O texto a seguir foi retirado de um livro do
escritor Benito Pérez Galdós – A Conjuração das palavras – e retrata o momento
em que as palavras, revoltadas, abandonam o dicionário:
“Uma manhã sentiu-se um grande barulho de gritos,
patadas, choque de armas, roçar de vestidos, chamamentos e relinchos, como se
um numeroso exército se levantasse e se vestisse apressadamente, preparando-se
para uma grande batalha. E na verdade, assunto de guerra devia ser, porque em
pouco tempo saíram todas ou quase todas as palavras do dicionário, com fortes e
reluzentes armas, formando um batalhão tão grande que não caberia na
Biblioteca Nacional.
Na frente marchavam uns peões chamados Artigos,
vestidos com túnicas magníficas e malhas de aço finíssimo; não portavam armas,
mas sim os escudos de seus senhores, os Substantivos, que vinham um pouco
atrás. Estes, em número quase infinito, eram tão vistosos e elegantes que dava
gosto vê-los. Também se viam uns poucos Pronomes, representando seus amos, que
tinham ficado na cama por doença ou preguiça, e esses Pronomes formavam na fila
dos Substantivos como se deles recebessem categoria. Não é necessário dizer que
havia de ambos os sexos; e as damas cavalgavam com igual donaire que os homens,
portando armas displicentemente.
Atrás vinham os Adjetivos, todos a pé; e se
mostravam como serviçais ou satélites dos Substantivos, porque formavam ao lado
deles, atendendo a suas ordens.
A pouca distância vinham os Verbos, que eram
cavaleiros do tipo mais estranho e maravilhoso que possa conceber a fantasia.
Não é possível dizer seu sexo, nem medir sua
estatura, nem descrever suas feições, nem indicar sua idade, com precisão e
exatidão. Basta saber que se mexiam muito para todos os lados, e tanto estavam
na frente como atrás, e alguns se juntavam para andar emparelhados. Após eles,
vinham os Advérbios, que tinham a aparência de ajudantes de cozinha, já que seu
ofício era preparar a comida para os Verbos e servi-los de tudo.
Dessas palavras, algumas eram
nobilíssimas, e mostravam nos escudos delicados valores, por onde se deduziam
seus antepassados latinos ou árabes; outras, sem informações antigas de que se
pudessem vangloriar, eram jovenzinhas ou plebeias. Os nobres as tratavam com
desprezo. Algumas havia também na qualidade de emigradas da França, esperando o
momento de conseguir nacionalidade. Outras, ao contrário, indígenas, caíam de
velhas e ficavam de lado, ainda que as outras guardassem certo respeito por
suas rugas e as havia tão petulantes e presunçosas, que desprezam as demais,
olhando-as com empáfia.”
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