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E
se não existissem fronteiras?
Imigrantes tirariam
empregos dos nativos no curto prazo. No longo, porém, o número de vagas
cresceria. A história está de prova.
Por Alexandre Versignassi
“Venezuelanos
e bolivianos roubariam nossos empregos.” “A Europa
quebraria.” “Os EUA virariam um México gigante.” É isso que o discurso
conservador diz. Mas ele está fundamentalmente errado.
A raiz dessa falácia está numa
interpretação infantil da teoria econômica: a de que cada sociedade tem um
número fixo de empregos. Mas não é assim que funciona. Os EUA só se tornaram a
maior economia do planeta graças a imigrantes irlandeses, italianos, poloneses,
mexicanos.
Um em cada seis trabalhadores ativos hoje
nos EUA nasceu fora do país. Desde 1970, a população de imigrantes aumentou
seis vezes mais que a de nativos por lá. E a economia segue a todo vapor, com
uma taxa de desemprego pífia (3,9%, contra 13% do Brasil). Por aqui, a maior
obra de imigrantes (e de migrantes) chama-se São Paulo, a cidade que responde
por 10% do PIB nacional.
A história, enfim, mostra que imigrantes
não roubam empregos. Eles criam empregos. Um dos estudos mais recentes sobre
esse fenômeno vem da National Foundation for
American Policy, uma ONG dos EUA especializada em imigração. Ao analisar
uma década de dados do mercado de trabalho americano, o estudo concluiu que o
aumento no número de imigrantes faz crescer a quantidade de vagas.
Mas qual é a lógica? Se uma empresa abre
dez vagas e cinco são preenchidas por imigrantes, não vamos ter mais nativos
desempregados? Num primeiro momento, vamos. Só tem um detalhe: imigrantes não
são mercadoria. São pessoas. E pessoas, no jargão financeiro, são “bens de
capital”. Pessoas criam riqueza, venham elas de onde vierem. “Riqueza” no
seguinte sentido: de cara, imigrantes ampliam o mercado consumidor. Com mais
gente para comprar comida, roupas e alugar imóveis, ganham os produtores de
comida, de roupas e de prédios. Num segundo momento, os próprios imigrantes
passam a fabricar comida, roupas, prédios, já que boa parte deles cria
negócios. Abre novas empresas. […]
Por essas, economistas como Michael
Clemens, diretor da organização americana Center
for Global Development, afirmam que um planeta sem fronteiras seria duas
vezes mais rico, com um PIB de US$ 160 trilhões.
Imigrantes poderiam fazer o mesmo sem sair
de sua terra natal? Em tese, sim. Mas a abertura de fronteiras tem a capacidade
de juntar a fome com a vontade de comer. […]
Um microempreendedor venezuelano tem mais
chance de gerar riqueza em Roraima do que em seu país natal, que deixou de ter
uma economia funcional.
Como resumiu a revista britânica The Economist: “Trabalhadores de países
ricos ganham mais que os de países pobres porque vivem em sociedades que, ao
longo de muitos anos, desenvolveram instituições que favorecem a prosperidade e
a paz. É difícil transferir instituições canadenses para o Camboja, mas é fácil
para uma família cambojana transferir-se para o Canadá”.
Será ruim para o Camboja perder mão e
cabeça de obra? Será. Mas errado mesmo é impedir indivíduos de escolher o melhor
para si próprios.
“A imigração oferece diversas
oportunidades, e seria o mais coerente dentro de uma lógica na qual há uma
intensa circulação de bens e serviços, pois o ser humano faz parte dessa dinâmica
econômica”, diz João Carlos Jarochinski, professor de Relações Internacionais
da Universidade Federal de Roraima.
Ainda assim, nem todo mundo estaria
disposto a tentar a sorte num país estranho, ainda que com instituições mais sólidas.
