04 fevereiro 2023

A CONJURAÇÃO DAS PALAVRAS

O texto a seguir foi retirado de um livro do escritor Benito Pérez Galdós – A Conjuração das palavras – e retrata o momento em que as palavras, revoltadas, abandonam o dicionário:

 

“Uma manhã sentiu-se um grande barulho de gritos, patadas, choque de armas, roçar de vestidos, chamamentos e relinchos, como se um numeroso exército se levantasse e se vestisse apressadamente, preparando-se para uma grande batalha. E na verdade, assunto de guerra devia ser, porque em pouco tempo saíram todas ou quase todas as palavras do dicionário, com fortes e reluzentes armas, formando um batalhão tão grande que não caberia na Biblioteca Nacional.

Na frente marchavam uns peões chamados Artigos, vestidos com túnicas magníficas e malhas de aço finíssimo; não portavam armas, mas sim os escudos de seus senhores, os Substantivos, que vinham um pouco atrás. Estes, em número quase infinito, eram tão vistosos e elegantes que dava gosto vê-los. Também se viam uns poucos Pronomes, representando seus amos, que tinham ficado na cama por doença ou preguiça, e esses Pronomes formavam na fila dos Substantivos como se deles recebessem categoria. Não é necessário dizer que havia de ambos os sexos; e as damas cavalgavam com igual donaire que os homens, portando armas displicentemente.

Atrás vinham os Adjetivos, todos a pé; e se mostravam como serviçais ou satélites dos Substantivos, porque formavam ao lado deles, atendendo a suas ordens.

A pouca distância vinham os Verbos, que eram cavaleiros do tipo mais estranho e maravilhoso que possa conceber a fantasia.

Não é possível dizer seu sexo, nem medir sua estatura, nem descrever suas feições, nem indicar sua idade, com precisão e exatidão. Basta saber que se mexiam muito para todos os lados, e tanto estavam na frente como atrás, e alguns se juntavam para andar emparelhados. Após eles, vinham os Advérbios, que tinham a aparência de ajudantes de cozinha, já que seu ofício era preparar a comida para os Verbos e servi-los de tudo.

Dessas palavras, algumas eram nobilíssimas, e mostravam nos escudos delicados valores, por onde se deduziam seus antepassados latinos ou árabes; outras, sem informações antigas de que se pudessem vangloriar, eram jovenzinhas ou plebeias. Os nobres as tratavam com desprezo. Algumas havia também na qualidade de emigradas da França, esperando o momento de conseguir nacionalidade. Outras, ao contrário, indígenas, caíam de velhas e ficavam de lado, ainda que as outras guardassem certo respeito por suas rugas e as havia tão petulantes e presunçosas, que desprezam as demais, olhando-as com empáfia.”




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