CAP 1 – Vozes da literatura africana de língua portuguesa
EIXO(S)
ESTRUTURANTE(S):
Processos
criativos
Investigação
científica
HABILIDADE(S)
TRABALHADA(S):
EMIFCG01
• EMIFCG02 • EMIFCG04 • EMIFLGG02 • EMIFLGG04 • EMIFLGG05
>> Por trás do texto
Observe a fotografia e leia a legenda que a
acompanha.
O Padrão
dos Descobrimentos – escultura também conhecida como Monumento aos
Descobrimentos ou Monumento aos Navegantes – localiza-se em Lisboa, Portugal.
Está às margens do rio Tejo, de onde muitas embarcações partiram nos séculos XV
e XVI.
A obra arquitetônica tem a forma de uma
caravela e exibe os brasões que representavam a coroa portuguesa na época. Na
proa da caravela, destaca-se a figura do infante dom Henrique, rei de Portugal que
impulsionou a expansão ultramarina. Nas laterais, 32 esculturas representam
figuras históricas importantes, como o poeta Luís Vaz de Camões – que cantou em
versos épicos as navegações portuguesas –, o rei dom Afonso V e navegadores,
como Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral, Fernão de Magalhães, Nicolau Coelho,
dentre outros.
Com base nas informações apresentadas, pense
sobre as seguintes questões:
– Qual sentimento parece ter movido os
portugueses ao criarem o monumento?
– Que mensagem é transmitida para eles e para
os turistas que visitam o monumento sobre esse período da história do país?
– Qual a importância das figuras
representadas no monumento para seu povo?
Para
ampliar as reflexões sobre o momento histórico e o contexto em que se situam as
literaturas africanas de língua portuguesa, que são tema deste módulo, leia o
poema escrito pelo poeta português Fernando Pessoa.
Para além de Portugal, a imagem e o poema
também representam um período histórico marcante tanto para as nações
africanas, quanto para o Brasil. Assim, reflita sobre as seguintes questões:
– Qual ideia comum é possível identificar
entre os versos de Fernando Pessoa e o Monumento aos Descobrimentos?
– Compare e comente: o que a época das
chamadas Grandes Navegações representou para portugueses, africanos e
brasileiros? E quais contribuições a interação entre esses países trouxe para a
história e para a cultura desses povos?
– De que modo esse período histórico pode ter
exercido influência na produção literária das nações africanas?
– Liste as obras de autores africanos que
você conhece e pesquise a nacionalidade de cada um deles.
Neste
módulo, você poderá ler e aprofundar seus conhecimentos sobre as influências
portuguesas e brasileiras na formação da literatura africana e as principais
vozes literárias dos países desse continente.
>> Para
contextualizar
Vozes da literatura
O que representa a metáfora “vozes da
literatura”?
Etimologicamente, a palavra voz – do latim vox, vocis – vem sendo usada para designar o som produzido pela
vibração das cordas vocais. A palavra remete, portanto, a uma condição física:
à capacidade de falar, de emitir som.
Metaforicamente, ter voz relaciona-se ao direito
de se expressar e de defender um ponto de vista ou jeito de ser. A voz,
portanto, simboliza a própria identidade.
Quando tratamos da literatura africana de
língua portuguesa, fazemos referência às produções literárias originadas em nações
colonizadas por Portugal e que hoje constituem um grupo de cooperação regional
conhecido como África Lusófona ou PALOP – Países Africanos de Língua Oficial
Portuguesa. Entendemos que a literatura é um meio de expressão artística,
estética e cultural; nesse caso, portanto, é um instrumento de representação e
manifestação das vozes africanas.
É importante observar que não há uma única
literatura africana, continental, mas literaturas nacionais, produzidas nos
países africanos de língua portuguesa. Por isso, precisamos pensar na
delimitação do território em que essas produções culturais aparecem, em seus
países de origem, suas particularidades e identidades. Assim, para além de
serem literaturas africanas de língua portuguesa, elas são angolanas, moçambicanas,
cabo-verdianas, etc.