Desde 1986, cidadãos da Micronésia, país-arquipélago minúsculo e isolado no
Pacífico, podem trabalhar e viver nos EUA à vontade. Só que dois terços da
população decidiu continuar nas ilhas. A União Europeia permite o fluxo livre
de trabalhadores entre os 28 países-membros. Mesmo assim, só 150 mil dos 7
milhões de adultos gregos decidiram imigrar para a Alemanha, nação mais rica do
continente, desde a crise de 2010, que praticamente faliu o país.
No fim, tudo se resume a uma frase: um
mundo sem fronteiras seria mais rico, mais diverso, mais livre. Livre inclusive
para quem prefere trabalhar e empreender na terra onde nasceu.
VERSIGNASSI, Alexandre. E se não
existissem fronteiras? Superinteressante, [s. l.],
28 set. 2018. Disponível em: https://super.abril.com.br/sociedade/e-se-nao-existissemfronteiras/
1. O artigo traz em seu título a pergunta
“E se não existissem fronteiras?”.
a) O que se espera dos leitores com a
apresentação dessa pergunta já no título?
b) Em seguida, na linha fina, o próprio
articulista responde à pergunta. Como ele vê essa discussão?
2. O texto inicia apresentando frases que refletem um ponto de vista comum à maioria das pessoas em relação aos imigrantes.
a) Qual é esse ponto de vista?
b) Esse ponto de vista é apresentado pelo
autor como “fundamentalmente errado”. Ao fazer esse apontamento, que efeito de
sentido pretende-se obter em relação ao leitor do texto?
3. No segundo parágrafo, o articulista apresenta o que seria a “raiz dessa falácia”.
a) O que, segundo o articulista, levou à
construção desse falso raciocínio?
b) Qual é a posição do autor diante desse
raciocínio? Como ele demonstra essa posição no texto?
4. O articulista defende uma tese, ou seja, uma posição a respeito do assunto. Que frase expressa a posição dele em relação aos imigrantes e dá início à argumentação?
5. Para defender sua posição, o articulista elabora uma argumentação que parte dos estudos realizados por uma organização não governamental (ONG) dos Estados Unidos.
a) O que esse estudo concluiu?
b) Que efeito de sentido a referência à
pesquisa realizada por essa ONG produz no artigo de opinião?
c) Que outro trecho produz efeito de
sentido semelhante no texto?
6. No último parágrafo, após apresentar as informações que explicam o fenômeno das imigrações, o articulista fornece ao leitor uma conclusão.
No fim, tudo se resume a uma frase: um
mundo sem fronteiras seria mais rico, mais diverso, mais livre. Livre inclusive
para quem prefere trabalhar e empreender na terra onde nasceu.
• O que ela expressa? Anote as
alternativas corretas.
A. A ausência de fronteiras tornaria o
mundo mais homogêneo.
B. É possível produzir riquezas tanto em
uma terra natal quanto em uma nação estrangeira.
C. O fim das fronteiras resultaria em um
mundo mais livre e diverso.
D. Apenas pessoas acomodadas permanecem no
país onde nasceram.
O cruzeiro do coracle
Não sei quanto tempo eu dormi, mas já era dia
claro quando acordei e vi que estava a sudoeste da Ilha do Tesouro. O sol ainda
se escondia atrás do Morro da Luneta, que desse lado da ilha descia quase até o
mar.
Estava bem próximo do Morro da Mezena. Naquele
trecho o mar batia em penhascos de 40 ou 50 pés de altura cercados de grandes pedras
caídas no mar. Estava perto e meu primeiro pensamento foi remar de volta para a
terra.
Essa ideia foi logo abandonada. Entre as pedras,
a arrebentação espumava e uivava. As ondas reverberavam pesadas, uma após a outra,
borrifando água salgada que ia alto e caía com tudo. Logo vi que não tinha a
menor chance de sobreviver tentando chegar à terra por ali.
Um pouco mais ao norte, o terreno se estendia por
um longo trecho, revelando com a maré baixa uma longa faixa de areia amarela. A
ponta oposta dessa praia era chamada de Ponta das Florestas no mapa, e merecia
o nome. Era coberta por pinheiros verdes que vinham até a beira do mar. Veio à
minha memória o que Silver tinha dito sobre a corrente que corria para norte ao
longo da costa oeste da Ilha do Tesouro. Pela minha posição percebi que já
estava sob sua influência e preferi reservar minha força para tentar
desembarcar na Ponta das Florestas, de aparência mais amistosa.
