Antiamor
JULIANO MARTINZ
Certo dia, você encontra o amor de sua vida.
Apesar de personalidades tão diferentes, você está convencido de que é o amor
verdadeiro. O final poderia ser belo e feliz. Mas você definitivamente não
contava com a presença DELA…
O vírus não pensava em nada enquanto se
transferia de um computador para outro. Não havia sido programado para pensar.
Apenas se deslocava rumo ao cumprimento de sua missão.
O caminho era longo, mas ele se deslocava em
uma velocidade absurda. Em questão de poucos minutos, suas cópias haviam se
propagado para computadores em todo o planeta. Por isso, não precisou de muitos
segundos para deixar um servidor na Flórida e entrar em um computador no
Brasil.
E ali estava ele, em um dispositivo qualquer.
Seu objetivo era simplesmente transformar arquivos executáveis .EXE em imagens
.PNG. Um trabalho simples e rápido. Com os executáveis renomeados, o sistema
travaria. Após a reinicialização, seria impossível carregar o sistema
operacional.
Com o computador enviado para a manutenção,
não haveria alternativa: o computador seria formatado – em outras palavras, o
vírus seria extinto, dando adeus à sua intensa e breve vida byteana.
Mas, afinal, o que ele poderia fazer? O vírus
não tinha escolhas. Não fora programado para desenvolver estratégias de sobrevivência.
Não poderia assinar um acordo de paz com o dispositivo infectado. Precisava
cumprir sua missão, ainda que suicida.
Portanto, partiu para sua sina. Seu primeiro
alvo eram os arquivos de execução da webcam. Por isso, quase que
acidentalmente, acessou a câmera do computador. Foi quando se deparou com o
rosto do usuário. Na verdade, era uma jovem. Dois olhos irradiavam uma
intensidade que fervilharam os códigos binários do vírus. A jovem olhava
fixamente para a tela do dispositivo. Parecia olhar para ele. Parecia querer
transmitir-lhe um sinal. Eventualmente, ela sorria. Um sorriso doce, gentil e
suave; ao mesmo tempo, arrebatador e transdérmico.
O vírus observou-a longamente. Não fora
programado para ter sentimentos. Mas algo acontecia. Subitamente, suas
variáveis adquiriam autoconsciência. As constantes pulsavam um estranho
sentimento. Ele ouvia o algoritmo pulsando um tum-tum-tum em seu peito, como se
não fosse possível contê-lo.
E foi no exato instante em que o amor rompia
operadores, laços e condicionais que ele ouviu um terrível grito. Um
ensurdecedor e famigerado grito de guerra, vindo do mais sádico dos seus
inimigos, ecoando por todo aquele ambiente:
“As definições de
vírus foram atualizadas”
Antes que ele pudesse oferecer a jovem seu
coração, antes que pudesse declarar-lhe seu amor nascido em pureza byteana, ele
sentiu garras furiosas e impiedosas fincando e rompendo seu corpo.
Os dois olhos reluzentes da linda jovem foi a
última visão que o vírus teve, antes que fosse arrastado para a eternidade do
limbo da solidão, um abismo frio e escuro chamado Quarentena.
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- Crônica literária -
* narrativa ficcional com traços muito
fortes de realidade
* narrativa curta, na maioria das vezes
* fatos vinculados a uma ordem cronológica
(narração)
*traz acontecimentos do dia a dia faz uma
análise (indireta) da sociedade
* possui poucos personagens
* veiculada em jornais e revistas
* linguagem coloquial
* expressa emoções de forma mais intensa