Da literatura
colonial à literatura contemporânea
As obras literárias africanas de língua
portuguesa são relativamente recentes, pois encontraram meios de produção e
difusão há pouco mais de um século, quando os países africanos passaram a
conquistar sua independência, por volta da década de 1970.
Antes disso, na época da chamada literatura colonial,
reproduzia-se uma imagem de África muitas vezes evocada até os dias atuais: um
espaço com paisagens e culturas exóticas, situadas em um continente selvagem
que o colonizador europeu teria ajudado a civilizar. Conquistada a independência,
as nações africanas buscaram meios de reafirmar sua identidade e as
particularidades de seu povo por meio da literatura.
Por essa razão, é importante refletir sobre o
caminho percorrido entre as produções coloniais e as contemporâneas, observando
o processo de transformação ocorrido ao longo do século XX.
Para isso, leia os poemas a seguir. O
primeiro foi escrito pelo jornalista e poeta cabo-verdiano Pedro Cardoso
(1890-1942), que usava o pseudônimo “Afro” em suas publicações; o segundo, pela
poeta angolana Alda Lara (1930-1962). Durante a leitura, busque observar a
visão de mundo expressa pelo sujeito poético em cada texto.
No texto I, publicado nas primeiras décadas
do século XX, destacam-se influências de uma literatura europeia e que reproduz
o modelo formal da poesia parnasiana. Isso fica evidente ao observarmos a organização
do texto: o uso de versos decassílabos, rimas regulares e vocabulário erudito,
em que o eu lírico descreve a beleza e a grandiosidade de sua pátria,
comparando-a ao Olimpo (na mitologia grega, um monte habitado por deuses).
Outro elemento revelador da visão eurocêntrica é a referência ao deus mitológico
Apolo, assim como aos escritores Camões (português) e Dante Alighieri
(italiano). Nos versos, Pedro Cardoso retrata a grandiosidade de sua pátria –
criada por Deus para ser “altiva e forte, generosa e brava” –, demonstrando
apreço aos modelos literários estrangeiros.
Contudo, uma ruptura com essa visão
idealizada pode ser observada no poema de Alda Lara, publicado posteriormente,
em 1948. Nos versos, sem métrica ou rimas regulares, o eu lírico descreve as
belezas naturais das noites africanas, cenário de cantos, batucadas e
mistérios. Do poema, emerge uma imagem da vida colonial: as noites eram
“povoadas das histórias de feiticeiros/que as amas-secas pretas/contavam aos
meninos brancos”. Segundo o eu lírico, as noites se tornaram tristes quando os
“meninos brancos” esqueceram as histórias contadas em sua infância e
desprezaram suas heranças culturais.
Esses são apenas dois exemplos do processo de
evolução das literaturas africanas ainda no período colonial. Interessante
observar que os dois poetas citados têm origens em países diferentes – Cabo
Verde e Angola, respectivamente –, mas se referem à África como se fosse uma
única nação, representada, sobretudo, por uma paisagem grandiosa e bela. O
segundo poema, entretanto, revela maior preocupação em destacar traços de
africanidade, identitários, manifestando um olhar crítico das relações de poder
que constituíram a história do continente africano.
A partir da segunda metade do século XX, com
o fortalecimento de movimentos revolucionários que lutavam pela emancipação das
nações africanas, as produções literárias passam a se configurar como um espaço
de valorização das identidades nacionais e de contestação. Veiculando discursos
de resistência e protesto, a literatura foi instrumento de conscientização
política e mobilização popular.
A seguir, leia o poema “Lição”, escrito pela
moçambicana Noémia de Sousa. Observe a voz que assume o discurso de denúncia
das desigualdades e violências a que os negros eram submetidos.
Ao lado de movimentos libertários, as
literaturas africanas de língua portuguesa exploraram seu potencial como
instrumento de sensibilização e conscientização, encorajando a participação da
população em manifestações que buscavam provocar mudanças sociais radicais em
seus países.
Veja, a seguir, um exemplo dessa literatura
engajada no poema “Depressa”, do poeta angolano Agostinho Neto.
O poema de Agostinho Neto é um exemplo do
comprometimento das literaturas nacionais africanas com a escrita de sua
própria história e com a luta pela libertação do domínio colonial português.