O mar se movia com uma ondulação alta, mas suave.
O vento soprava firme e gentil vindo do sul, não havia conflito entre ele e a correnteza,
e os vagalhões se levantavam e caíam sem quebrar.
Caso as condições fossem outras, teria morrido.
Acabou sendo uma surpresa como meu barquinho leve era levado com facilidade e
segurança para cima e para baixo pelas ondas. Eu ficava a maior parte do tempo
deitado no fundo, só espiando por cima da amurada, e via aquele grande pico
azul se levantando bem perto de mim. O pequeno coracle sacudia um pouco,
dançava como se estivesse em uma corredeira e deslizava por trás da onda, leve como
um pássaro.
Reuni coragem e me sentei para tentar remar. Mas,
mal tinha me movido, o barco interrompera seu movimento suave e ritmado,
passando a descer uma parede de água tão íngreme que me deu vertigem, embicando
o nariz e borrifando água salgada de encontro à onda seguinte.
Fiquei encharcado e apavorado, e voltei à posição
anterior, onde me pareceu que o coracle tinha reencontrado o rumo de novo, me
levando suavemente como antes pelos vagalhões. Estava claro que não podia
interferir, e daquele jeito, já que não podia alterar o curso, que chance teria
de chegar a terra firme?
Comecei a ficar com um medo horrível, mas mantive
a cabeça fria. Primeiro, me movendo com todo o cuidado, usei meu gorro para
esvaziar o fundo do coracle. [...]
Notei que não podia alterar seu equilíbrio, mas
que seria possível pôr o remo por cima da borda e, de vez em quando, nos
trechos mais serenos, dar uma remada ou duas na direção da costa. Comecei a
agir assim que pensei nisso. Fiquei deitado sobre os cotovelos numa postura
cansativa, e de vez em quando dava uma ou duas pequenas remadas para alterar o
rumo do coracle em direção à terra. [...]
Bem à minha frente, nem meia milha distante,
avistei a Hispaniola com as velas levantadas. É claro que tinha certeza de que
seria capturado, mas estava tão aflito com a sede que nem ligava. Porém, a
surpresa logo tomou conta da minha mente, e não pude fazer nada além de olhar e
me admirar.
A escuna estava com a vela principal e duas
bujarronas desfraldadas ao vento. Quando a vi pela primeira vez, as velas
estavam enfunadas e ela rumava para noroeste. Presumi que os homens a bordo
estivessem contornando a ilha para voltar ao ancoradouro. Logo depois ela
começou a buscar cada vez mais o rumo oeste, então pensei que tivesse me visto e
partido em perseguição. Finalmente, contudo, ela se deixou levar para a linha do
vento e ficou ali, inerte e indefesa, com as velas panejando. [...]
Enquanto isso, a escuna aos poucos atravessou a
linha do vento e acabou mudando a bordo, começando a inflar as velas de novo.
Navegou suavemente por cerca de 1 minuto e ficou mais uma vez com o nariz
voltado para o vento. Todo o movimento se repetiu outras vezes. A Hispaniola
velejava na base de arranques e impulsos, dando voltas como se ninguém a
dirigisse. [...] Se conseguisse embarcar, talvez pudesse recuperar o navio.
A corrente empurrava o coracle e a escuna para o
norte. Quanto ao velejo desta última, era tão selvagem e intermitente, e ficava
tanto tempo de cara para o vento, que com certeza não avançava nada, se é que
não se atrasava na prática. Resolvi me arriscar e sentar e remar para tentar
alcançá-la. A lembrança do tonel de água no castelo de proa dobrou minha
coragem crescente.
