em versos épicos as navegações portuguesas –, o rei dom Afonso V e navegadores, como Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral, Fernão de Magalhães, Nicolau Coelho, dentre outros.

Com base nas informações apresentadas, pense sobre as seguintes questões:

– Qual sentimento parece ter movido os portugueses ao criarem o monumento?

– Que mensagem é transmitida para eles e para os turistas que visitam o monumento sobre esse período da história do país?

– Qual a importância das figuras representadas no monumento para seu povo?

Para ampliar as reflexões sobre o momento histórico e o contexto em que se situam as literaturas africanas de língua portuguesa, que são tema deste módulo, leia o poema escrito pelo poeta português Fernando Pessoa.

 


Para além de Portugal, a imagem e o poema também representam um período histórico marcante tanto para as nações africanas, quanto para o Brasil. Assim, reflita sobre as seguintes questões:

– Qual ideia comum é possível identificar entre os versos de Fernando Pessoa e o Monumento aos Descobrimentos?

– Compare e comente: o que a época das chamadas Grandes Navegações representou para portugueses, africanos e brasileiros? E quais contribuições a interação entre esses países trouxe para a história e para a cultura desses povos?

– De que modo esse período histórico pode ter exercido influência na produção literária das nações africanas?

– Liste as obras de autores africanos que você conhece e pesquise a nacionalidade de cada um deles.

Neste módulo, você poderá ler e aprofundar seus conhecimentos sobre as influências portuguesas e brasileiras na formação da literatura africana e as principais vozes literárias dos países desse continente.

 

>> Para contextualizar

Vozes da literatura

O que representa a metáfora “vozes da literatura”?

Etimologicamente, a palavra voz – do latim vox, vocis – vem sendo usada para designar o som produzido pela vibração das cordas vocais. A palavra remete, portanto, a uma condição física: à capacidade de falar, de emitir som.

Metaforicamente, ter voz relaciona-se ao direito de se expressar e de defender um ponto de vista ou jeito de ser. A voz, portanto, simboliza a própria identidade.

Quando tratamos da literatura africana de língua portuguesa, fazemos referência às produções literárias originadas em nações colonizadas por Portugal e que hoje constituem um grupo de cooperação regional conhecido como África Lusófona ou PALOP – Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Entendemos que a literatura é um meio de expressão artística, estética e cultural; nesse caso, portanto, é um instrumento de representação e manifestação das vozes africanas.

 

É importante observar que não há uma única literatura africana, continental, mas literaturas nacionais, produzidas nos países africanos de língua portuguesa. Por isso, precisamos pensar na delimitação do território em que essas produções culturais aparecem, em seus países de origem, suas particularidades e identidades. Assim, para além de serem literaturas africanas de língua portuguesa, elas são angolanas, moçambicanas, cabo-verdianas, etc.

 

Da literatura colonial à literatura contemporânea

As obras literárias africanas de língua portuguesa são relativamente recentes, pois encontraram meios de produção e difusão há pouco mais de um século, quando os países africanos passaram a conquistar sua independência, por volta da década de 1970.

Antes disso, na época da chamada literatura colonial, reproduzia-se uma imagem de África muitas vezes evocada até os dias atuais: um espaço com paisagens e culturas exóticas, situadas em um continente selvagem que o colonizador europeu teria ajudado a civilizar. Conquistada a independência, as nações africanas buscaram meios de reafirmar sua identidade e as particularidades de seu povo por meio da literatura.

Por essa razão, é importante refletir sobre o caminho percorrido entre as produções coloniais e as contemporâneas, observando o processo de transformação ocorrido ao longo do século XX.

Para isso, leia os poemas a seguir. O primeiro foi escrito pelo jornalista e poeta cabo-verdiano Pedro Cardoso (1890-1942), que usava o pseudônimo “Afro” em suas publicações; o segundo, pela poeta angolana Alda Lara (1930-1962). Durante a leitura, busque observar a visão de mundo expressa pelo sujeito poético em cada texto.





No texto I, publicado nas primeiras décadas do século XX, destacam-se influências de uma literatura europeia e que reproduz o modelo formal da poesia parnasiana. Isso fica evidente ao observarmos a organização do texto: o uso de versos decassílabos, rimas regulares e vocabulário erudito, em que o eu lírico descreve a beleza e a grandiosidade de sua pátria, comparando-a ao Olimpo (na mitologia grega, um monte habitado por deuses). Outro elemento revelador da visão eurocêntrica é a referência ao deus mitológico Apolo, assim como aos escritores Camões (português) e Dante Alighieri (italiano). Nos versos, Pedro Cardoso retrata a grandiosidade de sua pátria – criada por Deus para ser “altiva e forte, generosa e brava” –, demonstrando apreço aos modelos literários estrangeiros.

Contudo, uma ruptura com essa visão idealizada pode ser observada no poema de Alda Lara, publicado posteriormente, em 1948. Nos versos, sem métrica ou rimas regulares, o eu lírico descreve as belezas naturais das noites africanas, cenário de cantos, batucadas e mistérios. Do poema, emerge uma imagem da vida colonial: as noites eram “povoadas das histórias de feiticeiros/que as amas-secas pretas/contavam aos meninos brancos”. Segundo o eu lírico, as noites se tornaram tristes quando os “meninos brancos” esqueceram as histórias contadas em sua infância e desprezaram suas heranças culturais.

Esses são apenas dois exemplos do processo de evolução das literaturas africanas ainda no período colonial. Interessante observar que os dois poetas citados têm origens em países diferentes – Cabo Verde e Angola, respectivamente –, mas se referem à África como se fosse uma única nação, representada, sobretudo, por uma paisagem grandiosa e bela. O segundo poema, entretanto, revela maior preocupação em destacar traços de africanidade, identitários, manifestando um olhar crítico das relações de poder que constituíram a história do continente africano.

A partir da segunda metade do século XX, com o fortalecimento de movimentos revolucionários que lutavam pela emancipação das nações africanas, as produções literárias passam a se configurar como um espaço de valorização das identidades nacionais e de contestação. Veiculando discursos de resistência e protesto, a literatura foi instrumento de conscientização política e mobilização popular.

A seguir, leia o poema “Lição”, escrito pela moçambicana Noémia de Sousa. Observe a voz que assume o discurso de denúncia das desigualdades e violências a que os negros eram submetidos.

Ao lado de movimentos libertários, as literaturas africanas de língua portuguesa exploraram seu potencial como instrumento de sensibilização e conscientização, encorajando a participação da população em manifestações que buscavam provocar mudanças sociais radicais em seus países.

Veja, a seguir, um exemplo dessa literatura engajada no poema “Depressa”, do poeta angolano Agostinho Neto.

 

 

O poema de Agostinho Neto é um exemplo do comprometimento das literaturas nacionais africanas com a escrita de sua própria história e com a luta pela libertação do domínio colonial português. Antes da independência, as produções literárias tinham como modelo movimentos artísticos europeus, o que ajudou a perpetuar o modelo eurocêntrico e o conflito com a referências culturais nativas. Após a ruptura com o regime colonial, surgem movimentos literários e publicações que marcam o nascimento de literaturas nacionais.



Analisando o texto

1.   Leia a introdução do romance Mayombe (1980), do escritor angolano Pepetela. No romance, o autor registra as lutas ocorridas entre guerrilheiros angolanos e as tropas portuguesas durante a Guerra de Independência de Angola, que durou de 1961 a 1974. A região conhecida como Mayombe é uma floresta africana que inclui territórios de vários países, entre eles Angola e Congo.

CAPÍTULO I - A Missão

O rio Lombe brilhava na vegetação densa. Vinte vezes o tinham atravessado. Teoria, o professor, tinha escorregado numa pedra e esfolara profundamente o joelho. O Comandante dissera a Teoria para voltar à Base, acompanhado de um guerrilheiro. O professor, fazendo uma careta, respondera:

– Somos dezasseis. Ficaremos catorze.