Antes da independência, as produções literárias tinham como modelo movimentos
artísticos europeus, o que ajudou a perpetuar o modelo eurocêntrico e o
conflito com a referências culturais nativas. Após a ruptura com o regime
colonial, surgem movimentos literários e publicações que marcam o nascimento de
literaturas nacionais.
Analisando o texto
1. Leia a introdução do romance Mayombe (1980), do escritor angolano
Pepetela. No romance, o autor registra as lutas ocorridas entre guerrilheiros
angolanos e as tropas portuguesas durante a Guerra de Independência de Angola,
que durou de 1961 a 1974. A região conhecida como Mayombe é uma floresta
africana que inclui territórios de vários países, entre eles Angola e Congo.
CAPÍTULO I - A Missão
O rio Lombe brilhava na vegetação densa.
Vinte vezes o tinham atravessado. Teoria, o professor, tinha escorregado numa
pedra e esfolara profundamente o joelho. O Comandante dissera a Teoria para
voltar à Base, acompanhado de um guerrilheiro. O professor, fazendo uma careta,
respondera:
– Somos dezasseis. Ficaremos catorze.
Matemática simples que resolvera a questão:
era difícil conseguir-se um efetivo suficiente. De mau grado, o Comandante deu
ordem de avançar. Vinha por vezes juntar-se a Teoria, que caminhava em penúltima
posição, para saber como se sentia. O professor escondia o sofrimento. E sorria
sem ânimo.
À hora de acampar, alguns combatentes foram
procurar lenha seca, enquanto o Comando se reunia. Pangu-Akitina, o enfermeiro,
aplicou um penso no ferimento do professor. O joelho estava muito inchado e só
com grande esforço ele podia avançar.
Aos grupos de quatro, prepararam o jantar:
arroz com corned-beef. Terminaram a
refeição às seis da tarde, quando já o Sol desaparecera e a noite cobrira o
Mayombe. As árvores enormes, das quais pendiam cipós grossos como cabos,
dançavam em sombras com os movimentos das chamas. Só o fumo podia libertar-se
do Mayombe e subir, por entre as folhas e as lianas, dispersando-se rapidamente
no alto, como água precipitada por cascata estreita que se espalha num lago.
Eu, O
Narrador, Sou Teoria.
Nasci
na Gabela, na terra do café. Da terra recebi a cor escura de café, vinda da
mãe, misturada
ao branco defunto do
meu pai, comerciante português. Trago em mim o inconciliável e é este o meu
motor. Num Universo
de sim ou não, branco ou negro, eu represento o talvez. Talvez é não, para quem
quer ouvir sim e significa sim para quem espera ouvir não. A culpa será minha
se os homens exigem a pureza e recusam as combinações? Sou eu que devo
tornar-me em sim ou em não? Ou são os homens que devem aceitar o talvez? Face a
este problema capital, as pessoas dividem-se aos meus olhos em dois grupos: os
maniqueístas e os outros. É bom esclarecer que raros são os outros, o Mundo é geralmente
maniqueísta.
O Comissário Político, alto e magro como
Teoria, acercou-se dele.
– O Comando pensa que deves voltar ou
esperar-nos aqui. Dentro de três dias estaremos de volta. Ficará alguém
contigo. Ou podes tentar regressar à Base aos poucos. Depende do teu estado.
O professor respondeu sem hesitar:
– Acho que é um erro. Posso ainda andar.
Temos pouca gente, dois guerrilheiros a menos fazem uma diferença grande. O
plano irá por água abaixo.
[...]
Eu, O
Narrador, Sou Teoria.
Os meus
conhecimentos levaram-me a ser nomeado professor da Base. Ao mesmo tempo, sou
instrutor político, ajudando o Comissário. A minha vida na Base é preenchida
pelas aulas e pelas guardas. Por vezes, raramente, uma ação. Desde que estamos
no interior, a atividade é maior. Não atividade de guerra, mas de patrulha e
reconhecimento. Ofereço-me sempre para as missões, mesmo contra a opinião do
Comando: poderia recusar? Imediatamente se lembrariam de que não sou igual aos
outros.