Sentei-me e fui imediatamente recebido por outra
nuvem de borrifo, mas dessa vez mantive meu propósito e comecei, com o máximo
de força e cuidado, a remar. Aos poucos, peguei o jeito e conduzi meu coracle pelas
ondas, com raros momentos em que a água entrou por cima da borda e a espuma
veio na minha cara. [...]
Por algum tempo ela ficou fazendo a pior coisa
possível para mim: ficou parada. Quando ela não se atrasava dando voltas, a
força da corrente somada ao efeito do vento sobre seu casco e velame fazia com
que se afastasse. [...]
Estava a menos de 100 jardas dela quando o vento
voltou de repente. A escuna deu uma volta, até ficar de lado para mim, e continuou
girando enquanto percorria a metade, e depois dois terços, e então três quartos
da distância que nos separava. Podia ver as ondas espumando contra sua
linha-d’água. Parecia imensamente alta da minha posição rasteira no coracle.
Foi quando me deu um estalo e comecei a compreender. Tinha muito pouco tempo para pensar. Aliás, mal tive tempo para agir e me salvar. Estava no topo de uma onda quando a escuna veio deslizando por cima da seguinte. O gurupés estava sobre minha cabeça, fiquei de pé e saltei, afundando o coracle para dentro da água. Com uma mão me agarrei à retranca da bujarrona, e meu pé se alojou entre o estai e seu suporte. Enquanto me agarrava como podia, um barulho seco me contou que a escuna tinha abalroado o coracle, e eu estava na Hispaniola sem ter como fugir.
STEVENSON, Robert Louis. A Ilha do Tesouro.
Tradução e adaptação de Rodrigo Machado. São Paulo: FTD, 2016. p. 199, 202-206.
(Coleção Almanaque dos clássicos da literatura).
1.
As narrativas de aventura são histórias de ação e de suspense que se
desenvolvem em locais desafiadores para as personagens.
a)
Jim Hawkins, protagonista da história que você leu, enfrenta situações que
exigem algumas qualidades. No caderno, transcreva as características que, na
sua opinião, podem ser relacionadas a esse personagem a partir das ações e
atitudes realizadas por ele durante a narrativa.
fraqueza - coragem - bom
humor - inteligência
força física – perspicácia - capacidade de solucionar
problemas
b) Em sua opinião, que ações desenvolvidas pelo personagem durante a narrativa destacam essas características dele?
2. Por que é necessário o protagonista de uma narrativa de aventura ter características como as que você indicou na atividade anterior?
3. No capítulo, Jim enfrenta situações que são impossíveis no mundo real. Em sua opinião, qual ação do personagem evidencia esse caráter ficcional?
4.
No último parágrafo, a personagem se dá conta do perigo que corria.
Foi
quando me deu um estalo e comecei a compreender. Tinha muito pouco tempo para
pensar. Aliás, mal tive tempo para agir e me salvar.
a)
Qual foi a consequência desse fato?
b) A descrição desse momento ressalta quais características do personagem?
5.
As narrativas de aventura refletem a época em que foram escritas. A obra A Ilha do Tesouro retrata o século XIX,
período em que se produziu muitas histórias de aventuras no mar.
a)
Como o ambiente marítimo é apresentado na história?
b) Quais são os prováveis motivos para que esse cenário fosse bastante explorado nas narrativas de aventura da época?
6.
A obra A Ilha do Tesouro foi
publicada originalmente na revista Young
Folks, entre 1881 e 1882, em uma série em que cada capítulo se encerrava
com um momento de tensão. Em 1883, a série foi transformada em livro. Sobre
isso, responda às seguintes perguntas.
a)
Com que finalidade o autor Robert Louis Stevenson provavelmente usou essa
estratégia de publicação na revista?
b) De que maneira essa estratégia do autor aparece no capítulo que você leu?
7.
No século XIX, não havia luz elétrica nem automóveis e as viagens eram longas e
difíceis. Quando voltavam de suas viagens, as pessoas tornavam-se o centro das atenções,
compartilhando o que viram e vivenciaram. Sendo assim, explique por que as
narrativas de aventura ficaram populares e atraíram tantos leitores.