Matemática simples que resolvera a questão: era difícil conseguir-se um efetivo suficiente. De mau grado, o Comandante deu ordem de avançar. Vinha por vezes juntar-se a Teoria, que caminhava em penúltima posição, para saber como se sentia. O professor escondia o sofrimento. E sorria sem ânimo.

À hora de acampar, alguns combatentes foram procurar lenha seca, enquanto o Comando se reunia. Pangu-Akitina, o enfermeiro, aplicou um penso no ferimento do professor. O joelho estava muito inchado e só com grande esforço ele podia avançar.

Aos grupos de quatro, prepararam o jantar: arroz com corned-beef. Terminaram a refeição às seis da tarde, quando já o Sol desaparecera e a noite cobrira o Mayombe. As árvores enormes, das quais pendiam cipós grossos como cabos, dançavam em sombras com os movimentos das chamas. Só o fumo podia libertar-se do Mayombe e subir, por entre as folhas e as lianas, dispersando-se rapidamente no alto, como água precipitada por cascata estreita que se espalha num lago.

Eu, O Narrador, Sou Teoria.

Nasci na Gabela, na terra do café. Da terra recebi a cor escura de café, vinda da mãe, misturada

ao branco defunto do meu pai, comerciante português. Trago em mim o inconciliável e é este o meu

motor. Num Universo de sim ou não, branco ou negro, eu represento o talvez. Talvez é não, para quem quer ouvir sim e significa sim para quem espera ouvir não. A culpa será minha se os homens exigem a pureza e recusam as combinações? Sou eu que devo tornar-me em sim ou em não? Ou são os homens que devem aceitar o talvez? Face a este problema capital, as pessoas dividem-se aos meus olhos em dois grupos: os maniqueístas e os outros. É bom esclarecer que raros são os outros, o Mundo é geralmente maniqueísta.

O Comissário Político, alto e magro como Teoria, acercou-se dele.

– O Comando pensa que deves voltar ou esperar-nos aqui. Dentro de três dias estaremos de volta. Ficará alguém contigo. Ou podes tentar regressar à Base aos poucos. Depende do teu estado.

O professor respondeu sem hesitar:

– Acho que é um erro. Posso ainda andar. Temos pouca gente, dois guerrilheiros a menos fazem uma diferença grande. O plano irá por água abaixo.

[...]

Eu, O Narrador, Sou Teoria.

Os meus conhecimentos levaram-me a ser nomeado professor da Base. Ao mesmo tempo, sou instrutor político, ajudando o Comissário. A minha vida na Base é preenchida pelas aulas e pelas guardas. Por vezes, raramente, uma ação. Desde que estamos no interior, a atividade é maior. Não atividade de guerra, mas de patrulha e reconhecimento. Ofereço-me sempre para as missões, mesmo contra a opinião do Comando: poderia recusar? Imediatamente se lembrariam de que não sou igual aos outros.

Uma vez quis evitar ir em reconhecimento: tivera um pressentimento trágico. Havia tão poucos na Base que o meu silêncio seria logo notado. Ofereci-me. É a alienação total. Os outros podem esquivar-se, podem argumentar quando são escolhidos. Como o poderei fazer, eu que trago em mim o pecado original do pai-branco?

Lutamos não estava de acordo com a proposta do chefe de grupo Verdade. Mal o Comandante surgiu, Lutamos disse:

– Camarada Comandante, o camarada Verdade acha que devíamos apanhar os trabalhadores da exploração e fuzilá-los, porque trabalham para os colonialistas. Diz que é isso o que se decidiu fazer.

O Comandante sentou-se e meteu a colher na tampa da gamela, sem responder. O Comissário encostou-se a uma árvore, comendo, observando o grupo.

– Deixa lá, pá! – disse Muatiânvua. – Esses trabalhadores são cabindas, é por isso que te chateias. Mas são mesmo traidores, nem que fossem lundas ou kimbundos...

– Como é? – disse Lutamos, nervoso. – E os trabalhadores da Diamang? E os da Cotonang? São traidores? Têm de trabalhar para o colonialista...

– São, sim, pá – disse Muatiânvua. – Depois de tanto tempo de guerra, quem não está do nosso lado é contra nós. Estes aqui estão mesmo perto do Congo. Talvez mesmo que ouvem a nossa rádio. Veem que há exploração. Então por que não se juntam a nós? Deixa! É só varrer, pá!

[...]

PEPETELA. Mayombe. São Paulo: Grupo Leya Brasil, 2013. p. 2-6; 10-11. E-pub.

 

a) No trecho, podemos observar o caráter documental do texto, que está presente, principalmente, na descrição do cenário em que a ação acontece e no detalhamento da rotina dos guerrilheiros. Essa característica, contudo, difere do modo como os personagens foram nomeados: Teoria, Comissário Político, Comandante Sem Medo, Lutamos, Verdade, etc. Que efeito de sentido isso provoca?

b)  O romance tem foco narrativo na terceira pessoa, mas apresenta vários trechos narrados em primeira pessoa, como se pode observar nos trechos escritos em itálico e em que Teoria fala de si mesmo. Releia esses trechos e explique o conflito pessoal que o personagem representa. Comprove sua resposta com citações do texto.

 

>> Para contextualizar

Linguagem literária e identidades

Um dos elementos que efetivamente representaram o espírito de ruptura das literaturas pós-coloniais e a intenção de preservar a identidade nacional foi a preocupação em absorver traços de oralidade na escrita literária. A tradição oral é marca essencial das culturas nativas, mas foi desprezada no período colonial.

A incorporação de elementos da linguagem coloquial oral, a utilização de expressões dos diversos dialetos locais e a ruptura com a sintaxe da língua oficial ajudaram a distanciar as produções literárias emergentes das heranças coloniais e a dar visibilidade a uma literatura original, peculiar, única. A valorização da oralidade, assim, tornou-se instrumento de afirmação de uma cultura milenar, que ajudou a preservar as memórias, o passado e as tradições.

Leia, a seguir, um trecho do conto “Muadiê Gil, o Sobral e o barril”, do angolano José Luandino Vieira. O autor usa o falar crioulo, o que aproxima a narrativa da tradição oral e imprime maior realismo aos personagens.

O crioulo é a língua falada por determinada comunidade culturalmente diversificada que perdeu laços linguísticos com as línguas originais de seus antepassados. Para estabelecer comunicação, essa comunidade cria um sistema linguístico mais rudimentar. Durante a colonização portuguesa na África, o crioulo surgiu, por exemplo, entre escravizados de origens diversas, para que se comunicassem entre si ou com os colonos portugueses.

 

Em Velhas estórias, por mais que algumas expressões sejam desconhecidas do leitor, é possível observar a intenção do autor de criar uma narrativa que remeta à tradição oral, tanto pela linguagem, quanto pelo ritmo, que aproxima o narrador de um contador de histórias.

Para ampliar as reflexões sobre a relação entre tradição oral e construção de identidades africanas, leia agora um trecho de entrevista dada pelo escritor moçambicano Mia Couto.

 

DIÁLOGOS E CONEXÕES

O Modernismo brasileiro (1922) e as literaturas africanas de língua portuguesa

Laços históricos aproximam o Brasil e países do continente africano. A começar pelo processo colonizatório: além da dominação portuguesa em comum – que formou a chamada África Portuguesa a partir dos séculos XV e XVI (territórios que hoje correspondem a países como Guiné-Bissau, Angola, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Moçambique) –, o regime escravocrata trouxe para o Brasil, aproximadamente, 4,8 milhões de africanos escravizados durante três séculos de tráfico.

Esse vínculo histórico, além de representar uma memória de injustiças sociais, ajudou a forjar um amplo patrimônio cultural entre africanos e brasileiros. Além disso, a ruptura com os modelos artísticos europeus, idealizada principalmente a partir da Semana de Arte Moderna ocorrida em São Paulo em 1922, e a valorização do passado histórico como instrumento de compreensão do presente encontraram eco nas literaturas africanas pós-coloniais, que também buscavam se distanciar das tradições impostas pelo colonizador português e compreender a própria identidade.