Uma vez
quis evitar ir em reconhecimento: tivera um pressentimento trágico. Havia tão
poucos na Base que o meu silêncio seria logo notado. Ofereci-me. É a alienação
total. Os outros podem esquivar-se, podem argumentar quando são escolhidos.
Como o poderei fazer, eu que trago em mim o pecado original do pai-branco?
Lutamos não estava de acordo com a proposta
do chefe de grupo Verdade. Mal o Comandante surgiu, Lutamos disse:
– Camarada Comandante, o camarada Verdade
acha que devíamos apanhar os trabalhadores da exploração e fuzilá-los, porque
trabalham para os colonialistas. Diz que é isso o que se decidiu fazer.
O Comandante sentou-se e meteu a colher na
tampa da gamela, sem responder. O Comissário encostou-se a uma árvore, comendo,
observando o grupo.
– Deixa lá, pá! – disse Muatiânvua. – Esses
trabalhadores são cabindas, é por isso que te chateias. Mas são mesmo
traidores, nem que fossem lundas ou kimbundos...
– Como é? – disse Lutamos, nervoso. – E os
trabalhadores da Diamang? E os da Cotonang? São traidores? Têm de trabalhar
para o colonialista...
– São, sim, pá – disse Muatiânvua. – Depois
de tanto tempo de guerra, quem não está do nosso lado é contra nós. Estes aqui
estão mesmo perto do Congo. Talvez mesmo que ouvem a nossa rádio. Veem que há
exploração. Então por que não se juntam a nós? Deixa! É só varrer, pá!
[...]
PEPETELA. Mayombe. São Paulo: Grupo Leya Brasil, 2013. p. 2-6; 10-11. E-pub.
a)
No trecho, podemos observar o caráter documental do texto, que está presente,
principalmente, na descrição do cenário em que a ação acontece e no
detalhamento da rotina dos guerrilheiros. Essa característica, contudo, difere
do modo como os personagens foram nomeados: Teoria, Comissário Político,
Comandante Sem Medo, Lutamos, Verdade, etc. Que efeito de sentido isso provoca?
b) O romance tem foco narrativo na terceira
pessoa, mas apresenta vários trechos narrados em primeira pessoa, como se pode
observar nos trechos escritos em itálico e em que Teoria fala de si mesmo.
Releia esses trechos e explique o conflito pessoal que o personagem representa.
Comprove sua resposta com citações do texto.
>> Para
contextualizar
Linguagem literária e
identidades
Um dos elementos que efetivamente
representaram o espírito de ruptura das literaturas pós-coloniais e a intenção
de preservar a identidade nacional foi a preocupação em absorver traços de
oralidade na escrita literária. A tradição oral é marca essencial das culturas
nativas, mas foi desprezada no período colonial.
A incorporação de elementos da linguagem
coloquial oral, a utilização de expressões dos diversos dialetos locais e a
ruptura com a sintaxe da língua oficial ajudaram a distanciar as produções
literárias emergentes das heranças coloniais e a dar visibilidade a uma
literatura original, peculiar, única. A valorização da oralidade, assim, tornou-se
instrumento de afirmação de uma cultura milenar, que ajudou a preservar as
memórias, o passado e as tradições.
Leia, a seguir, um trecho do conto “Muadiê
Gil, o Sobral e o barril”, do angolano José Luandino Vieira. O autor usa o
falar crioulo, o que aproxima a
narrativa da tradição oral e imprime maior realismo aos personagens.
O crioulo é a língua falada por determinada comunidade culturalmente diversificada que perdeu laços linguísticos com as línguas originais de seus antepassados. Para estabelecer comunicação, essa comunidade cria um sistema linguístico mais rudimentar. Durante a colonização portuguesa na África, o crioulo surgiu, por exemplo, entre escravizados de origens diversas, para que se comunicassem entre si ou com os colonos portugueses.
Em Velhas
estórias, por mais que algumas expressões sejam desconhecidas do leitor, é
possível observar a intenção do autor de criar uma narrativa que remeta à
tradição oral, tanto pela linguagem, quanto pelo ritmo, que aproxima o narrador
de um contador de histórias.
