EMBORA DEMÉTER TENHA TIDO OUTROS SETE FILHOS – Arion e Despoena, Pluto, Filômelos
e Coribas, Eubouleos e a filha Crisótemis –, é Perséfone, a filha gerada com
Zeus, que tem a ligação mais profunda com a mãe. Desta relação, na verdade,
dependem a beleza e a compreensão de todo o mito da deusa da agricultura.
Nosso primeiro contato com o mito de Perséfone, também
chamada Corê, que significa “a garota”, ocorre no chamado “Hino a Deméter”.
Nele ficamos sabendo que Perséfone era a beleza personificada e alegrava a
humanidade, então em tempos de abundância permanente. Um belo dia, a garota
brincava pelos campos floridos com suas amigas, filhas de Oceano, quando viu
uma flor maravilhosa, um espetacular narciso como ela nunca vira antes. Ao
abaixar-se para recolhê-lo, a terra se abriu diante dela e fez surgir “o
Hospedeiro de Muitos, com seus cavalos imortais, que se atira sobre ela – o
Filho de Cronos, ele que tem muitos nomes”.
Era Hades, senhor do reino dos mortos – hospedeiro de muitos,
de fato –, cujo nome o hino parece mesmo evitar. Em vão Perséfone gritou e
resistiu. Hades agarrou-a e, quando a terra se fechou sobre eles, arrastou-a
para as profundezas, sem que ninguém mais ouvisse os gritos da jovem. Apenas
Deméter escutava um lamento distante, no qual reconhecia o eco da voz da filha,
sem conseguir atinar com o que ocorrera.
Apreensiva por notícias da filha, Deméter, ainda sem saber o
que aconteceu, corre em direção ao local onde deixara Perséfone com as amigas.
Lá encontra uma ninfa que a tudo assistira, porém esta não lhe pode dar qualquer
informação, pois foi transformada em uma fonte. É então que Deméter vê
flutuando, na água desta fonte, o cinto da filha. Algo de terrível havia
acontecido.
A BUSCA DE DEMÉTER. Inicia-se, então, a busca de Deméter pela
jovem Perséfone, que dura nove dias e nove noites. Ela percorre o mundo, com
tochas acesas nas mãos, “sem comer ambrosia, beber néctar e sem borrifar o
corpo com água”, prossegue o hino. E quando Hécate, deusa da Lua e das noites
sombrias, diz a Deméter que ouvira os lamentos de Perséfone e a aconselha a
perguntar a Hélios, deus do Sol, a quem nada escapa do que ocorre sobre a
Terra, sobre o destino de Perséfone. Hélios então desfaz o mistério e tenta
consolá-la.
Mas nem a solução para o desaparecimento misterioso da jovem
e nem as ponderadas palavras do deus do Sol sobre as virtudes de seu novo genro
acalmaram a dor e a ira de Deméter. O fato de Zeus haver permitido o rapto, ao
invés de consolá-la, revolta-a ainda mais. Ela então decide se despir de sua
roupagem divina e abandonar o Olimpo. Sai vagando sem destino pelo mundo,
impedindo que os campos brotem e assim ameaçando, silenciosamente, a
sobrevivência da humanidade.
Zeus ordena que a deusa-mensageira Iris vá convencer Deméter
a voltar para o Olimpo e reassumir suas funções divinas. Mas é inútil. Deméter,
agora estabelecida em Elêusis como babá de um menino, responde a Zeus que só
voltará ao Olimpo, e à sua tarefa de alimentar a humanidade, se tiver a filha
de volta.
Sem outra escolha para evitar a destruição da humanidade,
Zeus manda seu outro fiel mensageiro, Hermes, buscar Perséfone no Hades. O rei
das profundezas, aparentemente, não se opõe a isso. Apenas tenta convencer a
jovem de que seria um bom mando e oferece a ela o status de soberana absoluta
de seu reino, respeitada e temida, com direito a receber para sempre aquilo de
que os deuses mais gostavam “ritos e oferendas dos humanos”.
A jovem se deixa convencer e manifesta sua concordância, mas
Hades, por precaução, faz com que ela coma algumas sementes de romã, pois quem
comia algo no Hades ficava obrigado a sempre voltar. Perséfone é então levada
até Deméter e o encontro de ambas é muito feliz. Mas quando Deméter pergunta à
garota se ela comera algo no Hades, ao ouvir uma resposta positiva sua ira
novamente se manifesta. Por sorte, a própria Reia, mãe de Deméter e de Zeus,
avó de Perséfone, consegue convencer a deusa da agricultura a ver a filha
apenas em algumas épocas do ano, deixando que ela volte ao Hades em outras.
Convence-a também a retornar para o Olimpo e reassumir seus deveres em relação à humanidade. A deusa Hécate junta-se a Demeter e Perséfone e, a partir daí,
será sempre a mais fiel companheira da jovem.
Nasciam assim as estações do ano. Na primavera e no verão,
Deméter e Perséfone estavam juntas; no outono e no Inverno, a jovem morava no
mundo subterrâneo.