O poema “Canção para Milton Nascimento”, do escritor angolano João Melo, é um exemplo da valorização do intercâmbio cultural entre o Brasil e as nações africanas:

 


Tanto a produção artística brasileira do início do século XX quanto os movimentos literários africanos que nasceram ao lado da luta pela emancipação de países como Moçambique, Angola e Cabo Verde, ao reescreverem e retificarem o passado, buscaram denunciar as distorções e mistificações herdadas dos colonizadores.

No Brasil, fazer uma releitura da história por meio da literatura encontra ecos, por exemplo, no Manifesto Pau-Brasil, escrito em 1924 pelo modernista Oswald de Andrade. Para os modernistas, as produções artísticas devem “ver com olhos livres”, rompendo com os academicismos que até então vigoravam na arte nacional. E para recontar a história nacional e redescobrir o Brasil, os artistas se propuseram a olhar o passado e o presente, as tradições e a modernidade.

Leia, a seguir, um trecho do manifesto.

[...]

Nenhuma fórmula para a contemporânea expressão do mundo. Ver com olhos livres.

Temos a base dupla e presente – a floresta e a escola. A raça crédula e dualista e a geometria, a álgebra e a química logo depois da mamadeira e do chá de erva-doce. Um misto de “dorme nenê que o bicho vem pegá” e de equações.

Uma visão que bata nos cilindros dos moinhos, nas turbinas elétricas, nas usinas produtoras, nas questões cambiais, sem perder de vista o Museu Nacional. Pau-Brasil.

[...]

ANDRADE, Oswald de. O manifesto antropófago. In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda europeia e modernismo brasileiro: apresentação e crítica dos principais manifestos vanguardistas. 3. ed. Petrópolis: Vozes; Brasília: INL, 1976.

Disponível em: https://www.ufrgs.br/cdrom/oandrade/oandrade.pdf.

 

Os escritores africanos também se alimentaram do passado para transformá-lo. Um exemplo é o famoso romance Terra sonâmbula, de Mia Couto. Na história, o velho Tuahir e o jovem Muidinga, que fugiam da Guerra Civil (1977-1992), ao se esconderem em um machimbombo (ônibus) queimado, encontram, ao lado de um dos corpos carbonizados, uma mala, em que há cadernos com registros da história de Kindzu. Ao ler as anotações em voz alta para o companheiro – que não sabia ler –, Muidinga dá voz a relatos dos quais emerge a cultura moçambicana, com suas histórias fantásticas e tradições.

 

O diálogo entre a literatura brasileira e as que buscam se projetar por meio dos movimentos revolucionários africanos ocorre num cenário em que as nações vivem um processo de reconhecimento da própria identidade. Assim, ficção e realidade caminham juntas. Além disso, essas literaturas buscam enfrentar as duras realidades de preconceito e desigualdade social oriunda do colonialismo, o que as aproxima ainda mais.

Para ampliar as reflexões sobre essas trocas culturais, faça as atividades a seguir.

1. Com base no trecho do romance Terra sonâmbula lido anteriormente, responda ao que se pede.

a) Qual o ponto de vista manifestado pelo narrador sobre o valor da tradição oral para a vida de sua comunidade?

b) No Manifesto Pau-Brasil (1925), o modernista Oswald de Andrade define características pretendidas para a linguagem literária: “A língua sem arcaísmo. Sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos”. De que modo a escrita de Mia Couto se aproxima desse pensamento?

2. Faça uma breve pesquisa sobre a relação entre arte e identidade. Você pode se basear nas seguintes questões: De que modo as produções artísticas revelam os valores pessoais e sociais de um artista? A arte é capaz de enriquecer nossa visão de mundo, sensibilizando-nos para a realidade do outro? Para escrever sobre o tema, estude a produção de um artista ou uma obra específica, como uma tela de pintura ou uma letra de música. Sugestão: escolha um artista da sua cidade ou de que gosta. Busque conhecer a biografia desse artista, leia entrevistas dadas por ele. Além de escrever um resumo das informações pesquisadas, faça comentários, defendendo seu ponto de vista.

 

 

>>>Da teoria à prática

Vamos desenvolver um podcast?

Neste módulo, as reflexões sobre o processo de formação das literaturas africanas foram contextualizadas por um período histórico específico: o colonialismo imperialista português. Por meio de muitas vozes literárias, também percebemos que não se pode tratar a produção cultural dos países africanos como se falássemos de uma única nação africana.

Para ampliar a discussão e preparar o encerramento das atividades deste módulo, leia a notícia a seguir.

 


O depoimento do escritor Mia Couto representa mais uma voz que demonstra o quanto não há uma única versão para qualquer história. Então, que tal ampliar a discussão sobre a importância de conhecer diferentes pontos de vista sobre os mais diversos temas, evitando “o perigo de uma história única”?

 

Etapa 1

Em grupos, discutam o texto a seguir, um trecho do TED Talk O perigo de uma história única, em que a escritora Chimamanda Adichie analisa, com base nas próprias vivências como mulher nigeriana, o problema de ter acesso a apenas uma versão de qualquer fato. Se possível, assistam ao vídeo completo antes desse primeiro encontro.

 


Etapa 2

Façam anotações, destacando pontos da argumentação de Adichie que vocês consideram interessantes. Em seguida, conversem sobre “o perigo de uma história única”. Nessa discussão, levantem exemplos do cotidiano, sejam da vida pessoal, sejam da vida social, de versões unilaterais transmitidas sobre determinados fatos. Busquem se lembrar, também, de publicações que tentam manipular opiniões e impor uma informação que pode ser falsa.

Em seguida, individualmente, amplie a pesquisa sobre os fatos levantados anteriormente. Leve os dados pesquisados para uma nova reunião em grupo e compartilhe com os colegas. Escrevam uma síntese do que foi discutido e elejam um representante do grupo para participar da próxima etapa do trabalho.

 

Etapa 3

Agora, queremos ouvir a sua voz: a turma organizará um podcast sobre o risco de conhecer uma única versão de fatos e histórias. Pode ser interessante delimitar esse tema com base no que foi pesquisado pelos grupos e definir um título para o trabalho.

Como se trata de uma produção que demanda diversas tarefas, sugerimos que elas sejam divididas entre os colegas do grupo, de modo que cada um se responsabilize por uma parte. Por exemplo:

– É necessário utilizar equipamentos adequados para a gravação, assim como estudar recursos diversos que poderão ser usados (como edição de áudio) e as ferramentas necessárias para isso. É importante, também, definir um lugar adequado para a realização da gravação.

– Os representantes dos grupos de trabalho eleitos anteriormente precisam preparar suas falas; para isso, devem contar com alguns colegas, seja para ampliar a pesquisa (caso considerem necessário), seja para treinar a apresentação.

– Seria interessante convidar um ou mais professores de outras áreas do conhecimento para fazerem parte do projeto. Pensem em alguém que possa ter mais familiaridade com o tema. Um integrante do grupo ficará responsável pelo convite. Para isso, ele deve saber explicar com clareza a discussão que será apresentada no podcast.

– É fundamental escrever um roteiro com as perguntas a serem feitas e os pontos a serem destacados na conversa. Lembrem-se de que o roteiro é apenas um guia para elencar pontos importantes. Durante a discussão, novas perguntas podem surgir, assim como novos aspectos a serem abordados. Estejam preparados também para improvisar!

O grupo responsável pelo roteiro deve escrever uma pequena apresentação dos debatedores. Deve, também, estabelecer um tempo para apresentação da fala de cada participante. O ideal é que o áudio final tenha entre 15 e 20 minutos.

 

Etapa 4

Terminada a gravação, salvem o áudio em um computador e ouçam-no, para avaliar a qualidade da gravação e, sobretudo, da discussão. Caso seja necessário editar, utilizem um programa disponível na internet. Um estudante do grupo deve ficar responsável pela publicação do podcast, que pode ser feita em um blog da turma ou em uma plataforma de podcasts. Após o lançamento, compartilhem o link dele com seus amigos, familiares e toda a comunidade escolar por meio das redes sociais.