Para ampliar as reflexões sobre a relação
entre tradição oral e construção de identidades africanas, leia agora um trecho
de entrevista dada pelo escritor moçambicano Mia Couto.
DIÁLOGOS E CONEXÕES
O
Modernismo brasileiro (1922) e as literaturas africanas de língua portuguesa
Laços históricos aproximam o Brasil e países
do continente africano. A começar pelo processo colonizatório: além da
dominação portuguesa em comum – que formou a chamada África Portuguesa a partir
dos séculos XV e XVI (territórios que hoje correspondem a países como Guiné-Bissau,
Angola, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Moçambique) –, o regime escravocrata
trouxe para o Brasil, aproximadamente, 4,8 milhões de africanos escravizados
durante três séculos de tráfico.
Esse vínculo histórico, além de representar
uma memória de injustiças sociais, ajudou a forjar um amplo patrimônio cultural
entre africanos e brasileiros. Além disso, a ruptura com os modelos artísticos
europeus, idealizada principalmente a partir da Semana de Arte Moderna ocorrida
em São Paulo em 1922, e a valorização do passado histórico como instrumento de
compreensão do presente encontraram eco nas literaturas africanas
pós-coloniais, que também buscavam se distanciar das tradições impostas pelo
colonizador português e compreender a própria identidade.
O poema “Canção para Milton Nascimento”, do
escritor angolano João Melo, é um exemplo da valorização do intercâmbio
cultural entre o Brasil e as nações africanas:
Tanto a produção artística brasileira do
início do século XX quanto os movimentos literários africanos que nasceram ao
lado da luta pela emancipação de países como Moçambique, Angola e Cabo Verde,
ao reescreverem e retificarem o passado, buscaram denunciar as distorções e
mistificações herdadas dos colonizadores.
No Brasil, fazer uma releitura da história
por meio da literatura encontra ecos, por exemplo, no Manifesto Pau-Brasil, escrito
em 1924 pelo modernista Oswald de Andrade. Para os modernistas, as produções
artísticas devem “ver com olhos livres”, rompendo com os academicismos que até
então vigoravam na arte nacional. E para recontar a história nacional e redescobrir
o Brasil, os artistas se propuseram a olhar o passado e o presente, as tradições
e a modernidade.
Leia, a seguir, um
trecho do manifesto.
[...]
Nenhuma fórmula para a contemporânea
expressão do mundo. Ver com olhos livres.
Temos a base dupla e presente – a floresta e
a escola. A raça crédula e dualista e a geometria, a álgebra e a química logo
depois da mamadeira e do chá de erva-doce. Um misto de “dorme nenê que o bicho
vem pegá” e de equações.
Uma visão que bata nos cilindros dos moinhos,
nas turbinas elétricas, nas usinas produtoras, nas questões cambiais, sem
perder de vista o Museu Nacional. Pau-Brasil.
[...]
ANDRADE, Oswald de. O manifesto
antropófago. In: TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda
europeia e modernismo brasileiro: apresentação e crítica dos principais
manifestos vanguardistas. 3. ed. Petrópolis: Vozes; Brasília: INL, 1976.
Disponível em:
https://www.ufrgs.br/cdrom/oandrade/oandrade.pdf.
Os escritores africanos também se alimentaram
do passado para transformá-lo. Um exemplo é o famoso romance Terra sonâmbula, de Mia Couto. Na
história, o velho Tuahir e o jovem Muidinga, que fugiam da Guerra Civil
(1977-1992), ao se esconderem em um machimbombo (ônibus) queimado, encontram,
ao lado de um dos corpos carbonizados, uma mala, em que há cadernos com
registros da história de Kindzu. Ao ler as anotações em voz alta para o companheiro
– que não sabia ler –, Muidinga dá voz a relatos dos quais emerge a cultura
moçambicana, com suas histórias fantásticas e tradições.
O diálogo entre a literatura brasileira e as
que buscam se projetar por meio dos movimentos revolucionários africanos ocorre
num cenário em que as nações vivem um processo de reconhecimento da própria
identidade. Assim, ficção e realidade caminham juntas. Além disso, essas
literaturas buscam enfrentar as duras realidades de preconceito e desigualdade social
oriunda do colonialismo, o que as aproxima ainda mais.