 

>> Para aprofundar o conhecimento

1. (UFT-TO)

Leia o fragmento de Ventos do apocalipse, da escritora moçambicana Paulina Chiziane, e observe a reprodução da pintura Retirantes, de Candido Portinari, para responder à questão.

Cessaram os choros. O terror cedeu o lugar à passividade e o povo deixa-se conduzir. (...) A partida tem sabor a areia solta, a sede, a poeira seca, o Sol é demasiado forte e o calor destila. Caminham. Os corpos vivos marcham como sepulcros, como duendes, como sombras mortas. Arrastam consigo todos os haveres que lhes restam, para o novo mundo, para o recomeço da vida ou para o prolongamento da agonia. Os pés descalços galgam o chão duro. O dorso da terra é seco, quente e áspero. (...)

CHIZIANE, Paulina. Ventos do Apocalipse. Lisboa: Editorial Caminho, 1999. p. 147-148.

 

 

 

Fonte: PORTINARI, Candido. Retirantes. Disponível em: http://www.portinari.org.br/

#/acervo/obra/2733/detalhes. Acesso em: 18/03/2020.

 

Em relação ao fragmento e à pintura, assinale a alternativa INCORRETA.

a) Mostram a situação de miséria e de sofrimento de retirantes.

b) Enaltecem o comportamento esperançoso de retirantes.

c) Apresentam características físicas dos retirantes em seus deslocamentos.

d) Expressam as adversidades espaciais no deslocamento de retirantes.

2. (ENEM)

A vida às vezes é como um jogo brincado na rua: estamos no último minuto de uma brincadeira bem quente e não sabemos que a qualquer momento pode chegar um mais velho a avisar que a brincadeira já acabou e está na hora de jantar. A vida afinal acontece muito de repente — nunca ninguém nos avisou que aquele era mesmo o último Carnaval da Vitória. O Carnaval também chegava sempre de repente. Nós, as crianças, vivíamos num tempo fora do tempo, sem nunca sabermos dos calendários de verdade. [...] O “dia da véspera do Carnaval”, como dizia a avó Nhé, era dia de confusão com roupas e pinturas a serem preparadas, sonhadas e inventadas. Mas quando acontecia era um dia rápido, porque os dias mágicos passam depressa deixando marcas fundas na nossa memória, que alguns chamam também de coração.

ONDJAKI. Os da minha rua. Rio de Janeiro: Língua Geral, 2007. Disponível em: www.vidasimples.uol.com.br (adaptado).

 

As significações afetivas engendradas no fragmento pressupõem o reconhecimento da

a) perspectiva infantil assumida pela voz narrativa.

b) suspensão da linearidade temporal da narração.

c) tentativa de materializar lembranças da infância.

d) incidência da memória sobre as imagens narradas.

e) alternância entre impressões subjetivas e relatos factuais.

Responda às questões 3 e 4 a partir da leitura dos textos a seguir, exemplares da literatura africana em Língua Portuguesa.

 


3. (PUC-MG)

Considerando a relação entre os poemas e o contexto histórico-social de sua produção, é possível perceber:

a) um discurso de resistência e de combate à opressão.

b) uma abordagem nostálgica do passado.

c) um distanciamento dos poetas em relação aos problemas sociais.

d) manifestações poéticas contra o preconceito racial.

 

4. (PUC-MG)

Tendo em vista o modo como recobram a herança do colonialismo português, os poemas sugerem uma relação com Portugal pautada por sentimentos de:

a) revolta.

b) impotência.

c) gratidão.

d) amizade.

 

Leia o poema a seguir para resolver as questões 5 e 6.

 


5. (FITS-PE)

Sobre esses versos de Mia Couto, a única informação sem comprovação no texto é a que afirma que o eu lírico

a) revela que sua identidade depende do seu reconhecimento no outro.

b) se encontra em conflito, demonstrando-se instável e inseguro diante dos fatos.

c) explicita sua estranheza ante uma realidade que se configura diferente da anterior.

d) mostra que o passado e o futuro se alternam na construção identitária de um povo.

e) acredita que lutar contra os acontecimentos é perder a chance de reorganizar um porvir melhor.

 

6. (FITS-PE)

Em sua composição, o texto apresenta

a) gradação na apresentação das imagens.

b) uso de recursos metafóricos e antitéticos.

c) linguagem subjetiva, expressiva e imprecisa.

d) utilização do código como tema da mensagem.

e) emprego de verbos apenas no presente do indicativo.





Analisando o texto

1. a) O autor cria personagens tipo, por meio dos quais representa a hierarquia entre os guerrilheiros, assim como os diferentes perfis pessoais. Esse recurso também faz com que a característica documental do texto ceda espaço para a linguagem literária, possibilitando que o leitor associe a realidade à ficção.

b) Teoria é filho de uma mulher africana com um europeu, por isso é mestiço. Por causa disso, o personagem é discriminado, revelando certa crise de identidade. Um trecho que exemplifica essa questão é: “Num Universo de sim ou não, branco ou negro, eu represento o talvez. Talvez é não para quem quer ouvir sim e significa sim para quem espera ouvir não. A culpa será minha se os homens exigem a pureza e recusam as combinações?”. Além disso, está no movimento de guerrilha como professor, ou seja, participa das ações, mas tem como principal função dar aulas para os guerrilheiros (além de preparar os homens para lutar, o grupo tem que dedicar tempo ao estudo; a politização e conscientização dos guerrilheiros também fazem parte do movimento de guerrilha, conforme é narrado no romance). Dessa forma, por ser intelectualizado, sente-se diferente dos demais.

Terra sonâmbula

a) O narrador destaca a importância da transmissão oral, como no trecho: “E assim seguia nossa criancice, tempos afora. Nesses anos ainda tudo tinha sentido: a razão deste mundo estava num outro mundo inexplicável. Os mais velhos faziam a ponte entre esses dois mundos”. As histórias contadas pelos adultos são a primeira informação sobre a realidade em que viviam e a referência a valores e tradições transmitidos por elas.

b) É possível identificar, no trecho lido, a preocupação em aproximar a linguagem literária do registro coloquial. Isso pode ser percebido não somente na fala dos personagens, em que expressões regionais aparecem (“– Chiças: transpiro mais que palmeira!”), mas também na narração, quando, por exemplo, alguns períodos são iniciados com pronome oblíquo, o que é considerado inadequado na norma-padrão da língua portuguesa (“Lhe encontrávamos coberto de formigas”). Além disso, a escrita contém neologismos, como em: “Éramos nós que recolhíamos seu corpo dorminhoso” e “Parece que os insetos gostavam do suor docicado do velho Taímo”. 

>> Para aprofundar o conhecimento

1. b

2. a

3. a

4. a

5. e

6. b


VOZES DA LITERATURA II

CAP 2 – Vozes da literatura afro-brasileira

 

EIXO(S) ESTRUTURANTE(S):

Mediação e intervenção sociocultural

Processos criativos

 

HABILIDADE(S) TRABALHADA(S):

EMIFCG04 • EMIFCG06 • EMIFLGG04 • EMIFLGG05 • EMIFLGG08

 


>> Por trás do texto

A temática deste módulo envolve a produção cultural afro-brasileira, produzida por brasileiros que têm ascendência africana e em cujas obras há elementos que retratam os ideais e costumes dos povos daquele continente. Partindo do princípio de que a arte é uma forma de expressão estética e, como tal, de representação de conceitos e valores sociais, observe a pintura ao lado. Em seguida, leia o poema.


Com base na fotografia de abertura e na interpretação do poema de Conceição Evaristo, reflita sobre as seguintes questões:

– Tanto a imagem quanto o poema representam uma voz social coletiva. Que voz seria essa?

– Que olhar a escritora manifesta sobre a própria identidade? Busque no poema informações ou características que justifiquem sua resposta.

– Comente a importância de os brasileiros conhecerem mais a produção artística afro-brasileira.

Neste módulo, você poderá aprofundar seus conhecimentos sobre as vozes literárias que representam a literatura afro-brasileira.

 

>> Para contextualizar

Vozes afro-brasileiras

Quando uma produção artística é considerada afro-brasileira? A necessidade de apontar essa manifestação cultural de modo específico decorre do contexto em que se torna essencial reconhecer as bases africanas sobre as quais o Brasil foi fundado. Na produção afro-brasileira, é fundamental que o ponto de vista negro esteja presente e que seja assumida uma perspectiva que identifique temáticas, visões de mundo, linguagens, autorias e problemáticas que fazem parte da existência dos afro-brasileiros.

Para identificar traços desse discurso, vamos ler e comparar os textos a seguir.

 


Na primeira estrofe, o poeta Solano Trindade manifesta seu orgulho de ser descendente de africanos. Além disso, ele destaca a rica contribuição cultural africana herdada pelo povo brasileiro – a capoeira, o maracatu, o batuque, o samba –, além do desejo de ser livre e corajoso na luta, como foi o líder quilombola Zumbi dos Palmares. Sem ignorar a violência sofrida pelos africanos, que vieram de Luanda (Angola) “como mercadoria de baixo preço”, os versos do escritor pernambucano exaltam a africanidade.

Obras como essa resgatam a importância da ancestralidade e dos laços identitários entre brasileiros e africanos. Ademais, ao evidenciar eventos históricos – como a época da escravidão ou as lutas pela libertação dos escravizados – essa produção se revela instrumento de combate às diversas manifestações do racismo estrutural, ainda marcante em nossa sociedade. Desse espírito de denúncia nasce uma literatura engajada, que passa a explorar seu potencial de sensibilização e conscientização. Observe essa voz que busca por justiça social nos versos do poeta Cuti.

 


Desde o título, os versos criados por Cuti expressam a relação intertextual entre o gênero lírico, representado pelo poema, e gêneros epistolares, cuja função é a troca de mensagens, com o “torpedo” – nome dado a uma mensagem curta enviada pelo celular. O poema simula um diálogo com um “irmão de cor”, por meio do uso do vocativo no início de alguns versos, e critica a discriminação racial que vitima negros no sistema prisional brasileiro:

 irmão, quantos minutos por dia

a tua identidade negra toma sol

nesta prisão de segurança máxima? 

Também podemos observar a relação intergêneros pelo tom de relato de acontecimentos recentes ao longo do poema e o desejo de pronto restabelecimento que o eu lírico cria com seu interlocutor:

 irmão, diz à tua identidade negra

que eu lhe mando um celular

para comunicar seus gemidos

e seguem também

os melhores votos de pleno restabelecimento

e de muita paciência

[...].

 

A relação de intertextualidade também é explicitada nos versos finais: após a despedida – “um grande abraço” –, o poema é assinado por Zumbi dos Palmares.

“Torpedo” é um texto em que percebemos a postura crítica e engajada que marca a literatura de Cuti. Em tom imperativo, ele conclama seu irmão, vítima de um sistema de exclusão e violência social, a resistir e a lutar: 

fica esperto!

e não esquece o dia da rebelião

quando a ilusão deve ir pelos ares.

 



DIÁLOGOS E CONEXÕES

O movimento negro na história

O movimento negro brasileiro surge de forma clandestina durante o período escravagista. O mais conhecido é o liderado por Zumbi dos Palmares, no século XVII. Contudo, após Abolição, em 1888, e tendo como palco os ideais republicanos, são criados vários periódicos que discutem

questões relacionadas à desigualdade social entre os negros e os brancos e as violências sofridas em decorrência do preconceito racial. Essas publicações passaram a ser conhecidas como Imprensa Negra Paulista. Nesse mesmo período, em 1931, foi fundada a Frente Negra Brasileira que existiu até 1937, quando a ditadura do Estado Novo dissolveu as organizações sociais.

A mobilização de jovens negros, em protestos e atos públicos, ganhou projeção nas décadas de 1970 e 1980. Em 1978, de uma manifestação ocorrida no Teatro Municipal de São Paulo, surgiu o Movimento Negro Unificado (MNU). Na mesma época, o movimento negro comemorou o lançamento da série Cadernos Negros, comprometida com a divulgação da literatura produzida por afrodescendentes. O escritor Cuti, um dos intelectuais envolvidos na criação da série, fez de sua escrita um instrumento de conscientização e de registro da própria história. Sobre essa publicação, leia:

 


Mais recentemente, eventos e políticas públicas tornaram-se marcas de uma revisão histórica necessária. Em 1995, a marcha Zumbi contra o racismo, pela cidadania e pela vida reuniu mais de 30 mil pessoas em Brasília. Em 2012, foi promulgada a Lei de Cotas, conhecida também como Lei 12.711, que estabeleceu uma reserva de vagas para estudantes oriundos de escolas públicas, de baixa renda, negros, pardos e indígenas.

Mas a promulgação dessa lei não finalizou a história do movimento negro. Ainda hoje ele se mantém atuante, exigindo o fim do genocídio da população negra e o fim do racismo religioso.

- Faça uma pesquisa sobre políticas públicas afirmativas que visam combater a discriminação, promover a participação dos negros na vida social e o acesso deles à educação, à saúde, ao emprego, dentre outros direitos. Em seguida, escreva um resumo das informações pesquisadas e faça comentários defendendo seu ponto de vista sobre as políticas afirmativas. Ao final, compartilhe sua pesquisa e suas opiniões com os colegas.

Para conhecer a produção literária de Cuti, leia o conto “Carreto”, escrito pelo autor em 1996, e responda às questões que seguem.

 



Analisando o texto

1. O personagem principal é construído a partir de uma imagem paradoxal, contraditória. Explique-a.

2. À situação inicial da narrativa, que mostra as dificuldades vividas no dia a dia por José, opõe-se uma situação de conflito que levará ao clímax e ao desfecho. O conflito é anunciado no trecho “Sem nada para adoçar a vida, põe-se a mastigar planos amargos”. Em um parágrafo, explique essa sequência de acontecimentos.

3. No conto, outros personagens utilizam-se de diversos apelidos para se dirigir ao protagonista. Escreva um comentário sobre o impacto criado por essas expressões linguísticas na preservação de estigmas sociais.

4. Leia os trechos de uma análise sobre o contexto histórico do racismo no Brasil, escrita pelo autor do conto “Carreto”, para responder à questão que o segue.

A luta entre escravizados e escravizadores mudou sua roupagem no biombo do século XIX para o século XX, mas prossegue com suas escaramuças, porque a ideologia de hierarquia das raças continua [...].

Com a democracia jurídica, o esforço para alterar as mentalidades encontrou grande apoio, porém as noções cristalizadas de superioridade racial mantêm-se renitentes, e os argumentos de exclusão racista persistem para impedir a partilha do poder em um país étnica e racialmente plural. E a literatura é poder, poder de convencimento, de alimentar o imaginário, fonte inspiradora do pensamento e da ação. [...]

Certa mordaça em torno da questão racial brasileira vem sendo rasgada por sucessivas gerações, mas sua fibra é forte, tecida nas instâncias do poder, e a literatura é um de seus fios que mais oferece resistência, pois, quando vibra, ainda entoa loas às ilusões de hierarquias congênitas para continuar alimentando, com seu veneno, o imaginário coletivo de todos os que dela se alimentam direta ou indiretamente. A literatura, pois, precisa de forte antídoto contra o racismo nela entranhado. [...]

CUTI, 2010, p. 12-13 apud Literafro. Disponível em: http://www.letras.ufmg.br/literafro/autores/212-cuti. Acesso em: 25 fev. 2023.

Como você avalia “o poder de convencimento” da literatura a partir do conto lido?