Para ampliar as reflexões sobre essas trocas
culturais, faça as atividades a seguir.
1.
Com base no trecho do romance Terra
sonâmbula lido anteriormente, responda ao que se pede.
a)
Qual o ponto de vista manifestado pelo narrador sobre o valor da tradição oral
para a vida de sua comunidade?
b)
No Manifesto Pau-Brasil (1925), o
modernista Oswald de Andrade define características pretendidas para a
linguagem literária: “A língua sem arcaísmo. Sem erudição. Natural e neológica.
A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos”. De que
modo a escrita de Mia Couto se aproxima desse pensamento?
2. Faça uma breve pesquisa sobre a relação entre arte e identidade. Você pode se basear nas seguintes questões: De que modo as produções artísticas revelam os valores pessoais e sociais de um artista? A arte é capaz de enriquecer nossa visão de mundo, sensibilizando-nos para a realidade do outro? Para escrever sobre o tema, estude a produção de um artista ou uma obra específica, como uma tela de pintura ou uma letra de música. Sugestão: escolha um artista da sua cidade ou de que gosta. Busque conhecer a biografia desse artista, leia entrevistas dadas por ele. Além de escrever um resumo das informações pesquisadas, faça comentários, defendendo seu ponto de vista.
>>>Da teoria
à prática
Vamos desenvolver um podcast?
Neste módulo, as reflexões sobre o processo
de formação das literaturas africanas foram contextualizadas por um período
histórico específico: o colonialismo imperialista português. Por meio de muitas
vozes literárias, também percebemos que não se pode tratar a produção cultural
dos países africanos como se falássemos de uma única nação africana.
Para ampliar a discussão e preparar o
encerramento das atividades deste módulo, leia a notícia a seguir.
O depoimento do escritor Mia Couto representa
mais uma voz que demonstra o quanto não há uma única versão para qualquer
história. Então, que tal ampliar a discussão sobre a importância de conhecer diferentes
pontos de vista sobre os mais diversos temas, evitando “o perigo de uma
história única”?
Etapa 1
Em
grupos, discutam o texto a seguir, um trecho do TED Talk O perigo de uma história única, em que a escritora Chimamanda
Adichie analisa, com base nas próprias vivências como mulher nigeriana, o problema
de ter acesso a apenas uma versão de qualquer fato. Se possível, assistam ao
vídeo completo antes desse primeiro encontro.
Etapa 2
Façam anotações, destacando pontos da
argumentação de Adichie que vocês consideram interessantes. Em seguida,
conversem sobre “o perigo de uma história única”. Nessa discussão, levantem
exemplos do cotidiano, sejam da vida pessoal, sejam da vida social, de versões
unilaterais transmitidas sobre determinados fatos. Busquem se lembrar, também,
de publicações que tentam manipular opiniões e impor uma informação que pode
ser falsa.
Em seguida, individualmente, amplie a
pesquisa sobre os fatos levantados anteriormente. Leve os dados pesquisados
para uma nova reunião em grupo e compartilhe com os colegas. Escrevam uma
síntese do que foi discutido e elejam um representante do grupo para participar
da próxima etapa do trabalho.
Etapa 3
Agora,
queremos ouvir a sua voz: a turma organizará um podcast sobre o risco de
conhecer uma única versão de fatos e histórias. Pode ser interessante
delimitar esse tema com base no que foi pesquisado pelos grupos e definir um
título para o trabalho.
Como
se trata de uma produção que demanda diversas tarefas, sugerimos que elas sejam
divididas entre os colegas do grupo, de modo que cada um se responsabilize por
uma parte. Por exemplo:
– É necessário utilizar equipamentos
adequados para a gravação, assim como estudar recursos diversos que poderão ser
usados (como edição de áudio) e as ferramentas necessárias para isso. É
importante, também, definir um lugar adequado para a realização da gravação.
– Os representantes dos grupos de trabalho
eleitos anteriormente precisam preparar suas falas; para isso, devem contar com
alguns colegas, seja para ampliar a pesquisa (caso considerem necessário), seja
para treinar a apresentação.