>> Para contextualizar

Precursores da literatura negra

A chamada literatura negra, ou afro-brasileira, nasce da busca pelo reconhecimento da cultura africana em território brasileiro e destaca-se pelo comprometimento com as temáticas relacionadas às experiências negras e a maneira de o negro se colocar no mundo e interpretar a vida. Ainda no século XIX, o crescimento dos ideais republicanos e a abolição da escravatura serviram de palco para a inserção de temáticas relacionadas à contribuição das culturas africanas na construção da identidade nacional e à denúncia da desigualdade que afeta, principalmente, a população pobre e negra. Além disso, essa discussão é alimentada pela existência de escritores negros que ganharam relativo prestígio social. Esse é o caso de autores como Machado de Assis (1839-1908) e Cruz e Sousa (1861-1898).

A literatura machadiana nasce em um período ainda escravocrata e assiste aos movimentos libertários que ecoaram no Brasil no século XIX. A escravidão sempre esteve presente na literatura de Machado de Assis como parte do retrato social de seu tempo, sendo um registro das distorções que esse sistema de organização produziu nas relações humanas. Um exemplo disso pode ser encontrado no célebre romance Memórias póstumas de Brás Cubas, no qual é narrado a convivência na infância entre os personagens Prudêncio, escravizado que consegue a liberdade quando mais velho, e Brás Cubas, rico herdeiro de uma família aristocrática e latifundiária. Nas brincadeiras entre os dois, Prudêncio era montado como cavalo por Brás Cubas, de maneira rude e cruel. Anos mais tarde, já sendo um homem livre, é Prudêncio que adquire um escravizado e castiga-o com um vergalhão em público.

 


Já o autor Cruz e Sousa, herdeiro de tendências literárias europeias, foi um dos mais importantes escritores simbolistas brasileiros. Teve a biografia marcada por diversos episódios racistas. De orientação abolicionista e crítico do discurso conservador de seu tempo, refletiu, em parte de sua obra, a indignação diante da desumanidade criada pela relação escravocrata, como podemos observar no trecho a seguir.

Dor negra

E como os Areais eternos

sentissem fome e sentissem sede

de flagelar, devorando com as

suas mil bocas tórridas todas

as rosas da Maldição e do Esquecimento

infinito, lembraram-se, então, simbolicamente

da África!

[...] 

O que canta Réquiem eterno e soluça e ulula, grita e ri risadas bufas e mortais no teu sangue, cálice sinistro dos calvários do teu corpo, é a Miséria humana, acorrentando-te a grilhões e metendo-te ferro em brasa pelo ventre, esmagando-te com o duro coturno egoístico das Civilizações, em nome, no nome falso e mascarado de uma ridícula e rota liberdade, e metendo-te ferro em brasa pela boca e metendo-te ferros em brasa pelos olhos e dançando e saltando macabramente sobre o lodo argiloso dos cemitérios do teu Sonho.

CRUZ E SOUSA, João da. Dor negra. Literafro. Disponível em: http://www.letras.ufmg.br/literafro/

autores/11-textos-dos-autores/1669-cruz-e-sousa-dor-negra.Acesso em: 25 fev. 2023.

 

Considerada a primeira romancista brasileira, a professora e escritora maranhense Maria Firmina dos Reis (1822-1917) tinha presença constante na imprensa local, em que publicou poesia, ficção, crônicas e até enigmas e charadas. É considerada uma das pioneiras da crítica antiescravista na literatura nacional.

O romance romântico Úrsula (1859) é considerado revolucionário para seu tempo: escrito por uma mulher negra, denuncia o tráfico negreiro e focaliza ideais abolicionistas. Confira um trecho dele a seguir.

 


O pré-modernista Lima Barreto (1881-1922) – nascido no subúrbio carioca e no ano da abolição da escravatura –, ao criar personagens humildes e sonhadores que são vítimas de discriminação, denuncia a persistência do preconceito na sociedade brasileira pós-emancipação em uma época na qual a sociedade carioca não demonstrava muito interesse em falar ou ler sobre o assunto.

Triste fim de Policarpo Quaresma é uma de suas obras mais conhecidas. Publicado originalmente em folhetins (capítulos) no Jornal do Comércio do Rio de Janeiro entre agosto e outubro de 1911, foi lançado em livro em 1915. No romance, o funcionário público Policarpo Quaresma, um patriota, como se autodenomina o personagem, incorpora ao seu discurso uma veemente crítica à burocracia e à inoperância do Estado. O protagonista também denuncia o comodismo social que perpetua as desigualdades, como no trecho a seguir.

 


Por insistir na defesa de seus ideais nacionalistas, Quaresma se isola e é taxado de louco. No desfecho da narrativa, o personagem avalia que se empenhou em uma luta vã, que viveu um sacrifício inútil em nome de um bem coletivo, reiterando sua crítica à sociedade brasileira de seu tempo.

 


            Em livros como Diário íntimo e Clara dos Anjos, publicados respectivamente em 1948 e 1953, a voz narrativa focaliza intensamente nas relações étnico-raciais e denuncia atitudes discriminatórias e racistas contra pessoas pobres, negras ou mestiças.

A literatura periférica

Em sua origem, a palavra “periferia” designa aquilo que se encontra em torno de um centro. Nesse sentido, o periférico está próximo das margens, dos limites, ou seja, distante do que é mais conhecido ou aceito. A expressão “literatura periférica” remete à existência de uma prática literária fora dos circuitos convencionais. No Brasil, é difícil determinar com exatidão quando esse movimento começou. Apesar de as discussões estarem em curso, a obra Quarto de despejo: diário de uma favelada, de Carolina Maria de Jesus, publicada em 1960, é considerada uma das primeiras dessa vertente no país.

Entre o final dos anos de 1990 e o início dos anos 2000, o movimento se organizou e atingiu um impacto consistente no cenário cultural nacional. Nessa época, autores periféricos de São Paulo assumem o conceito “literatura marginal” para designar suas produções. A partir disso, muitas editoras independentes têm surgido para dar conta das publicações e alguns autores financiam as próprias obras com pequenas tiragens feitas em gráficas ou se valem das próprias editoras para publicar sua produção e a de outros escritores periféricos.

A seguir, um trecho do diário escrito por Carolina Maria de Jesus, que mantém traços da linguagem original preservados, apesar de ter sido revisado editorialmente. Assim, a informalidade – adequada ao diário, um gênero textual em que alguém escreve para si mesmo – e a presença de desvios à norma-padrão da língua portuguesa ajudam o leitor a se situar no contexto em que a obra foi escrita.

 


Ao retratar o cotidiano de miséria e marginalização das pessoas sujeitas à vida na favela, a voz da autora representa um olhar de quem vive à margem. Além disso, representa a percepção da vida de uma mulher negra, vítima de preconceito e exclusão também por questões de gênero e etnia. O diário revela, então, uma mistura de intimismo e denúncia social, ficção e realidade.

Ao escrever, Carolina entende que seu relato é um diálogo íntimo, que preenche vazios da sua vida pessoal e faz com que reflita sobre sua própria realidade de mulher chefe de família, preocupada em transmitir aos filhos valores diferentes daqueles que o ambiente em que viviam despertavam em seus habitantes. Contudo, a autora tem consciência de que, se publicado, seu testemunho teria repercussão pelo menos na vida da comunidade em que residia (“Eu percebo que se este Diário for publicado vai maguar muita gente”). Ela talvez não imaginasse que sua escrita se tornaria uma importante referência para uma nova literatura que surgia em seu tempo.

 Analisando o texto

1. Apesar de, em alguns trechos, a autora responsabilizar os próprios moradores da favela pelos problemas vivenciados no dia a dia, ela também demonstra ter consciência de que a condição miserável em que vivem é consequência de uma realidade socioeconômica. Explique essa dualidade e justifique sua resposta com exemplos.

2. O diário é um gênero textual marcado pela subjetividade. Quais elementos dos trechos lidos comprovam essa característica?

>>>Para contextualizar

Uma nova geração de escritores

Na história sociocultural brasileira, se, por um lado, o prestígio conquistado por autores e obras sujeitou escritores negros (e indígenas) a uma política de apagamento cultural, por outro, despertou para a importância da reescrita da história por outras vozes sociais, principalmente a partir da segunda metade do século XX.

Ao analisar o surgimento de uma nova geração de escritores afrodescendentes, a professora e pesquisadora Eurídice Figueiredo explica:

 

Nesse contexto, surgiram autores como Jeferson Tenório, com a obra O avesso da pele. O enredo se baseia na história de Pedro, filho de um dedicado professor que foi assassinado em uma abordagem policial. A perda familiar leva o narrador-protagonista a resgatar o passado de sua família: “Talvez eu deseje chegar a algum tipo de verdade”, declara Pedro na introdução do romance. Leia a seguir um trecho dele.

 


O processo de reconstrução do passado é a essência do enredo: ao resgatar diferentes momentos da vida do pai – como a vida profissional, o casamento e outras relações sociais –, o personagem descobre a si mesmo como um sujeito social incrustrado numa história de preconceito e superação. Chega, portanto, ao avesso da pele:

É necessário preservar o avesso, você me disse. Preservar aquilo que ninguém vê. Porque não demora muito e a cor da pele atravessa nosso corpo e determina o nosso modo de estar no mundo.

TENÓRIO, Jeferson. O avesso da pele. São Paulo: Companhia das Letras, 2021. E-pub. 

A literatura de Jeferson Tenório – assim como de outros representantes da nova geração de escritores negros no Brasil, como Conceição Evaristo, Ruth Guimarães, Djamila Ribeiro, Itamar Vieira Júnior, Edimilson de Almeida Pereira e muitos outros – é uma voz a ecoar ideais de uma sociedade que busca compreender a própria identidade cultural e pretende ser justa e igual no direito de se expressar. Para isso, reescreve sua própria história. Sua literatura é sua “escrevivência”, nas palavras de Conceição Evaristo:



 

>>>Da teoria à prática

Organizando um evento cultural

Ao estudar autores e obras representativos da produção cultural afro-brasileira, observamos que essa manifestação foi relegada à marginalidade por motivos históricos. Por isso, convidamos você a desafiar essa realidade, contribuindo para a divulgação de artistas afrodescendentes e, consequentemente, para uma mudança desse quadro atual.

Propomos que a turma organize um recital: um evento em que textos de artistas afro-brasileiros – como poemas, contos, romances, memórias, entre outros – sejam lidos em voz alta. Também sugerimos a pesquisa de textos teatrais, como os criados por Cuti, para serem representados no dia do recital.

O evento pode ser ampliado, com a organização de um sarau cultural, em que pessoas da comunidade escolar e artistas locais sejam convidados a compartilhar as próprias criações literárias, músicas e outras manifestações artísticas, ou que se disponham a representar a voz de artistas afro-brasileiros. Se escolherem o sarau, terão a oportunidade de divulgar outras formas de expressão artística além da literatura, como artes plásticas, dança, música, entre outras.

Sugerimos que a turma realize as quatro etapas a seguir e organize-se em grupos, de modo que diferentes equipes se responsabilizem pelas tarefas que envolvem a organização do evento. É importante que cada um tenha consciência de sua função e a realize com dedicação.

 

Etapa 1

A fase inicial do trabalho consiste na preparação das condições que possibilitarão a realização do evento. Para isso, siga estes passos:

- Como a finalidade do evento é divulgar artistas afro-brasileiros, pesquisem autores e obras que têm projeção nacional e as produzidas localmente.

- Elejam um apresentador (ou apresentadores): além de cumprimentar o público presente, ele deve identificar para a plateia os estudantes ou artistas que se apresentarão.

- Um grupo deverá colher informações para organizar um roteiro a ser usado pelo apresentador (ou apresentadores) no dia do evento. Caso algum artista local ou convidado vá se apresentar, é importante decidir em que momento do recital a performance vai acontecer.

- Outro grupo deve ficar responsável pela infraestrutura necessária, como levantamento de equipamentos e mobiliário, escolha de local, etc. Se possível, gravem as apresentações para registrar o momento e, se todos estiverem de acordo, compartilhem-nas nas redes sociais para que outras pessoas possam apreciar e se envolver com o projeto da turma.

- Os estudantes que forem se apresentar precisam preparar sua leitura. Para treinar a apresentação, devem contar com a direção de um ou mais colegas.

Etapa 2

No dia do evento, os grupos devem assegurar-se de que todos as etapas anteriores foram devidamente executadas antes da abertura. Também é interessante gravá-lo para que possam divulgá-lo e analisá-lo posteriormente.

Etapa 3

Após o evento, em uma roda de conversa, os grupos vão analisar como foi organizar e participar do recital/sarau. Também vão decidir se darão continuidade a ele nos próximos anos, sendo importante, para isso, preservar o material gravado com uma boa edição e salvar em algum site de compartilhamento de arquivos da internet.

Algumas questões podem auxiliar nessa avaliação:

- No geral, o evento foi bem-sucedido ou alguma coisa prejudicou o andamento das apresentações? Explique.

- Quais procedimentos devem ser adotados para que os problemas levantados não ocorram mais?

- Os participantes e o público adotaram uma atitude respeitosa e contribuíram para a realização do evento?

- Foi possível avaliar se o público apreciou o evento? Quais foram os pontos fortes e os pontos fracos na percepção de quem assistiu ao recital/sarau?

- Que aspectos relevantes o trabalho teve para você?

Etapa 4

Caso se tenha optado por divulgar o evento para possibilitar que os alunos do próximo ano tenham contato com a produção realizada pelos grupos, a turma deverá providenciar a edição do vídeo.

- Um grupo deverá baixar os arquivos e editá-los (há programas disponíveis na internet).

- Um estudante ou grupo deve ficar responsável pela divulgação do trabalho, o que pode ser feito em um blog criado pela turma ou no site da escola. Compartilhem o link dele com o professor e os demais colegas da sala.

 

 >> Para aprofundar o conhecimento

1. (Enem)

 


Inscrito na estética romântica da literatura brasileira, o conto descortina aspectos da realidade nacional no século XIX ao a)   revelar a imposição de crenças religiosas a pessoas escravizadas.

b) apontar a hipocrisia do discurso conservador na defesa da escravidão.

c) sugerir práticas de violência física e moral em nome do progresso material.

d) relacionar o declínio da produção agrícola e comercial a questões raciais.

e) ironizar o comportamento dos proprietários de terra na exploração do trabalho.

 

2. (Enem)



A partir da intimação recebida pelo filho de 9 anos, a autora faz uma reflexão em que transparece a

a) lição de vida comunicada pelo tenente.

b) predisposição materna para se emocionar.

c) atividade política marcante da comunidade.

d) resposta irônica ante o discurso da autoridade.

e) necessidade de revelar seus anseios mais íntimos.

 

3. (Enem)

 


A canção Yaô foi composta na década de 1930 por Pixinguinha, em parceria com Gastão Viana, que escreveu a letra. O texto mistura o português com o iorubá, língua usada por africanos escravizados trazidos para o Brasil. Ao fazer uso do iorubá nessa composição, o autor

a) promove uma crítica bem-humorada às religiões afro-brasileiras, destacando diversos orixás.

b) ressalta uma mostra da marca da cultura africana, que se mantém viva na produção musical brasileira.

c) evidencia a superioridade da cultura africana e seu caráter de resistência à dominação do branco.

d) deixa à mostra a separação racial e cultural que caracteriza a constituição do povo brasileiro.

e) expressa os rituais africanos com maior autenticidade, respeitando as referências originais.

 

4. (Unicamp-SP)



a) Nas três linhas iniciais do texto I, a autora estabelece uma relação entre o sujeito da ação e o espaço em que ele se encontra. Mencione e explique dois recursos poéticos que compõem a cena narrativa.

b)   A representação da infância no texto I se aproxima e, ao mesmo tempo, difere daquela que se encontra no texto II. Considerando que o texto I é um excerto do diário de Carolina Maria de Jesus e o texto II é um poema romântico, identifique e explique essa diferença na representação da infância, com base nos períodos literários.