– Seria interessante convidar um ou mais
professores de outras áreas do conhecimento para fazerem parte do projeto.
Pensem em alguém que possa ter mais familiaridade com o tema. Um integrante do
grupo ficará responsável pelo convite. Para isso, ele deve saber explicar com
clareza a discussão que será apresentada no podcast.
– É fundamental escrever um roteiro com as
perguntas a serem feitas e os pontos a serem destacados na conversa. Lembrem-se
de que o roteiro é apenas um guia para elencar pontos importantes. Durante a
discussão, novas perguntas podem surgir, assim como novos aspectos a serem abordados.
Estejam preparados também para improvisar!
O grupo responsável pelo roteiro deve
escrever uma pequena apresentação dos debatedores. Deve, também, estabelecer um
tempo para apresentação da fala de cada participante. O ideal é que o áudio
final tenha entre 15 e 20 minutos.
Etapa 4
Terminada a gravação, salvem o áudio em um
computador e ouçam-no, para avaliar a qualidade da gravação e, sobretudo, da
discussão. Caso seja necessário editar, utilizem um programa disponível na internet.
Um estudante do grupo deve ficar responsável pela publicação do podcast, que pode ser feita em um blog da turma ou em uma plataforma de podcasts. Após o lançamento,
compartilhem o link dele com seus amigos, familiares e toda a comunidade
escolar por meio das redes sociais.
>> Para aprofundar o conhecimento
1.
(UFT-TO)
Leia
o fragmento de Ventos do apocalipse,
da escritora moçambicana Paulina Chiziane, e observe a reprodução da pintura Retirantes, de Candido Portinari, para
responder à questão.
Cessaram os choros. O terror cedeu o lugar à
passividade e o povo deixa-se conduzir. (...) A partida tem sabor a areia solta,
a sede, a poeira seca, o Sol é demasiado forte e o calor destila. Caminham. Os corpos
vivos marcham como sepulcros, como duendes, como sombras mortas. Arrastam
consigo todos os haveres que lhes restam, para o novo mundo, para o recomeço da
vida ou para o prolongamento da agonia. Os pés descalços galgam o chão duro. O
dorso da terra é seco, quente e áspero. (...)
CHIZIANE, Paulina. Ventos do Apocalipse. Lisboa: Editorial
Caminho, 1999. p. 147-148.
Fonte: PORTINARI, Candido. Retirantes.
Disponível em: http://www.portinari.org.br/
#/acervo/obra/2733/detalhes. Acesso
em: 18/03/2020.
Em
relação ao fragmento e à pintura, assinale a alternativa INCORRETA.
a)
Mostram a situação de miséria e de sofrimento de retirantes.
b)
Enaltecem o comportamento esperançoso de retirantes.
c)
Apresentam características físicas dos retirantes em seus deslocamentos.
d)
Expressam as adversidades espaciais no deslocamento de retirantes.
2. (ENEM)
A vida às vezes é como um jogo brincado na
rua: estamos no último minuto de uma brincadeira bem quente e não sabemos que a
qualquer momento pode chegar um mais velho a avisar que a brincadeira já acabou
e está na hora de jantar. A vida afinal acontece muito de repente — nunca ninguém
nos avisou que aquele era mesmo o último Carnaval da Vitória. O Carnaval também
chegava sempre de repente. Nós, as crianças, vivíamos num tempo fora do tempo,
sem nunca sabermos dos calendários de verdade. [...] O “dia da véspera do
Carnaval”, como dizia a avó Nhé, era dia de confusão com roupas e pinturas a
serem preparadas, sonhadas e inventadas. Mas quando acontecia era um dia
rápido, porque os dias mágicos passam depressa deixando marcas fundas na nossa
memória, que alguns chamam também de coração.
ONDJAKI. Os da minha rua. Rio de
Janeiro: Língua Geral, 2007. Disponível em: www.vidasimples.uol.com.br
(adaptado).
As
significações afetivas engendradas no fragmento pressupõem o reconhecimento da
a)
perspectiva infantil assumida pela voz narrativa.
b)
suspensão da linearidade temporal da narração.
c)
tentativa de materializar lembranças da infância.
d)
incidência da memória sobre as imagens narradas.
e)
alternância entre impressões subjetivas e relatos factuais.
Responda às questões 3 e 4 a partir da leitura dos textos a seguir, exemplares da literatura africana em Língua Portuguesa.
3.
(PUC-MG)
Considerando
a relação entre os poemas e o contexto histórico-social de sua produção, é
possível perceber:
a)
um discurso de resistência e de combate à opressão.
b)
uma abordagem nostálgica do passado.
c)
um distanciamento dos poetas em relação aos problemas sociais.
d)
manifestações poéticas contra o preconceito racial.
4.
(PUC-MG)
Tendo
em vista o modo como recobram a herança do colonialismo português, os poemas
sugerem uma relação com Portugal pautada por sentimentos de:
a)
revolta.
b)
impotência.
c)
gratidão.
d)
amizade.
Leia
o poema a seguir para resolver as questões 5 e 6.
5.
(FITS-PE)
Sobre
esses versos de Mia Couto, a única informação sem comprovação no texto é a que afirma que o eu lírico
a)
revela que sua identidade depende do seu reconhecimento no outro.
b)
se encontra em conflito, demonstrando-se instável e inseguro diante dos fatos.
c)
explicita sua estranheza ante uma realidade que se configura diferente da
anterior.
d)
mostra que o passado e o futuro se alternam na construção identitária de um
povo.
e)
acredita que lutar contra os acontecimentos é perder a chance de reorganizar um
porvir melhor.
6.
(FITS-PE)
Em
sua composição, o texto apresenta
a)
gradação na apresentação das imagens.
b)
uso de recursos metafóricos e antitéticos.
c)
linguagem subjetiva, expressiva e imprecisa.
d)
utilização do código como tema da mensagem.
e)
emprego de verbos apenas no presente do indicativo.
Analisando
o texto
1. a) O autor cria personagens tipo, por meio dos quais representa a hierarquia entre os guerrilheiros, assim como os diferentes perfis pessoais. Esse recurso também faz com que a característica documental do texto ceda espaço para a linguagem literária, possibilitando que o leitor associe a realidade à ficção.
b) Teoria é filho de uma mulher africana com um europeu, por isso é mestiço. Por causa disso, o personagem é discriminado, revelando certa crise de identidade. Um trecho que exemplifica essa questão é: “Num Universo de sim ou não, branco ou negro, eu represento o talvez. Talvez é não para quem quer ouvir sim e significa sim para quem espera ouvir não. A culpa será minha se os homens exigem a pureza e recusam as combinações?”. Além disso, está no movimento de guerrilha como professor, ou seja, participa das ações, mas tem como principal função dar aulas para os guerrilheiros (além de preparar os homens para lutar, o grupo tem que dedicar tempo ao estudo; a politização e conscientização dos guerrilheiros também fazem parte do movimento de guerrilha, conforme é narrado no romance). Dessa forma, por ser intelectualizado, sente-se diferente dos demais.
Terra sonâmbula
a) O
narrador destaca a importância da transmissão oral, como no trecho: “E assim
seguia nossa criancice, tempos afora. Nesses anos ainda tudo tinha sentido: a
razão deste mundo estava num outro mundo inexplicável. Os mais velhos faziam a
ponte entre esses dois mundos”. As histórias contadas pelos adultos são a
primeira informação sobre a realidade em que viviam e a referência a valores e
tradições transmitidos por elas.
b) É possível identificar, no trecho lido, a preocupação em aproximar a linguagem literária do registro coloquial. Isso pode ser percebido não somente na fala dos personagens, em que expressões regionais aparecem (“– Chiças: transpiro mais que palmeira!” ), mas também na narração, quando, por exemplo, alguns períodos são iniciados com pronome oblíquo, o que é considerado inadequado na norma-padrão da língua portuguesa (“Lhe encontrávamos coberto de formigas”). Além disso, a escrita contém neologismos, como em: “Éramos nós que recolhíamos seu corpo dorminhoso” e “Parece que os insetos gostavam do suor docicado do velho Taímo”.
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Para aprofundar o conhecimento
1. b
2. a
3. a
4. a
5. e
6. b