 

5. Para responder às questões que seguem, leia novamente o poema “Vozes-mulheres”, de Conceição Evaristo.

a) Explique o sentido metafórico da expressão “voz” no título do poema.

b) Qual é a relação entre o poema e a militância da autora? Se necessário, leia a biografia de Conceição Evaristo.

c) O poema é estilisticamente marcado pela anáfora e pelo uso metafórico do verbo “ecoar”. Qual efeito de sentido essas figuras de linguagem criam no contexto?

d) O poema é um texto do gênero lírico. Em um parágrafo, comente os recursos líricos presentes em “Vozes-mulheres”.

 

6. O autor do poema a seguir, Edimilson de Almeida Pereira, além de escritor, é professor e pesquisador da cultura afro-brasileira. Na literatura que ele produz, uma temática relevante é o sincretismo cultural. De que modo esse diálogo intercultural se manifesta no poema “São Benedito”?








VOZES DA LITERATURA 2 - respostas

Analisando o texto

1. Apesar da pouca idade, o protagonista, José, é um menino decidido, empenhado em ajudar a curar o irmão Gulinho por meio de seu trabalho numa feira livre do Butantã, em São Paulo. A personalidade de José se constrói como contraditória à medida que representa um garoto com boas intenções, que demonstra estar disposto a preservar valores sociais positivos (o trabalho e a preocupação com a família, por exemplo) em situações diversas da narrativa, mas que, ao se defrontar com uma dificuldade pessoal grave – a doença do irmão –, não vê outra saída que não seja burlar a lei.

2. O conflito sucede quando José percebe que, naquele dia de trabalho, não conseguirá dinheiro suficiente para pagar o medicamento de que o irmão necessita e resolve furtar uma bolsa. Em decorrência disso, foge e é preso, momento em que o problema atinge o clímax. O desfecho da sequência narrativa se dá com o internamento do personagem principal numa fundação de assistência a menores infratores, quando se sente frustrado por não ter ajudado o irmão: “Gulinho chora no fundo de seu peito, lá no cômodo e cozinha da Vila Indiana. Sem o remédio. É preciso protegê-lo, que a mãe só volta de suas faxinas tarde da noite”. Trata-se de um final aberto, que deixa em suspenso os acontecimentos que poderão, ainda, ocorrer em seguida.

3. Expressões linguísticas como demonstração de preconceito: na feira, José é chamado de “macaco” e “tição apagado”; ao ser preso, de “pivete”, “neguinho” e também “Pelezico”, por ser negro e estar com a camisa do Flamengo. É importante reconhecer que essas alcunhas são prova da persistência do racismo na base das relações sociais e demonstram uma forma de exclusão social que se manifesta por meio da linguagem. Assim, ajuda-se a preservar o tratamento desigual e violento com os negros e os mais pobres.

4. Os textos literários, como o conto lido, têm o poder de provocar mudanças de pensamento, sendo importantes instrumentos de conscientização e de combate ao preconceito racial. O texto trabalhado tem a intenção de impulsionar a reflexão e sensibilizar para a realidade dos afrodescendentes no Brasil.

 

Analisando o texto – Quarto de despejo

1. Segundo a autora, há pessoas na favela que têm condutas reprováveis (“Eu queria levantar para pedir-lhe que deixasse o povo durmir. [...] Eles já estavam alcoolizados.A Leila deu o seu shou. E os seus gritos não deixou os visinhos dormir”; “Não gosto de estar entre as mulheres porque é na torneira que elas falam de todos e de tudo.”), algumas das quais favorecem o aumento da delinquência (“São os adultos que contribue para delinquir os menores”). Contudo, em outros

trechos, Carolina mostra-se indignada e revoltada diante da realidade miserável, vivida por ela e por seus vizinhos. Assim, ela manifesta consciência de que a realidade vivida é também fruto da exclusão social, que marginaliza e oprime (“se o Frei Luiz fosse casado e tivesse filhos e ganhasse salário mínimo, aí eu queria ver se o Frei Luiz era humilde. Diz que Deus dá valor só aos que sofrem com resignação. Se o Frei visse os seus filhos comendo gêneros deteriorados, comidos pelos corvos e ratos, havia de revoltar-se, porque a revolta surge das agruras”). Expondo essa dualidade, a escritora desvela tanto o caráter do ser humano, capaz de coisas boas e más, quanto o impacto das condições sociais na vida social e íntima das pessoas.

2. O relato emprega a primeira pessoa do singular e aborda experiências pessoais da autora baseadas em vivências reais como catadora de lixo em uma favela. Carolina Maria de Jesus é, muitas vezes, o sujeito e o objeto do relato. As páginas do diário são o testemunho da autora: ao registrar o dia a dia, ela faz reflexões sobre problemas sociais e existenciais, manifestando seus sentimentos e pensamentos diante dos fatos ocorridos na rotina dos moradores da Favela do Canindé. Como o diário é, inicialmente, um relato em que o interlocutor é o próprio autor, o registro é informal. Outra característica do gênero é o uso do pretérito perfeito como o tempo verbal predominante.

 

 

>> Para aprofundar o conhecimento

1. b

2. d

3. b

4.

a) A autora registra sua caminhada pela rua e se comove ao contemplar a paisagem, sentindo-se “extasiada”. Dessa forma, demonstra sua relação afetiva com o espaço, marcada pela linguagem lírica, intimista. No texto, utiliza recursos sonoros, como rima (anil e Brasil) e prosopopeia (as folhas aplaudem).

b)   No poema do romântico Casemiro de Abreu, a infância é representada com uma imagem positiva da fase inicial da vida, um estado de inocência e pureza, o que corresponde à idealização característica da estética romântica. No diário de Carolina Maria de Jesus, a abordagem da infância difere da visão idealizada, pois está vinculada à vida miserável na favela. No diário, a infância remete à imagem de sobrevivência em ambiente em que as crianças estão expostas à violência.

5.

a) A metáfora simboliza “dar voz a”. A ideia de “dar voz” a alguém representa dar chance a esse alguém de se manifestar, se expressar.

b) Desde o título, a autora manifesta a intenção de representar a voz feminina e negra por meio do poema.

c) A repetição anafórica não só dá ênfase à ideia de que se busca representar diferentes vozes como estabelece uma sequência, organizando a apresentação das relações familiares: bisavó, mãe, o eu lírico e a filha. O uso metafórico do verbo “ecoar” também reforça o sentido das repetições. A metáfora faz com que a referência às relações familiares – ainda que modificadas – preservem informações que atrelam um elemento a outro no poema: a voz da filha se conecta às vozes ancestrais, pois estas ainda ecoam naquela. Acusticamente, o eco é uma reflexão do som que, por seu processo físico, chega mais tardiamente ao ouvinte do que o som direto. Desse modo, a história de vida ancestral das mulheres que se apresentam no poema está refletida na vida de todas elas e daquelas que ainda vêm.

d) Uma das principais características de textos líricos é a subjetividade. Nos versos, o eu lírico representa a mulher negra que sofre violências desde sua origem no Brasil, seja pelo histórico escravocrata – na época –, seja pela desigualdade social, presente até os dias atuais. Esse sujeito poético tanto manifesta sua angústia diante de uma história de injustiça quanto expressa um sentimento de esperança em relação ao futuro. O poema também apresenta forte apelo para a musicalidade e para a linguagem metafórica. Apesar de não haver métrica ou rima, os versos são curtos e a repetição anafórica dita o ritmo do texto.

6. Apesar de ter origem na cultura europeia, na tradição popular brasileira, São Benedito é considerado protetor dos negros e das atividades culinárias. Ao trazer a temática para poesia, o poeta promove a valorização de uma cultura sincrética, em que tradições europeias e africanas dialogam.


DEPOIS DAS DIGITAIS E DOS OLHOS, SUA PEGADA DIRÁ QUEM É VOCÊ

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